terça-feira, 29 de agosto de 2023

Frente Cívica pede a António Costa urgência na aplicação das sanções à Rússia

João Pedro Correia, CC BY 2.0
<https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

 

A Frente Cívica escreveu esta terça-feira ao primeiro-ministro, António Costa, questionando a falta de acção de Portugal na aplicação das sanções impostas pela União Europeia à Rússia, por causa da guerra na Ucrânia iniciada há um ano e meio. 

Recordando uma carta enviada em Março de 2022 por um conjunto de personalidades (que incluíam os dirigentes da Frente Cívica) apelando à criação de uma task-force dedicada a identificar e congelar bens de pessoas e entidades russas em Portugal, a associação constata que, desde então, nada foi feito. 

Segundo notícias vindas a público, apenas 25 milhões de euros foram apresados em Portugal, correspondentes a activos financeiros. "Isto significa que o Estado português está a falhar na aplicação das sanções da União Europeia e que o nosso país continua a ser um potencial porto seguro para bens da oligarquia russa na UE e na Zona Euro. Um ano e meio depois do início da guerra, esse falhanço é inaceitável", lê-se na carta enviada esta terça-feira pela Frente Cívica.

"O apoio que Portugal prometeu, e proclama, à Ucrânia, numa guerra que se arrasta com enorme sacrifício do povo ucraniano, não pode ter como tradução prática a omissão ou a cumplicidade com negócios da elite russa responsável pela agressão. No último ano e meio, o Estado português não fez qualquer esforço para retirar à liderança russa os bens que possam estar escondidos em Portugal".

Anexa-se a carta enviada pela Frente Cívica:


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

 

 

C/c.:

S. Exa. o Presidente da República,

Exmo. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,

 

 

Data: 29 de Agosto de 2023

Assunto: Aplicação das sanções da UE à Rússia

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Há um ano e meio, a Federação Russa iniciou uma guerra de agressão ilegal e injustificável contra a Ucrânia. O Estado Português justamente condenou, em diversas ocasiões e em diversos fóruns, nacionais e internacionais, a agressão do regime de Putin, manifestando a sua solidariedade e apoio ao Governo e ao povo ucranianos. Essa posição, de defesa do direito internacional, foi reiterada ao mais alto nível, nos últimos dias, pela visita de S. Exa. o Presidente da República à Ucrânia.

Em paralelo, a invasão russa teve uma resposta imediata da União Europeia que, no último ano e meio, aprovou já 11 pacotes de sanções contra a Federação Russa e a sua liderança política, militar e económica[1]. No início do presente mês de Agosto, inclusivamente, o escopo das sanções foi alargado à Bielorrússia, precisamente para assegurar a eficácia das medidas sancionatórias e evitar que os responsáveis pela guerra consigam impunemente contornar a sua aplicação.

A par das medidas de cooperação já anunciadas pelo Governo português, Portugal está obrigado, enquanto membro da União Europeia, a aplicar as sanções definidas pelo Conselho da UE, que nos obrigam a identificar e congelar bens de pessoas e entidades sancionadas em Portugal. Em Março do ano passado, quando a primeira ronda de sanções foi decidida, um grupo de cidadãos escreveu a V. Exa. apelando à criação de uma task-force dedicada a identificar e congelar bens russos em Portugal[2]. Em resposta, o gabinete de V. Exa. informou-nos ter remetido a questão para o Gabinete do Exmo. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, tanto quanto sabemos, não lhe deu qualquer seguimento.

Desde então, ao contrário do então sugerido, não só não foi criada nenhuma task-force dedicada, como não foi feito qualquer reporte público sobre os bens apresados em Portugal. Em entrevista publicada em Maio passado no Diário de Notícias, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, revelou, sem mais detalhes, que “Em Portugal, foi possível congelar 25 milhões de euros”[3]. O mesmo montante foi referido numa reportagem da TVI/CNN Portugal em Junho passado que, citando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, acrescentou que os activos “(todos eles financeiros)” dirão respeito a 44 pessoas e entidades sancionadas[4].

O facto de, até à data, os activos detectados e congelados serem, aparentemente, apenas activos financeiros, identificados por acção do sistema financeiro, confirma que não tem sido feito um esforço consistente e organizado para detectar bens de pessoas e entidades russas em Portugal. Isto significa que o Estado português está a falhar na aplicação das sanções da União Europeia e que o nosso país continua a ser um potencial porto seguro para bens da oligarquia russa na UE e na Zona Euro. Um ano e meio depois do início da guerra, esse falhanço é inaceitável.

O apoio que Portugal prometeu, e proclama, à Ucrânia, numa guerra que se arrasta com enorme sacrifício do povo ucraniano, não pode ter como tradução prática a omissão ou a cumplicidade com negócios da elite russa responsável pela agressão. No último ano e meio, o Estado português não fez qualquer esforço para retirar à liderança russa os bens que possam estar escondidos em Portugal. É por isso imperativo que, apesar do atraso, o Governo português aplique as recomendações que lhe foram feitas em Março de 2022 pelos cidadãos que então interpelaram V. Exa., nomeadamente:

1-     Seja finalmente criada uma task-force, para operar enquanto estiverem em vigor as sanções decretadas pelo Conselho da UE, liderada pela Procuradoria-Geral da República e integrando elementos do Gabinete de Recuperação de Activos e da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Banco de Portugal e de outras autoridades relevantes para a aplicação em Portugal das sanções determinadas pelo Conselho da União Europeia;

2-     Esta task-force seja dotada da autonomia e meios necessários para executar a sua missão de forma célere e eficaz, apurando toda a informação existente (financeira, fiscal, policial e outra) relativa a suspeitas de ligação entre património estabelecido em Portugal e as pessoas individuais e colectivas constantes das listas de sanções, incluindo empresas, entidades, contas bancárias, imóveis, fundos de investimento ou outros produtos financeiros, automóveis, embarcações e aeronaves, portfolios de criptomoedas, bem como qualquer outro património que seja maioritária ou minoritariamente detido, ou tenha sido detido e, desde recentemente, já não o seja, pelas pessoas e entidades sancionadas; ou que tenha registado fluxos financeiros ou comerciais significativos de razoabilidade dúbia com empresas detidas pelas pessoas e entidades sancionadas;

3-     Seja concedida a esta task-force um mandato amplo para aceder às bases de dados nacionais relevantes, incluindo os Registos Comercial, Predial e Automóvel, o Registo Central dos Beneficiários Efectivos, os registos de empresas sediadas ou com actividade na Zona Franca da Madeira, bem como das aeronaves e embarcações registadas em Portugal (incluindo no Registo Internacional de Navios da Madeira), de forma a facilitar o rápido e eficiente acesso à informação necessária para o mapeamento dos bens a congelar e para a partilha de dados com organismos europeus e internacionais;

4-     Esta task-force seja encarregue de assegurar a troca de informações com os mecanismos internacionais de cooperação existentes, incluindo a task-force “Freeze and Seize”, da Comissão Europeia, a task-force “Russian Elites, Proxies and Oligarchs”, o EUROJUST, EUROPOL, EUROFISC, OLAF e Interpol, não só para facilitar o mapeamento de bens apresáveis em Portugal mas também para incrementar a eficácia dos esforços em curso nos outros Estados envolvidos;

5-     Esta task-force publique relatórios regulares das actividades desenvolvidas para o cumprimento da sua missão, que devem ser apresentados e discutidos na Assembleia da República, assegurando desta forma a prestação de contas e o escrutínio necessários a tranquilizar os portugueses e os nossos parceiros europeus do zelo e diligência de Portugal na aplicação das sanções;

6-     Esta task-force tenha um mandato para propor ao Governo ou ao Parlamento eventuais alterações ou melhorias de legislação e regulação, de procedimentos ou de políticas públicas relacionadas com a aplicação de sanções, o congelamento de bens e a recuperação de activos.

Pela urgência, dimensão e transversalidade das tarefas necessárias ao bom cumprimento desta missão, a liderança política para a criação desta estrutura de aplicação das sanções não pode ser delegada no Ministério dos Negócios Estrangeiros – como, aliás, se constatou neste longo ano e meio –, mas tem de ser assumida pessoalmente por V. Exa. É neste sentido que lhe renovamos o apelo feito em Março de 2022, para que Portugal não perca mais tempo.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

 

 

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 



 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 


sábado, 22 de julho de 2023

Frente Cívica pede ao Ministério Público que convoque Augusto Santos Silva como testemunha na investigação ao financiamento político

 

"Procuradoria-Geral da República Portuguesa 01"
por 
GualdimG sob licença CC BY-SA 4.0.

A Frente Cívica escreveu este sábado à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, e à Diretora do DIAP de Lisboa, Fernanda Oliveira, incentivando o Ministério Público a alargar as investigações a eventuais ilegalidades no financiamento dos partidos políticos, tal como foi noticiado no fim de semana pela comunicação social. A associação recomenda ainda que o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que afirmou publicamente não haver qualquer sobrefinanciamento dos partidos, seja convocado e ouvido como testemunha no inquérito.

Na carta, a Frente Cívica aponta que as declarações de Rui Rio, ex-presidente do PSD, e de João Torres, secretário-geral adjunto do PS, indicando que o uso de recursos do Parlamento para benefício dos partidos será transversal e consensual, "devem ser encaradas como denúncias de que os comportamentos sob suspeita serão, de facto, generalizados, pelo que acolhemos com satisfação as notícias de que o Ministério Público estará a preparar-se para alargar o inquérito em curso".

A associação recomenda ainda que o presidente do Parlamento seja ouvido no âmbito das investigações. Depois de ter criticado as buscas ao PSD como "um crime em directo", Augusto Santos Silva afirmou publicamente não existir qualquer sobrefinanciamento dos partidos políticos. "Ora, esta afirmação taxativa parece configurar uma certeza absoluta sobre os factos que estão sob investigação judicial, pelo que se nos afigura justificado que, no âmbito do inquérito em curso, o Ministério Público convoque o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República para ser ouvido como testemunha, dando-lhe a oportunidade de esclarecer que controlos e verificações são exercidos pela Assembleia da República para garantir a boa utilização dos meios financeiros e humanos de apoio aos grupos parlamentares, e a legalidade das práticas dos partidos a este respeito", lê-se na carta.

Abaixo, para conhecimento, a carta enviada pela Frente Cívica.



Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

 

 

C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta Dra. Fernanda Oliveira,

Directora Regional do DIAP de Lisboa

 

 

Assunto: Suspeitas de peculato e abuso de poderes em contexto político-partidário

Data: 22 de Julho de 2023

 

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral,

 

Como é do domínio público e foi reportado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) Regional de Lisboa[1] e pela Polícia Judiciária[2], decorreram no passado dia 12 de Julho buscas, domiciliárias e a instalações de um partido político e de um Revisor Oficial de Contas, no âmbito de um inquérito em curso que investiga “suspeitas da prática de crimes de peculato e abuso de poderes”, “em contexto político-partidário”.

 

Na sequência dessas diligências (que, nos termos da lei, terão sido seguramente autorizadas por um juiz de instrução), um conjunto de actuais e antigos responsáveis políticos veio a público condenar o Ministério Público por cumprir a sua obrigação legal de investigar as denúncias que chegam ao seu conhecimento, incluindo através de uma carta de protesto endereçada a V. Exa. pelo secretário-geral do Partido Social Democrata[3].

 

Além disso, vários dirigentes ou ex-dirigentes partidários denunciaram que a existência de condutas potencialmente ilegais, enquadradas nas mesmas suspeitas que estarão em causa no inquérito já em curso, acontecerão nos outros partidos políticos. Especificamente, em entrevista à SIC, o ex-presidente do PSD Rui Rio denunciou: “Isto que estamos a falar é uma prática transversal a todos os partidos, desde sempre”[4]. Do mesmo modo, o secretário-geral adjunto do Partido Socialista, João Torres, admitiu haver um “entendimento, que julgo ser partilhado pelos partidos políticos que têm grupos parlamentares”, quanto ao uso de recursos parlamentares para actividades partidárias[5], ainda que ao arrepio de decisões e recomendações que sobre esta matéria foram proferidas ao longo dos anos pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal de Contas.

 

Tais declarações devem ser encaradas como denúncias de que os comportamentos sob suspeita serão, de facto, generalizados, pelo que acolhemos com satisfação as notícias de que o Ministério Público estará a preparar-se para alargar o inquérito em curso[6]. Sugerimos que se incluam na investigação todos os partidos que tenham tido grupos parlamentares desde 2018, quando foi legislada e entrou em vigor a última revisão da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos.

 

Sobre esta mesma questão pronunciou-se ainda o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, primeiro acusando que a realização de buscas legalmente mandatadas no âmbito de um inquérito judicial seria “um crime em directo”[7]; e, num segundo momento, asseverando que “não está em questão, de nenhuma maneira, qualquer espécie de sobrefinanciamento dos partidos políticos”[8]. Ora, esta afirmação taxativa parece configurar uma certeza absoluta sobre os factos que estão sob investigação judicial, pelo que se nos afigura justificado que, no âmbito do inquérito em curso, o Ministério Público convoque o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República para ser ouvido como testemunha, dando-lhe a oportunidade de esclarecer que controlos e verificações são exercidos pela Assembleia da República para garantir a boa utilização dos meios financeiros e humanos de apoio aos grupos parlamentares, e a legalidade das práticas dos partidos a este respeito.

 

Com os melhores cumprimentos,

 

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 




quinta-feira, 13 de julho de 2023

Convocatória da Assembleia Geral da Frente Cívica

O presidente da Mesa da Assembleia Geral da Frente Cívica, António Manuel Ribeiro, convocou, nos termos do artigo 7.º dos respectivos Estatutos, a Assembleia Geral da Frente Cìvica para as 21h00 horas do próximo dia 27 de Julho de 2023, quinta-feira, em suporte virtual.

Se à hora marcada não se registar quorum, a Assembleia realizar-se-á, em segunda convocatória, trinta minutos sobre a hora marcada, às 21h30 horas, com qualquer número de associados e com a seguinte

ORDEM DE TRABALHOS

1. Apreciação do Relatório de Actividades de 2022;

2. Apreciação do Plano de Actividades e Orçamento da Frente Cívica para 2023;

3. Outros assuntos.

A ligação para a reunião virtual, bem como para a pasta partilhada que permite descarregar os documentos em análise, foi partilhada com os associados por correio electrónico. Os associados que não tenham recebido a convocatória, ou experimentem qualquer dificuldade no acesso aos documentos, deverão contactar a Frente Cívica para o endereço frentecivica@frentecivica.com.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Frente Cívica pede que António Costa traga de Angola garantias para o julgamento de Manuel Vicente

 


A Frente Cívica escreveu esta quinta-feira ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo-lhe que, durante a visita oficial que realizará a Angola nos próximos dias 5 e 6 de Junho, obtenha garantias formais do Estado angolano quanto ao julgamento do ex-vice-presidente Manuel Vicente, acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse investigações de branqueamento de capitais em que Vicente era visado.

Orlando Figueira foi condenado a seis anos e oito meses de prisão por se ter deixado corromper, mas Manuel Vicente, acusado de ser o corruptor activo, nunca foi julgado. O seu processo foi enviado para julgamento em Angola há cinco anos, mas o julgamento nunca aconteceu. "A condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente", escreve a Frente Cívica.

Para a associação, cabe a António Costa, que "celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente", obter garantias do seu julgamento. "Corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano".

Caso Angola não esteja em condições de garantir um julgamento célere e justo do seu ex-vice-presidente, caberá a Portugal fazer regressar o processo aos tribunais nacionais, como previsto na lei, para que se faça justiça.

Anexamos, para conhecimento, a carta enviada ao primeiro-ministro de Portugal.


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

Rua da Imprensa à Estrela, 4

1200-888 Lisboa

gabinete.pm@pm.gov.pt

 

 

C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

Rua da Escola Politécnica, n.º 140,

1269-269 Lisboa

correiopgr@pgr.pt

 

 

Assunto: Operação “Fizz” – Julgamento de Manuel Vicente

Data: 1 de Junho de 2023

 

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em Fevereiro de 2017, o Ministério Público português acusou o cidadão angolano Manuel Vicente, então vice-presidente do seu país, de crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Especificamente, Manuel Vicente foi acusado de corromper um procurador da República para que arquivasse inquéritos criminais que corriam em Portugal, nos quais o mesmo Manuel Vicente era visado por suspeitas de branqueamento de capitais.

 

Na sequência desses factos, o procurador responsável, Orlando Figueira, foi julgado e condenado por crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, esperando-se que comece brevemente a cumprir a pena de seis anos e oito meses de prisão a que foi condenado e que está finalmente a transitar em julgado.

 

Infelizmente, Manuel Vicente nunca chegou a ser julgado, em virtude de, em Maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa ter determinado remeter a acusação criminal que sobre ele pende para ser julgada em Angola, ao abrigo de acordos vigentes sobre cooperação judiciária. No entanto, a condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente.

 

Ora, sucede que, desde que a acusação foi delegada para o Estado angolano, há mais de cinco anos, nada aconteceu para que Manuel Vicente sequer começasse a ser julgado. É sabido que o acusado beneficiou de uma lei de imunidade que se lhe aplicava até cinco anos depois de deixar o cargo de vice-presidente, mas esse prazo esgotou-se no final de Janeiro de 2022 e, desde então, nada foi feito para julgá-lo. Tudo indica que Angola determinou, com fundamento legal ou sem ele, oferecer a Manuel Vicente um estatuto de impunidade vitalícia que viola o princípio de confiança na justiça angolana que o Presidente João Lourenço reclamou de Portugal, ao exigir o envio do processo para Angola, e que Portugal lhe concedeu.

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em 2018, V. Exa. apontou este processo como um “irritante” nas relações entre Portugal e Angola, em coro aliás com o seu então ministro dos Negócios Estrangeiros – hoje segunda figura do Estado português – e o Presidente da República. Por essa razão, celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente. Sucede que corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano.

 

Assim, apelamos a V. Exa. que, no âmbito da visita oficial que realiza nos próximos dias 5 e 6 de Junho a Angola, peça formalmente ao Estado angolano garantias específicas e precisas de que será respeitada a delegação do processo e de que o julgamento de Manuel Vicente será levado a cabo, com garantias de independência dos tribunais angolanos, em prazo específico – e breve –, que deverá ser indicado. Sem essa garantia formal, deverá a justiça portuguesa concluir que Angola não só não honrou, como não tenciona honrar, os mecanismos de cooperação judiciária a que fez apelo em Portugal, não restando ao Estado português senão revogar a delegação do processo e recuperar o direito de julgar Manuel Vicente em Portugal, como previsto no art.º. 93º, n.º 3 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

 

Com os melhores cumprimentos,                                                                      

Pela Frente Cívica,

 

 Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 

 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Conferência "Cidadania, Liberdade de Expressão e Litigância Retaliatória" - 7 de Junho, 14h00, Coimbra

 


A Frente Cívica co-organiza no próximo dia 7 de Junho, em colaboração com o Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e o Instituto de Direitos Humanos da mesma Faculdade, a Conferência "Cidadania, Liberdade de Expressão e Litigância Retaliatória". O evento decorre das 14h00 às 18h30, no Colégio da Trindade - Casa da Jurisprudência da Universidade de Coimbra, com entrada livre.

A litigância retaliatória, nomeadamente através de acusações de difamação, é hoje uma das principais ameaças à liberdade de expressão em Portugal e à participação crítica dos cidadãos na vida pública. A persistência destas práticas de litigância retaliatória levou já a inúmeras condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por violar a liberdade de expressão dos seus cidadãos.

Os limites da liberdade de expressão e o uso dos tribunais para limitar o debate público, num apelo permanente à autocensura dos cidadãos, activistas e jornalistas serão temas em debate no evento. A conferência integra-se nas comemorações do centenário de Francisco Salgado Zenha. A entrada é livre.


Programa:

CONFERÊNCIA 
CIDADANIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO 
E LITIGÂNCIA RETALIATÓRIA 
Homenagem a Francisco Salgado Zenha
7 de junho de 2023 
Colégio da Trindade|Casa da Jurisprudência
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
 
PROGRAMA

 

14:00-14:15 | Sessão de Abertura

 

14:15-14:45 | Palestra de abertura

Liberdade de Expressão e a Litigância Retaliatória na União Europeia

Jónatas Machado, Director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

 

14:45-16:15 | 1º Painel: Difamação e Liberdade de Expressão

Moderadora: Karina Carvalho, Transparência Internacional Portugal

Eduardo Dâmaso

Felícia Cabrita

João Paulo Batalha


16:15-16:30 | Cofee-Break


16:30-18:00 | 2º Painel: Litigância Retaliatória

Moderadora: Paula Veiga, Subdirectora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Iolanda Brito

Filipe Preces

Luísa Teixeira da Mota

 

18:00-18:30 | Palestra de encerramento

A Centralidade da Liberdade de Expressão na Participação Cívica

Paulo Morais

 

18:30-18:45 | Sessão de Encerramento

 


segunda-feira, 22 de maio de 2023

Frente Cívica pede reabertura de investigações contra Manuel Vicente

 

Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola
Foto "70th Annual General Assembly Debate", por United Nations Photo, 
sob licença 
CC BY-NC-ND 2.0.

A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 22 de Maio de 2023, à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, a pedir a reabertura das investigações por branqueamento de capitais visando o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que foram arquivados pelo procurador Orlando Figueira.

Lembrando que Figueira foi condenado por corrupção relacionada com o arquivamento das investigações contra Manuel Vicente, a associação pede explicações ao Ministério Público sobre o que foi feito, ou virá a ser feito, para reabrir os inquéritos "corruptamente arquivados", que investigavam suspeitas de lavagem de dinheiro por parte do ex-dirigente angolano, nomeadamente com a compra de imobiliário de luxo em Cascais, por perto de 4 milhões de euros. 

"Dado que é implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa", lê-se na carta enviada pela Frente Cívica.


Anexa-se a missiva remetida à Procuradora-Geral da República.


Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

Rua da Escola Politécnica, n.º 140,

1269-269 Lisboa

correiopgr@pgr.pt

 

 

Assunto: Suspeitas de branqueamento de capitais envolvendo Manuel Vicente

Data: 22 de Maio de 2023

 

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral,

 

Na última quarta-feira, 18 de Maio, de acordo com informação saída na imprensa[1], o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso interposto pelo ex-procurador Orlando Figueira, relacionado com o processo conhecido como “Operação Fizz”. O indeferimento deste recurso abre finalmente caminho a que o mesmo magistrado comece brevemente a cumprir a pena de prisão de seis anos e oito meses a que foi condenado, em primeira instância, há já mais de quatro anos.

 

Em causa, como seguramente se recorda, está a condenação de Orlando Figueira pelos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, que implicaram o recebimento de vantagens patrimoniais de mais de 760 mil euros, em troca do arquivamento de inquéritos em que o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, era investigado por suspeitas de branqueamento de capitais relacionadas, entre outras coisas, com a compra de um apartamento no luxuoso complexo Estoril-Sol, em Cascais, por 3,8 milhões de euros.

 

O trânsito em julgado da condenação de Orlando Figueira torna definitiva a evidência de que um procurador português se deixou corromper para arquivar inquéritos judiciais. Na verdade, não era sequer necessário esperar por este último desenvolvimento processual para aceitar essa conclusão. Tal evidência havia sido confirmada:

 

a)     pela rejeição de um recurso do arguido junto do Tribunal Constitucional, em Dezembro de 2022;

b)     pela confirmação da sentença condenatória pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em Novembro de 2021;

c)     e pela condenação em primeira instância do magistrado, em Dezembro de 2018.

 

Mas, na verdade, o Ministério Público português já estava convencido do carácter corrupto do arquivamento dos inquéritos em causa quando deduziu acusação por esses mesmos factos, em Fevereiro de 2017.

 

Em suma, o Ministério Público português está convicto, há mais de seis anos, de que importantes inquéritos por suspeitas de branqueamento de capitais foram arquivados pelo procurador responsável no âmbito de um pacto corrupto. O corrompido está condenado, mas corruptor também tem nome: é Manuel Vicente, beneficiário dessa actuação corrupta de Orlando Figueira e que só não terá sido condenado nos mesmos autos porque as autoridades judiciais portuguesas decidiram enviar a acusação para julgamento no seu país de origem, Angola.

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

 

Com a evidência investigada e confirmada, impõe-se perguntar porque não foram reabertos os inquéritos por branqueamento de capitais que o Ministério Público e os tribunais portugueses, nas várias instâncias, concluíram ter sido corruptamente arquivados. Dado que é implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa.

 

Assim, vimos por este meio requerer a V. Exa. que nos informe, e ao país, que diligências foram já tomadas, ou tenciona V. Exa. tomar, para reabrir os inquéritos em causa e promover uma investigação honesta aos sérios indícios de crimes de branqueamento de capitais potencialmente cometidos em Portugal pelo cidadão angolano Manuel Vicente.

 

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

Paulo de Morais, Presidente

João Paulo Batalha, Vice-Presidente