quinta-feira, 21 de julho de 2022

Frente Cívica quer suspender processos de naturalização pela lei dos sefarditas

Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro

Associação escreve à ministra da Justiça pedindo urgência no inquérito interno às suspeitas de ilegalidades no Instituto de Registos e Notariado

A associação Frente Cívica escreveu esta quinta-feira, 21, à ministra da Justiça pedindo-lhe que suspenda todos os processos de naturalização pendentes ao abrigo da lei dos sefarditas, enquanto não for completado o inquérito interno anunciado em Janeiro às suspeitas de irregularidades no Instituto dos Registos e Notariado, que culminaram na atribuição da nacionalidade portuguesa ao oligarca russo Roman Abramovich.

A carta, a Frente Cívica lamenta a demora na conclusão do inquérito interno do Instituto dos Registos e Notariado, “numa matéria em que o Estado português está objectivamente sob suspeita, junto da opinião pública e das instâncias internacionais, de ter actuado de forma negligente – ou mesmo conivente – com a venda ilegal de passaportes de conveniência a um cidadão russo actualmente alvo de sanções da União Europeia”.

Por isso, a Frente Cívica pede à ministra Catarina Sarmento e Castro que complete com urgência o inquérito em curso e que, de imediato, faça um ponto de situação público sobre o andamento dessa investigação. A Frente Cívica pede ainda que sejam suspensos todos os processos de naturalização que estejam pendentes ao abrigo da lei que permite a atribuição da nacionalidade portuguesa por descendência sefardita e que seja publicada uma lista dos cidadãos já naturalizados ou requerentes da naturalização que correspondam à definição de Pessoas Politicamente Expostas.

A carta, assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais, e pelo vice-presidente João Paulo Batalha, surge na sequência de notícias que davam conta de que, além de Roman Abramovich, também o oligarca russo Andrei Rappoport já terá obtido a nacionalidade portuguesa ao abrigo desta norma e que outros dois oligarcas, Lev Leviev e God Nisanov, estarão a aguardar a decisão dos seus processos por parte do Governo português. A Frente Cívica pede também que, independentemente do apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares no IRN, que depende do inquérito em curso, o Governo português confirme a legalidade dos processos de naturalização de Abramovich e Andrei Rappoport ou que, confirmando-se a ilegalidade desses processos, anule a atribuição da cidadania portuguesa aos dois oligarcas.

Abaixo, a carta enviada à ministra da Justiça na quinta-feira, 21 de Julho de 2022.


Exma. Sra. Ministra da Justiça,

Prof. Doutora Catarina Sarmento e Castro

Praça do Comércio

1149-019 Lisboa

 

 

Assunto: Naturalização de descendentes de judeus sefarditas

Data: 21 de Julho de 2022

Exma. Sra. Ministra da Justiça,

A 19 de Abril passado escrevemos-lhe, em nome da Frente Cívica, para expressar a nossa preocupação com o processo de naturalização do oligarca russo Roman Abramovich, ao abrigo da norma que permite a concessão da nacionalidade portuguesa a descendentes comprovados dos judeus sefarditas expulsos do território nacional por édito do Rei D. Manuel I. Expressámos nessa ocasião a nossa preocupação pela forma como o processo de Roman Abramovich foi tramitado e decidido; e manifestámos o nosso sentido de urgência quanto à necessidade de uma rápida conclusão do inquérito aberto a propósito, no Instituto dos Registos e Notariado (IRN).

Infelizmente, desde então não só não tivemos resposta de V. Exa. às nossas fundadas preocupações, como não nos chegou notícia pública de que o inquérito do IRN tivesse chegado a quaisquer conclusões ou apurado quaisquer responsabilidades numa matéria em que o Estado português está objectivamente sob suspeita, junto da opinião pública e das instâncias internacionais, de ter actuado de forma negligente – ou mesmo conivente – com a venda ilegal de passaportes de conveniência a um cidadão russo actualmente alvo de sanções da União Europeia.

É grave que tais suspeitas tardem em ser esclarecidas, mas é mais grave ainda que novas suspeitas se avolumem quanto à tramitação de processos de naturalização semelhantes. Com efeito, o jornal Público, na sua edição desta quarta-feira, 20, reporta que outro oligarca russo, Andrei Rappoport terá já obtido a nacionalidade portuguesa ao abrigo da mesma norma, e dois outros, Lev Leviev e God Nisanov estarão a aguardar a decisão dos seus processos por parte do Governo português[1].

Exma. Sra. Ministra,

É cada vez mais evidente que a naturalização de Roman Abramovich não é um caso isolado e que um número indeterminado de outros processos – potencialmente dezenas ou centenas – levantam as mesmas dúvidas de lisura e legalidade, que estão aliás no centro de uma investigação criminal em curso e que o Estado português tem a obrigação urgente de esclarecer, também no plano político e administrativo.

Assim, vimos pela presente requerer a V. Exa.:

1-     Que o inquérito em curso no IRN aos processos de naturalização por descendência sefardita seja concluído no mais curto espaço de tempo possível, sendo tornadas públicas as diligências efectuadas e as conclusões a que chegue o dito procedimento;

2-     Que, sem prejuízo da urgência na conclusão do inquérito em curso, o Governo faça, de imediato, um ponto de situação público sobre o mesmo, indicando, mesmo que brevemente, que diligências foram já tomadas, que dados relevantes foram apurados e qual a expectactiva temporal para a conclusão do inquérito;

3-     Que qualquer decisão de atribuição da nacionalidade portuguesa respeitante a processos de naturalização pendentes seja suspensa até à conclusão do inquérito em curso no IRN;

4-     Que, como já requerido ao Exmo. Sr. primeiro-ministro em cartas remetidas pela Frente Cívica a 22 de Março e 17 de Maio do corrente, o Governo ateste a legalidade e lisura da atribuição da nacionalidade portuguesa a Roman Abramovich, publicando o parecer da Comunidade Israelita do Porto e demais documentação de prova da descendência sefardita que, sendo necessariamente documentação histórica, não está nem pode estar protegida por sigilo de dados pessoais; ou que, em caso de ser ilegal ou fraudulento o processo de naturalização deste cidadão, seja urgentemente suscitada a nulidade do acto e retirado o passaporte português a Roman Abramovich;

5-     Que o mesmo procedimento seja também aplicado ao processo de naturalização do cidadão Andrei Rappoport;

6-     Que o Governo organize e publique uma lista de beneficiários naturalizados ao abrigo desta norma, bem como de requerentes cujos processos estejam ainda pendentes, que se integrem no conceito de Pessoas Politicamente Expostas.

Somos, com os nossos cumprimentos,


Pela FRENTE CÍVICA,

Paulo de Morais, Presidente

João Paulo Batalha, Vice-Presidente



[1] “Mais um oligarca russo já é português e outros dois esperam por passaporte”, Público, 20/07/2022, acessível em: https://www.publico.pt/2022/07/20/sociedade/noticia/oligarca-russo-ja-portugues-dois-esperam-passaporte-2014282

terça-feira, 5 de julho de 2022

Frente Cívica pede explicações sobre atraso na publicação dos registos de interesses dos deputados

Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República

A associação Frente Cívica escreveu esta terça-feira, 5 de Julho de 2022, ao presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, alertando para a demora na publicação dos registos de interesses dos deputados, que continuam a não estar disponíveis no site da Assembleia da República, mesmo já depois de passados todos os prazos legais para a entrega dessa informação por parte dos deputados e membros do Governo.

"Não é na nossa perspectiva aceitável esta situação de incumprimento, que limita objetivamente a capacidade de a sociedade civil escrutinar a actuação do Parlamento e dos seus Deputados, em debates cruciais como o do Orçamento do Estado que acaba de ocorrer, e na qual se tornou impossível avaliar as intervenções dos Deputados à luz dos interesses que tenham registado", lê-se na carta assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais. "A não divulgação do registo de interesses dos Deputados, em violação da Lei, permite suspeitar que haja alguma informação que o Parlamento pretenda esconder dos cidadãos, no âmbito das Declarações entregues ou – o que seria muito pior – que estas estejam a ser alvo de alguma cosmética, tendo em vista camuflar informação relevante e que assim seria ocultada aos cidadãos".

Abaixo, o texto completo da carta.


Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,
Prof. Doutor Augusto Santos Silva 

  

Assunto: Divulgação do Registo de Interesses de Deputados

Data: 5 de Julho de 2022

 

Excelência,

Os cidadãos portugueses não têm ainda acesso aos registos de interesses dos Senhores Deputados, apesar de já terem passado mais de noventa dias sobre a data da posse do Parlamento, em 29 de março de 2022. Afigura-se-nos esta situação inadmissível, porquanto atenta contra o princípio constitucional de liberdade de informação e contraria as exigências de transparência impostas aos titulares de cargos políticos. Esta sonegação de informação é, ademais, ilegal.

Com efeito, nos termos do Artigo 26.º da Lei 60/2019, de 13 de Agosto, “Os Deputados estão obrigados à entrega da declaração única de rendimentos, património e interesses, nos termos previstos no regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”. Essa entrega deve ocorrer “no prazo de 60 dias contados a partir da data de início do exercício das respetivas funções”, como estipulado pelo Artigo 13.º da Lei 52/2019, de 31 de Julho. Pelo que a informação relativa ao registo de interesses deveria ter sido disponibilizada aos cidadãos a partir da data de 28 de Maio de 2022.

E, mesmo na eventualidade de algum Deputado não ter então efectuado a referida entrega, o Artigo 18.º da já citada Lei 52/2019, determina que “Em caso de não apresentação ou apresentação incompleta ou incorrecta da declaração e suas atualizações (…) a entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas notifica o titular ou antigo titular do cargo a que respeita para a apresentar, completar ou corrigir no prazo de 30 dias consecutivos ao termo do prazo de entrega da declaração”.

Por outro lado, nos termos do Artigo 26.º da Lei 60/2019, “A Assembleia da República assegura obrigatoriamente a publicidade no respectivo sítio da Internet dos elementos da declaração única relativos ao registo de interesses dos Deputados”. E, para poder cumprir esta determinação de forma adequada e em prazo aceitável, “A Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados tem acesso electrónico em tempo real à totalidade das declarações de rendimentos, património e interesses apresentadas pelos Deputados à Assembleia da República e pelos membros do Governo, para efeitos de cumprimento das suas atribuições e competências.”

Resulta inevitavelmente do exposto que a Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados, dispondo dos meios técnicos e legais, deveria ter disponibilizado, no sítio da Internet, a informação relativa ao registo de interesses dos Deputados a partir, no máximo, do 61.º dia a partir da data de início do exercício das respetivas funções, para os Deputados cumpridores; e, no máximo, a partir do 91.º dia, relativamente aos Deputados que eventualmente não tenham apresentado a sua declaração ou o tenham feito de forma incompleta ou incorrecta.

Não é na nossa perspectiva aceitável esta situação de incumprimento, que limita objetivamente a capacidade de a sociedade civil escrutinar a actuação do Parlamento e dos seus Deputados, em debates cruciais como o do Orçamento do Estado que acaba de ocorrer, e na qual se tornou impossível avaliar as intervenções dos Deputados à luz dos interesses que tenham registado. A não divulgação do registo de interesses dos Deputados, em violação da Lei, permite suspeitar que haja alguma informação que o Parlamento pretenda esconder dos cidadãos, no âmbito das Declarações entregues ou – o que seria muito pior – que estas estejam a ser alvo de alguma cosmética, tendo em vista camuflar informação relevante e que assim seria ocultada aos cidadãos.

Vimos, pois, solicitar a Vossa Excelência que determine a recolha, por parte da Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados, da informação relativa ao registo de interesses de todos os Deputados. E, de seguida, proceda à sua divulgação imediata no sítio da Internet da Assembleia da República, sem prejuízo de futuras actualizações que se venham revelar necessárias ou úteis no âmbito do trabalho de verificação das ditas declarações, actualmente em curso em sede da Comissão Parlamentar de Transparência e Estatuto dos Deputados.

Com os melhores cumprimentos,


Paulo de Morais,

Presidente da Frente Cívica