"autoestrada" by Fer.Ribeiro sob licença CC BY-NC 2.0. |
A Frente Cívica
assistiu com incredulidade e inquietação ao debate parlamentar desta
quinta-feira sobre a eliminação de portagens nas ex-SCUT, Parcerias
Público-Privadas rodoviárias. Ao longo de horas, o Parlamento centrou o debate
nos custos das ex-SCUT para os portugueses e para o Estado. Mas este debate,
importante, acabou sendo usado para ofuscar a questão de fundo, ainda mais
premente, das rendas ruinosas pagas aos concessionários privados, todos os
anos.
Se é verdade que a
extinção das portagens pode representar uma diminuição de receitas públicas
até, no máximo, 400 milhões de euros, é também certo que o Estado está a pagar
indevidamente aos concessionários o dobro desse valor, ou seja, 800 milhões,
todos os anos. A extinção deste negócio permitiria não só que os utentes das
ex-SCUT deixassem de pagar portagens, como, ao mesmo tempo, ainda arrecadaria
para o erário público 400 milhões de euros anuais.
“O Parlamento
serviu-nos um festival de hipocrisia, que culminou na aprovação de uma medida
cuidadosamente preparada para não beliscar as rendas pagas aos privados que
capturaram o Estado no negócio das ex-SCUT. Uma Assembleia que passa horas a
discutir 400 milhões de euros e não toca nos 800 milhões entregues todos os
anos aos concessionários está totalmente enfeudada a estes interesses”, aponta Paulo de
Morais, presidente da Frente Cívica.
As Parcerias
Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos
1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve
ser extinto.
Este é um problema
crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso
orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da
Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia
da República, que recomendou a sua revisão ou extinção. No entanto, mesmo
depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS, e a
partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a
representar uma sangria de recursos públicos.
Com efeito, o
Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP
rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das
concessões, em 2040. Este número astronómico contrasta com o valor real das
PPP, calculado pelo Eurostat. Já em 2021, o órgão estatístico da União Europeia
tinha avaliado em apenas 4 mil milhões de euros o valor total dos activos em
PPP contratadas pelo Estado Central – sendo que este total inclui PPP de
sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800
milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco
mais de 10 mil milhões inscritos no OE de 2023, como encargos dos mesmos
contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos
futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra
contumaz nos sucessivos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português
propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do
triplo do valor real dos activos em causa.
Estas rendas
constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a
autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no
desenvolvimento económico e social do país. O Estado deve por isso extinguir as
Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor
actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve
refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, ou num eventual Orçamento
rectificativo para 2024, que deverá contemplar uma redução dos encargos brutos
previstos, dos cerca de 1200 milhões hoje orçamentados, para valores a rondar
os 400 milhões.
Qualquer discussão
parlamentar sobre este assunto deve contemplar a totalidade do problema, e não
apenas o terço desta captura cujo pagamento pesa sobre os automobilistas.