quinta-feira, 1 de junho de 2023

Frente Cívica pede que António Costa traga de Angola garantias para o julgamento de Manuel Vicente

 


A Frente Cívica escreveu esta quinta-feira ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo-lhe que, durante a visita oficial que realizará a Angola nos próximos dias 5 e 6 de Junho, obtenha garantias formais do Estado angolano quanto ao julgamento do ex-vice-presidente Manuel Vicente, acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse investigações de branqueamento de capitais em que Vicente era visado.

Orlando Figueira foi condenado a seis anos e oito meses de prisão por se ter deixado corromper, mas Manuel Vicente, acusado de ser o corruptor activo, nunca foi julgado. O seu processo foi enviado para julgamento em Angola há cinco anos, mas o julgamento nunca aconteceu. "A condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente", escreve a Frente Cívica.

Para a associação, cabe a António Costa, que "celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente", obter garantias do seu julgamento. "Corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano".

Caso Angola não esteja em condições de garantir um julgamento célere e justo do seu ex-vice-presidente, caberá a Portugal fazer regressar o processo aos tribunais nacionais, como previsto na lei, para que se faça justiça.

Anexamos, para conhecimento, a carta enviada ao primeiro-ministro de Portugal.


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

Rua da Imprensa à Estrela, 4

1200-888 Lisboa

gabinete.pm@pm.gov.pt

 

 

C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

Rua da Escola Politécnica, n.º 140,

1269-269 Lisboa

correiopgr@pgr.pt

 

 

Assunto: Operação “Fizz” – Julgamento de Manuel Vicente

Data: 1 de Junho de 2023

 

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em Fevereiro de 2017, o Ministério Público português acusou o cidadão angolano Manuel Vicente, então vice-presidente do seu país, de crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Especificamente, Manuel Vicente foi acusado de corromper um procurador da República para que arquivasse inquéritos criminais que corriam em Portugal, nos quais o mesmo Manuel Vicente era visado por suspeitas de branqueamento de capitais.

 

Na sequência desses factos, o procurador responsável, Orlando Figueira, foi julgado e condenado por crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, esperando-se que comece brevemente a cumprir a pena de seis anos e oito meses de prisão a que foi condenado e que está finalmente a transitar em julgado.

 

Infelizmente, Manuel Vicente nunca chegou a ser julgado, em virtude de, em Maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa ter determinado remeter a acusação criminal que sobre ele pende para ser julgada em Angola, ao abrigo de acordos vigentes sobre cooperação judiciária. No entanto, a condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente.

 

Ora, sucede que, desde que a acusação foi delegada para o Estado angolano, há mais de cinco anos, nada aconteceu para que Manuel Vicente sequer começasse a ser julgado. É sabido que o acusado beneficiou de uma lei de imunidade que se lhe aplicava até cinco anos depois de deixar o cargo de vice-presidente, mas esse prazo esgotou-se no final de Janeiro de 2022 e, desde então, nada foi feito para julgá-lo. Tudo indica que Angola determinou, com fundamento legal ou sem ele, oferecer a Manuel Vicente um estatuto de impunidade vitalícia que viola o princípio de confiança na justiça angolana que o Presidente João Lourenço reclamou de Portugal, ao exigir o envio do processo para Angola, e que Portugal lhe concedeu.

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em 2018, V. Exa. apontou este processo como um “irritante” nas relações entre Portugal e Angola, em coro aliás com o seu então ministro dos Negócios Estrangeiros – hoje segunda figura do Estado português – e o Presidente da República. Por essa razão, celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente. Sucede que corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano.

 

Assim, apelamos a V. Exa. que, no âmbito da visita oficial que realiza nos próximos dias 5 e 6 de Junho a Angola, peça formalmente ao Estado angolano garantias específicas e precisas de que será respeitada a delegação do processo e de que o julgamento de Manuel Vicente será levado a cabo, com garantias de independência dos tribunais angolanos, em prazo específico – e breve –, que deverá ser indicado. Sem essa garantia formal, deverá a justiça portuguesa concluir que Angola não só não honrou, como não tenciona honrar, os mecanismos de cooperação judiciária a que fez apelo em Portugal, não restando ao Estado português senão revogar a delegação do processo e recuperar o direito de julgar Manuel Vicente em Portugal, como previsto no art.º. 93º, n.º 3 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

 

Com os melhores cumprimentos,                                                                      

Pela Frente Cívica,

 

 Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente