quarta-feira, 22 de maio de 2024

Frente Cívica pede afastamento de Lobo Xavier do Conselho de Estado

 

"40 Anos Democracia, 40 Anos PSD no Porto", por PSD - Partido Social Democrata 
sob licença 
CC BY-NC-SA 2.0.

A associação Frente Cívica escreveu esta quarta-feira, 22 de Maio, ao Presidente da República, apelando a que substitua no Conselho de Estado o novo presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, Lobo Xavier, apontando o conflito de interesses inerente à acumulação, pelo advogado, das funções de Conselheiro de Estado com as de representante dos interesses económicos e geoestratégicos do Estado chinês, accionista de referência da eléctrica portuguesa.

«Entendemos que esta circunstância o impede de continuar a integrar o Conselho de Estado, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque se criam riscos objectivos de que Lobo Xavier possa utilizar a sua condição de Conselheiro de Estado para defender os interesses da EDP e da própria República Popular da China junto da Presidência da República e, por força do seu estatuto, junto dos restantes órgãos de soberania. Por outro lado, é expectável que a informação a que Lobo Xavier aceda enquanto Conselheiro de Estado possa ser, directa ou indirectamente, canalizada para a EDP, ou seja, para a esfera de interesses do Governo chinês, ou usada em seu proveito», lê-se na missiva enviada a Marcelo Rebelo de Sousa.

A Frente Cívica recorda que, na sequência da sua nomeação para o cargo na EDP, Lobo Xavier abandonou outras funções privadas que exercia, para evitar conflitos de interesses - nomeadamente o seu lugar como vice-presidente do BPI. «Ora, é no mínimo estranho que Lobo Xavier tenha de abandonar a administração de um banco, mas se possa manter como membro do Conselho de Estado, onde não parece haver qualquer política (ou prática) de avaliação, prevenção ou resolução de conflitos de interesses e acesso a informação sensível», alerta a associação.

«Assim, para salvaguarda da dignidade institucional do Conselho de Estado, para defesa da integridade nacional e em obediência ao mais elementar bom senso, vimos solicitar a Vossa Excelência que substitua de imediato no Conselho de Estado António Lobo Xavier por outro membro que não coloque Portugal numa tal situação de risco e numa posição tão confrangedora», conclui a carta.

António Lobo Xavier exerce as funções de Conselheiro de Estado a convite do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Junta-se, para conhecimento, a carta enviada nesta data ao Presidente da República:



Sua Excelência Presidente da República

Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

 

 

ASSUNTO: Conflitos de interesses no Conselho de Estado

 

DATA: 22 de Maio de 2024

 

 

 

Exmo. Sr. Presidente da República,

O Dr. António Lobo Xavier, designado por V. Exa. como membro do Conselho de Estado, foi recentemente nomeado Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, companhia cujo maior accionista é a empresa China Three Gorges Corporation, sociedade cujo capital social é detido a 100% pela República Popular da China. Ao assumir este lugar na EDP, António Lobo Xavier assume também a posição de representante de interesses e homem de confiança da República Popular da China e do Governo de Xi Jinping em Portugal.

Entendemos que esta circunstância o impede de continuar a integrar o Conselho de Estado, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque se criam riscos objectivos de que Lobo Xavier possa utilizar a sua condição de Conselheiro de Estado para defender os interesses da EDP e da própria República Popular da China junto da Presidência da República e, por força do seu estatuto, junto dos restantes órgãos de soberania. Por outro lado, é expectável que a informação a que Lobo Xavier aceda enquanto Conselheiro de Estado possa ser, directa ou indirectamente, canalizada para a EDP, ou seja, para a esfera de interesses do Governo chinês, ou usada em seu proveito.

A sensibilidade desta situação é tal e os conflitos de interesses, reais, potenciais ou aparentes são tão evidentes que, noutros contextos, a posição profissional e institucional do Dr. António Lobo Xavier foi profundamente alterada. Com efeito, o Conselheiro abandonou diversas funções em múltiplas entidades privadas, por incompatibilidade com o cargo que agora assumiu na EDP. A título de exemplo, teve de abandonar o cargo de Vice-Presidente do BPI. Ora, é no mínimo estranho que Lobo Xavier tenha de abandonar a administração de um banco, mas se possa manter como membro do Conselho de Estado, onde não parece haver qualquer política (ou prática) de avaliação, prevenção ou resolução de conflitos de interesses e acesso a informação sensível.

Assim, para salvaguarda da dignidade institucional do Conselho de Estado, para defesa da integridade nacional e em obediência ao mais elementar bom senso, vimos solicitar a Vossa Excelência que substitua de imediato no Conselho de Estado António Lobo Xavier por outro membro que não coloque Portugal numa tal situação de risco e numa posição tão confrangedora.

Com os nossos melhores cumprimentos,


Pela Frente Cívica,


Paulo de Morais, Presidente

João Paulo Batalha, Vice-presidente


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Frente Cívica denuncia “festival de hipocrisia” no debate das SCUT

 

"autoestrada" by Fer.Ribeiro sob licença CC BY-NC 2.0.

A Frente Cívica assistiu com incredulidade e inquietação ao debate parlamentar desta quinta-feira sobre a eliminação de portagens nas ex-SCUT, Parcerias Público-Privadas rodoviárias. Ao longo de horas, o Parlamento centrou o debate nos custos das ex-SCUT para os portugueses e para o Estado. Mas este debate, importante, acabou sendo usado para ofuscar a questão de fundo, ainda mais premente, das rendas ruinosas pagas aos concessionários privados, todos os anos.

 

Se é verdade que a extinção das portagens pode representar uma diminuição de receitas públicas até, no máximo, 400 milhões de euros, é também certo que o Estado está a pagar indevidamente aos concessionários o dobro desse valor, ou seja, 800 milhões, todos os anos. A extinção deste negócio permitiria não só que os utentes das ex-SCUT deixassem de pagar portagens, como, ao mesmo tempo, ainda arrecadaria para o erário público 400 milhões de euros anuais.

 

“O Parlamento serviu-nos um festival de hipocrisia, que culminou na aprovação de uma medida cuidadosamente preparada para não beliscar as rendas pagas aos privados que capturaram o Estado no negócio das ex-SCUT. Uma Assembleia que passa horas a discutir 400 milhões de euros e não toca nos 800 milhões entregues todos os anos aos concessionários está totalmente enfeudada a estes interesses”, aponta Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica.

 

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.

 

Este é um problema crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, que recomendou a sua revisão ou extinção. No entanto, mesmo depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS, e a partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a representar uma sangria de recursos públicos.

 

Com efeito, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Este número astronómico contrasta com o valor real das PPP, calculado pelo Eurostat. Já em 2021, o órgão estatístico da União Europeia tinha avaliado em apenas 4 mil milhões de euros o valor total dos activos em PPP contratadas pelo Estado Central – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões inscritos no OE de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos sucessivos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos activos em causa.

 

Estas rendas constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no desenvolvimento económico e social do país. O Estado deve por isso extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, ou num eventual Orçamento rectificativo para 2024, que deverá contemplar uma redução dos encargos brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões hoje orçamentados, para valores a rondar os 400 milhões.

 

Qualquer discussão parlamentar sobre este assunto deve contemplar a totalidade do problema, e não apenas o terço desta captura cujo pagamento pesa sobre os automobilistas.