sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Frente Cívica reclama acesso a informação "confidencial" do Ministério da Agricultura

Associação alerta que a confidencialidade de informação "politicamente embaraçosa"
cria "um precedente gravíssimo" para a democracia

Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura

A associação Frente Cívica escreveu esta sexta-feira à ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, requerendo o acesso à resposta do Ministério da Agricultura a uma pergunta parlamentar sobre o caso do agricultor Luís Dias. Num ofício enviado ao Parlamento a 30 de Agosto e publicado no site da Assembleia da República, o Governo invocou "o carácter confidencial" da informação para impedir a publicação das respostas remetidas à Assembleia sobre o caso do agricultor que se encontra há 16 dias em greve de fome frente à residência oficial do primeiro-ministro.

"Não vislumbramos com que fundamento pode a resposta à pergunta formulada pela Assembleia da República ser confidencial, dado que sobre o assunto em causa não existe, que seja do conhecimento público, qualquer matéria protegida por segredo de justiça ou qualquer modalidade de segredo de Estado", escreve a Frente Cívica no pedido de acesso à informação, assinado pelo vice-presidente João Paulo Batalha. 

"A invocação não fundamentada de sigilo ou confidencialidade nega à sociedade civil o seu direito de acesso à informação e alimenta a suspeita de que o Governo estará a invocar abusivamente a confidencialidade de informação para se furtar às suas responsabilidades neste caso e às suas obrigações de prestação de contas perante os cidadãos", acrescenta. Num caso onde têm sido alegadas – e documentadas pela própria Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território – sérias responsabilidades da Administração Pública e do Governo, o Ministério da Agricultura e Alimentação não pode estar mais empenhado em encobrir do que em esclarecer", lê-se no pedido. 

Para a Frente Cívica, "a invocação não fundamentada de confidencialidade da informação cria um precedente gravíssimo, que permitirá ao Governo, de futuro, classificar como confidencial qualquer informação politicamente embaraçosa, demolindo o direito de acesso à informação como pilar basilar da própria democracia e do Estado de Direito e transformando o Executivo numa autocracia, a salvo de qualquer responsabilização perante os cidadãos".

Anexa-se, para conhecimento, a carta enviada pela Frente Cívica:

Exma. Sra. Ministra da Agricultura e Alimentação,

Dr. Maria do Céu Antunes

Praça do Comércio

1149-010 Lisboa

gabinete.maa@maa.gov.pt

 

 

Assunto: Pedido de acesso a informação

Data: 23 de Setembro de 2022

 

Exma. Sra. Ministra,

No dia 28/7/2022, a Assembleia da República expediu a Vª Exa.ª a Pergunta Número 434/XV (1.ª), formulada pelo Grupo Parlamentar do Chega, sobre o caso dos agricultores Maria José Santos e Luís Dias (este último actualmente em greve de fome em frente à residência oficial do primeiro-ministro) e o projecto da Quinta das Amoras, no concelho de Idanha-a-Nova. A resposta do gabinete de Vª Exa.ª, com data de 30 de Agosto de 2022, não foi publicada no sítio de Internet da Assembleia da República, em razão de ter o Ministério da Agricultura e Alimentação invocado o “facto da informação nela contida ser de carácter confidencial”[1].

Ora, não vislumbramos com que fundamento pode a resposta à pergunta formulada pela Assembleia da República ser confidencial, dado que sobre o assunto em causa não existe, que seja do conhecimento público, qualquer matéria protegida por segredo de justiça ou qualquer modalidade de segredo de Estado. Nem no ofício do gabinete de Vª Exa.ª invocando o “carácter confidencial” da resposta é fundamentada essa classificação, o que impede o escrutínio da sociedade civil numa questão de relevante interesse público e que assume presentemente uma situação de urgência humanitária, pela greve de fome do agricultor Luís Dias que, à data, vai no 16º dia.

Sra. Ministra,

A invocação não fundamentada de sigilo ou confidencialidade nega à sociedade civil o seu direito de acesso à informação e alimenta a suspeita de que o Governo estará a invocar abusivamente a confidencialidade de informação para se furtar às suas responsabilidades neste caso e às suas obrigações de prestação de contas perante os cidadãos. Num caso onde têm sido alegadas – e documentadas pela própria Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território – sérias responsabilidades da Administração Pública e do Governo, o Ministério da Agricultura e Alimentação não pode estar mais empenhado em encobrir do que em esclarecer.

Acresce que a invocação não fundamentada de confidencialidade da informação cria um precedente gravíssimo, que permitirá ao Governo, de futuro, classificar como confidencial qualquer informação politicamente embaraçosa, demolindo o direito de acesso à informação como pilar basilar da própria democracia e do Estado de Direito e transformando o Executivo numa autocracia, a salvo de qualquer responsabilização perante os cidadãos.

Assim, vem por este meio a Frente Cívica, ao abrigo das disposições aplicáveis da Lei de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental (Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto), requerer a Vª Exa.ª o acesso integral à resposta remetida pelo Ministério da Agricultura e Alimentação à Pergunta Número 434/XV (1.ª) da Assembleia da República. Caso o Governo insista na confidencialidade da informação contida na dita resposta, requeremos a Vª Exa.ª, ao abrigo da disposição legal acima citada, acesso ao despacho de classificação, onde constem especificamente os fundamentos de facto e de Direito que justifiquem essa classificação.

Com os melhores cumprimentos, 

Pelo Conselho de Direcção da Frente Cívica,

João Paulo Batalha, Vice-presidente

 



[1] A pergunta e o ofício de remissão da resposta são consultáveis no website da Assembleia da República em: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePerguntaRequerimento.aspx?BID=123197


terça-feira, 13 de setembro de 2022

Frente Cívica pede explicações ao Banco de Portugal sobre garantia soberana do BESA

"Banco de Portugal, 2009.02.12" por nmorao,
licenciado sob CC BY-NC-ND 2.0.

A associação Frente Cívica escreveu esta segunda-feira ao Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, pedindo explicações sobre o accionamento da garantia soberana do Estado angolano ao Banco Espírito Santo Angola, cuja falência contribuiu para a queda do Banco Espírito Santo em Portugal. Na carta, assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais, e o vice-presidente João Paulo Batalha, a associação recorda os prejuízos gerados pela resolução do BES e pergunta que esforços foram feitos pelo Estado português, aproveitando as boas relações diplomáticas com Angola, para recuperar os 5,7 mil milhões de dólares garantidos em 2014 pelo Presidente José Eduardo dos Santos. 

A carta coincide com a visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, para assistir à tomada de posse do Presidente João Lourenço, após as eleições angolanas de 24 de Agosto passado, marcadas por acusações de fraude eleitoral. "O Governo e o Presidente portugueses têm feito um enorme esforço para garantir boas relações com o Presidente de Angola, ao ponto de ignorarem as alegações de fraude nas recentes eleições ou de pressionarem a justiça portuguesa para que não julgasse o ex-vice-Presidente Manuel Vicente, próximo de João Lourenço, por ter corrompido um procurador português. É altura de perguntar para que serve essa proximidade com o regime angolano, se o Estado português continua sem executar uma garantia de 5,7 mil milhões de dólares relacionados com os prejuízos do BES", explica o presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais. "Cabe ao Banco de Portugal, responsável pela estabilidade do sistema financeiro, explicar que diligências foram feitas, directamente ou através dos canais diplomáticos que tanto se gabam da sua proximidade com Angola, para recuperar este dinheiro".

Na carta, a Frente Cívica recorda que o anterior governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, havia dito que não se previa qualquer “impacto negativo relevante na posição de capital do BES resultante da situação financeira da filial BESA”, poucos dias antes da falência do Banco Espírito Santo em Portugal. Por isso, a associação pergunta a Mário Centeno se a garantia soberana emitida por José Eduardo dos Santos foi ou não executada, de que forma foi protegida a exposição do BES ao BESA, que esforços (se é que alguns) foram feitos para accionar a garantia e qual o papel das "excelentes" relações diplomáticas de Portugal com Angola para assegurar o retorno do capital garantido. A Frente Cívica pergunta ainda quem, na ausência desta garantia soberana, está a arcar com o prejuízo da falência do BES.

Anexa-se a carta enviada pela Frente Cívica:


Exmo.° Senhor Governador do Banco de Portugal

Prof. Doutor Mário Centeno


 

Assunto: Garantia soberana da República de Angola ao Banco Espírito Santo Angola (BESA)

Data: 13 de Setembro de 2022

Exmo.º Senhor Governador,

Na sequência de pedido de informação remetido pela associação Frente Cívica ao seu antecessor, Dr. Carlos Costa, a 1 de Abril de 2019, para o qual nunca obtivemos resposta, vimos pela presente solicitar a V. Exa. que nos informe, e que publicamente informe os portugueses, qual o destino do capital coberto pela “Garantia Autónoma até ao valor de USD 5.700.000.000,00 (cinco mil milhões e setecentos milhões de dólares norte americanos), a favor do Banco Espírito Santo Angola, SA, […] que assume a responsabilidade pelo bom e integral cumprimento das operações de crédito executadas” pelo BESA, nos termos do Despacho Presidencial Interno n.° 7/2013, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, e cuja cópia anexamos.

Recordamos que, à data deste Despacho, o Banco Espírito Santo (BES) era detentor de 55,71% do BESA e que, face à emissão desta garantia, o então Governador do Banco de Portugal, Dr. Carlos Costa, afirmou não se prever “impacto negativo relevante na posição de capital do BES resultante da situação financeira da filial BESA” (notícia de 21/07/2014, dias antes da resolução do BES/Novo Banco).

É hoje sabido que tal “impacto negativo” não só não foi prevenido, como se verificou efectivamente, contribuindo de forma muito relevante para a falência do Banco Espírito Santo e para a sua resolução, com custos para o Estado e os contribuintes portugueses. Por essa razão, solicitamos também, Exmo.º Senhor Governador, que nos informe como foi acautelada a não existência de “impacto negativo” então anunciada pelo Banco de Portugal, nomeadamente com que base avaliou tal salvaguarda, aquando da resolução do BES.

Em suma, pedimos que nos informe se:

a)      a garantia autónoma foi ou não executada;

b)      como foi garantida a exposição do BES no BESA;

e, se tal não ocorreu,

c)      se, desde então e até hoje, o Banco de Portugal envidou quaisquer esforços no sentido de recuperar, a favor do sistema financeiro português o capital referido (cinco mil e setecentos milhões de dólares norte americanos);

d)      em que medida as anunciadas excelentes relações diplomáticas entre Portugal e Angola, ou a proximidade entre Sua Excelência o Presidente da República de Portugal e o Presidente da República de Angola contribuíram (ou não) para o desiderato da recuperação de tão elevado montante;

e)      finalmente, se este capital não tiver sido até hoje recuperado, pedimos nos informe quem está a assumir este prejuízo, se o BES, o Novo Banco, o Fundo de Resolução ou o Estado português.

Na expectativa de uma reposta de V. Exa., apresentamos os nossos cumprimentos,

Porto, 13 de Setembro de 2022

 

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente