quinta-feira, 2 de maio de 2024

Frente Cívica denuncia “festival de hipocrisia” no debate das SCUT

 

"autoestrada" by Fer.Ribeiro sob licença CC BY-NC 2.0.

A Frente Cívica assistiu com incredulidade e inquietação ao debate parlamentar desta quinta-feira sobre a eliminação de portagens nas ex-SCUT, Parcerias Público-Privadas rodoviárias. Ao longo de horas, o Parlamento centrou o debate nos custos das ex-SCUT para os portugueses e para o Estado. Mas este debate, importante, acabou sendo usado para ofuscar a questão de fundo, ainda mais premente, das rendas ruinosas pagas aos concessionários privados, todos os anos.

 

Se é verdade que a extinção das portagens pode representar uma diminuição de receitas públicas até, no máximo, 400 milhões de euros, é também certo que o Estado está a pagar indevidamente aos concessionários o dobro desse valor, ou seja, 800 milhões, todos os anos. A extinção deste negócio permitiria não só que os utentes das ex-SCUT deixassem de pagar portagens, como, ao mesmo tempo, ainda arrecadaria para o erário público 400 milhões de euros anuais.

 

“O Parlamento serviu-nos um festival de hipocrisia, que culminou na aprovação de uma medida cuidadosamente preparada para não beliscar as rendas pagas aos privados que capturaram o Estado no negócio das ex-SCUT. Uma Assembleia que passa horas a discutir 400 milhões de euros e não toca nos 800 milhões entregues todos os anos aos concessionários está totalmente enfeudada a estes interesses”, aponta Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica.

 

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.

 

Este é um problema crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, que recomendou a sua revisão ou extinção. No entanto, mesmo depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS, e a partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a representar uma sangria de recursos públicos.

 

Com efeito, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Este número astronómico contrasta com o valor real das PPP, calculado pelo Eurostat. Já em 2021, o órgão estatístico da União Europeia tinha avaliado em apenas 4 mil milhões de euros o valor total dos activos em PPP contratadas pelo Estado Central – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões inscritos no OE de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos sucessivos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos activos em causa.

 

Estas rendas constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no desenvolvimento económico e social do país. O Estado deve por isso extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, ou num eventual Orçamento rectificativo para 2024, que deverá contemplar uma redução dos encargos brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões hoje orçamentados, para valores a rondar os 400 milhões.

 

Qualquer discussão parlamentar sobre este assunto deve contemplar a totalidade do problema, e não apenas o terço desta captura cujo pagamento pesa sobre os automobilistas.