terça-feira, 23 de abril de 2024

Frente Cívica subscreve carta em defesa da liberdade de expressão

 

"Microphone" por drestwn sob licença CC BY 2.0.

Os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica subscreveram uma carta de 21 personalidades que, a propósito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, apelaram às autoridades portuguesas para que promovam a rápida transposição da nova Directiva Europeia que visa proteger cidadãos de litigância judicial ilegítima e retaliatória por exercerem a sua liberdade de expressão.

«Portugal sofre particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão», lê-se na carta enviada ao presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro, à ministra da Justiça e aos representantes dos partidos no Parlamento.

Os subscritores apelam às autoridades portuguesas «que procedam o mais rápido possível à transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado, fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza verdadeiramente os valores de Abril». 

Transcreve-se abaixo a carta, assinada por 21 personalidades, que incluem os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica:


Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Exma. Senhora Ministra da Justiça,

Exmas/os. Sras/Srs presidentes dos Grupos Parlamentares e Deputada única representante de partido,

 

Assunto: Directiva europeia em defesa da Liberdade de Expressão

Data: 23 de Abril de 2024

 

Uma das maiores conquistas de Abril é a possibilidade de todos os cidadãos exprimirem livremente a sua opinião sobre a vida pública. Contudo, 50 anos depois da Revolução dos Cravos, e ainda que a censura administrativa e de Estado esteja formalmente extinta, novas formas de limitação da liberdade de expressão têm vindo a condicionar o debate público livre e esclarecido. Uma das principais é a litigância judicial contra activistas, jornalistas, académicos e cidadãos, por parte de poderosos visados pela crítica e denúncia.

Queixas-crime por difamação ou processos cíveis para reparação da honra e bom nome, a que são associados pesados pedidos de indemnização e elevadas custas de justiça, tornaram-se uma prática comum de assédio contra quem procura, através de mecanismos de participação pública, sociedades mais justas, igualitárias e informadas. Estas formas de retaliação contra a participação pública, por parte de quem tem recursos, visam, através dos incómodos, condicionamentos e custos que os processos judiciais acarretam, amedrontar e limitar os que, de livre voz, se atrevem a apontar o dedo às irregularidades, transgressões ou faltas de ética. São, sobretudo, uma ferramenta de censura social e económica que usa meios públicos (os tribunais e demais estruturas judiciárias) a seu favor para calar vozes dissonantes.

Portugal sofre particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão.

Por perceber a importância de manter livre a voz de quem, com espírito cívico, participa no debate público, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu aprovaram neste mês de Abril que corre – o que não deixa de ser simbólico no que a Portugal diz respeito – uma directiva relativa à protecção das pessoas envolvidas na participação pública contra pedidos manifestamente infundados ou processos judiciais abusivos. É a chamada directiva anti-SLAPP (a expressão em inglês para “Strategic Litigation Against Public Participation”, em anexo).

O documento ressalva que esses processos não procuram proteger direitos legítimos de quem os instaura, mas sim «silenciar o debate público e impedir a investigação e denúncia de violações do direito», recorrendo a assédio e intimidação. Assim, a Europa procura por meio desta iniciativa legal de proteção de jornalistas, activistas, académicos e cidadãos defender a liberdade de expressão como um direito fundamental. 

A directiva está aprovada e é uma medida essencial para a salvaguarda da liberdade de expressão. Falta agora que seja Lei em todos os países. E, nessa matéria, Portugal pode, e deve, dar o exemplo, não esgotando o prazo de dois anos para a sua transposição para o Direito Nacional (prazo previsto no documento, Maio de 2026). Seria uma verdadeira e genuína homenagem a Abril que essa transposição ocorresse ainda em 2024, quando assinalamos os 50 anos da Liberdade. Uma transposição expedita seria o sinal de que Portugal está verdadeiramente comprometido com os valores e princípios de Abril, ao mesmo tempo que alinha com as tendências mais recentes da Europa.

Por isso, os abaixo-assinados solicitam a V. Exas. que procedam o mais rápido possível à transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado, fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza verdadeiramente os valores de Abril.

2024 deve ser o ano dos 50 anos sobre o 25 de Abril, mas também o ano em que abolimos novas formas, mais insidiosas, de censura. Entendemos que a melhor forma de celebrar o 25 de Abril não é evocar a data histórica. A melhor comemoração é continuar a lutar pelos ideais de Abril, reconsagrando e alargando o ideal estruturante de toda a participação democrática, justamente o da liberdade de expressão.

Com os melhores cumprimentos,

Subscrevem

Ana Gomes

António Manuel Ribeiro

Bárbara Rosa

Eduardo Cintra Torres

Francisco Teixeira da Mota

Henrique Neto

João Paulo Batalha

Jónatas Machado

José Matos

Leonor Caldeira

Luís de Sousa

Margarida Mano

Mário Frota

Paulo de Morais

Rui Oliveira Marques

Rui Torres

Sérgio Denicoli dos Santos

Susana Coroado

Susana Peralta

Teresa Serrenho

Teresa Violante