Frente Cívica pede
a primeiro-ministro que revogue lei dos solos
Lei está “directamente
associada a suspeitas de aproveitamento pessoal”
A Frente Cívica escreveu esta quarta-feira ao
primeiro-ministro, Luís Montenegro, apelando à revogação do Decreto-Lei que
alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, a chamada Lei
dos Solos. Na sequência da demissão do secretário de Estado do Ordenamento do
Território, a associação nota que esta lei e as políticas em que Hernâni Dias
se envolveu «estão manchadas pela mesma suspeição que tornou a sua continuidade
no Governo impossível». «Este diploma, além do potencial de corrupção que
comporta, está agora directamente associado a suspeitas concretas de
aproveitamento pessoal de um dos seus principais autores, já visado noutras
investigações judiciais, o ex-Secretário de Estado Hernâni Dias”, nota a Frente
Cívica.
Além disso, a associação critica a entrada em vigor
do Decreto-Lei, numa altura em que foi já iniciada a sua revisão, apontando a
incerteza jurídica que este processo provoca. «Isto coloca o Regime Jurídico
dos Instrumentos de Gestão Territorial numa “terra de ninguém”, em que começa a
produzir efeitos num contexto em que já se anuncia a sua revisão e a reversão
de algumas das suas normas. O potencial para a confusão jurídica, a litigância
e a invocação de “direitos adquiridos” em negócios urbanísticos – através de
diferendos que se poderão arrastar por anos ou décadas – é praticamente
inesgotável», alerta a associação.
A Frente Cívica reitera que o novo regime comporta
enormes riscos de corrupção e desencadeará «uma autêntica corrida a terrenos
rústicos pelos promotores imobiliários próximos do poder autárquico, com
enormes impactos inflacionários e ambientais. Os “patos-bravos” do imobiliário
conseguirão comprar solos rústicos a preço de saldo, transformá-los em terreno
urbano e, com essa mera operação administrativa, embolsar mais-valias
milionárias, de 600% ou mais. Margens desta dimensão só se obtêm no grande
tráfico de droga e, agora, no urbanismo».
Junta-se, para conhecimento, a carta enviada ao
primeiro-ministro.
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Doutor Luís Montenegro
Data: 29 de Janeiro de 2025
ASSUNTO: Revogação do Decreto-Lei n.º
117/2024, de 30 de Dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial
Excelência,
O Decreto-Lei n.º 117/2024, que hoje entrou em
vigor, vem facilitar a reclassificação de solo rústico para solo urbano, mediante
um novo mecanismo de alteração simplificada dos Planos Directores Municipais.
Esta legislação incentiva alterações abruptas e
casuísticas aos Planos Directores Municipais, a pedido dos proprietários e em
negociação directa com os municípios, gerando amplas oportunidades para
conluios corruptivos que destroem a coerência, previsibilidade e segurança
jurídica do ordenamento territorial. Este dano é amplificado pela circunstância
– inusitada e cremos que inédita – de o Governo ter anunciado a revisão do
Decreto-Lei ainda antes de o mesmo entrar em vigor! Isto coloca o Regime
Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial numa “terra de ninguém”, em que
começa a produzir efeitos num contexto em que já se anuncia a sua revisão e a
reversão de algumas das suas normas. O potencial para a confusão jurídica, a
litigância e a invocação de “direitos adquiridos” em negócios urbanísticos –
através de diferendos que se poderão arrastar por anos ou décadas – é
praticamente inesgotável.
Sejam quais forem as alterações que se venham a
consagrar, o cerne do Decreto-Lei manter-se-á. A transformação expedita, a
pedido, de solo rural em urbano irá gerar uma autêntica corrida a terrenos
rústicos pelos promotores imobiliários próximos do poder autárquico, com
enormes impactos inflacionários e ambientais. Os “patos-bravos” do imobiliário
conseguirão comprar solos rústicos a preço de saldo, transformá-los em terreno
urbano e, com essa mera operação administrativa, embolsar mais-valias
milionárias, de 600% ou mais. Margens desta dimensão só se obtêm no grande tráfico
de droga e, agora, no urbanismo.
O novo regime terá como primeiro efeito a subida
vertiginosa do preço dos terrenos, encarecendo a habitação que neles se vier a
construir. E terá como segundo efeito a corrupção, frequentemente associada ao
financiamento político e de campanhas eleitorais. Isto, num país em que,
segundo os dados da Direcção-Geral do Território, mais de 50% do solo já hoje
classificado como urbano está desaproveitado, incluindo nas áreas de maior
pressão, como a Área Metropolitana de Lisboa – o que deita por terra a tese de que
a crise de habitação se deve à falta de terrenos urbanos. Por tudo isto, o
Decreto-Lei 117/2024 é, em nosso entender, uma ignóbil trafulhice.
Acresce que, soubemo-lo agora, esta legislação foi
concebida no seio do Ministério da Coesão Territorial, com a forte participação
do ex-Secretário de Estado Hernâni Dias, agora afastado do Governo pela
revelação de um evidente conflito de interesses associado a inegáveis riscos de
corrupção.
Neste contexto, e em nosso entender, todas as políticas
públicas que tiveram a participação deste governante estão manchadas pela mesma
suspeição que tornou a sua continuidade no Governo impossível. Devem por isso
ser alvo de um forte crivo de revisão. Em particular, o Decreto-Lei 117/2024
deve ser revogado. Este diploma, além do potencial de corrupção que comporta,
está agora directamente associado a suspeitas concretas de aproveitamento
pessoal de um dos seus principais autores, já visado noutras investigações
judiciais, o ex-Secretário de Estado Hernâni Dias.
Excelência,
No seu discurso de tomada de posse como
Primeiro-Ministro de Portugal, há menos de um ano, assumiu o compromisso:
«Promoveremos uma governação séria, transparente e que combate a corrupção, com
instituições credíveis e uma sociedade civil forte, tolerante e solidária».
Esse compromisso, acompanhado do anúncio do combate à corrupção como prioridade
política, tem agora o seu teste decisivo.
Assim, para segurança jurídica dos instrumentos de
planeamento, para garantia e confiança dos cidadãos e até para salvaguarada da
credibilidade do Governo, entendemos que só a revogação do Decreto-Lei 117/2024
reporá a legalidade democrática e a credibilidade do seu Executivo.
Assim, vimos pedir-lhe, Senhor Primeiro-Ministro,
revogue esta ignóbil trafulhice.
Somos, com os nossos cumprimentos
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente |
João Paulo Batalha, Vice-Presidente |