"Microphone" por drestwn sob licença CC BY 2.0. |
Os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica subscreveram uma carta de 21 personalidades que, a propósito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, apelaram às autoridades portuguesas para que promovam a rápida transposição da nova Directiva Europeia que visa proteger cidadãos de litigância judicial ilegítima e retaliatória por exercerem a sua liberdade de expressão.
«Portugal sofre particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão», lê-se na carta enviada ao presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro, à ministra da Justiça e aos representantes dos partidos no Parlamento.
Os subscritores apelam às autoridades portuguesas «que procedam o mais rápido possível à transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado, fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza verdadeiramente os valores de Abril».
Transcreve-se abaixo a carta, assinada por 21 personalidades, que incluem os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica:
Exmo. Sr. Presidente da
Assembleia da República,
Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,
Exma. Senhora Ministra da
Justiça,
Exmas/os. Sras/Srs
presidentes dos Grupos Parlamentares e Deputada única representante de partido,
Assunto: Directiva
europeia em defesa da Liberdade de Expressão
Data:
23 de Abril de 2024
Uma das maiores
conquistas de Abril é a possibilidade de todos os cidadãos exprimirem
livremente a sua opinião sobre a vida pública. Contudo, 50 anos depois da
Revolução dos Cravos, e ainda que a censura administrativa e de Estado esteja
formalmente extinta, novas formas de limitação da liberdade de expressão têm
vindo a condicionar o debate público livre e esclarecido. Uma das principais é
a litigância judicial contra activistas, jornalistas, académicos e cidadãos,
por parte de poderosos visados pela crítica e denúncia.
Queixas-crime por
difamação ou processos cíveis para reparação da honra e bom nome, a que são
associados pesados pedidos de indemnização e elevadas custas de justiça, tornaram-se
uma prática comum de assédio contra quem procura, através de mecanismos de
participação pública, sociedades mais justas, igualitárias e informadas. Estas
formas de retaliação contra a participação pública, por parte de quem tem
recursos, visam, através dos incómodos, condicionamentos e custos que os
processos judiciais acarretam, amedrontar e limitar os que, de livre voz, se
atrevem a apontar o dedo às irregularidades, transgressões ou faltas de ética.
São, sobretudo, uma ferramenta de censura social e económica que usa meios
públicos (os tribunais e demais estruturas judiciárias) a seu favor para calar vozes
dissonantes.
Portugal sofre
particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial
demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste
facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos
Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações
consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e
atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes
nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão.
Por perceber a
importância de manter livre a voz de quem, com espírito cívico, participa no
debate público, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu aprovaram
neste mês de Abril que corre – o que não deixa de ser simbólico no que a
Portugal diz respeito – uma directiva relativa à protecção das pessoas envolvidas
na participação pública contra pedidos manifestamente infundados ou processos
judiciais abusivos. É a chamada directiva anti-SLAPP (a expressão em inglês
para “Strategic Litigation Against Public Participation”, em anexo).
O documento ressalva que
esses processos não procuram proteger direitos legítimos de quem os instaura,
mas sim «silenciar o debate público e impedir a investigação e denúncia de
violações do direito», recorrendo a assédio e intimidação. Assim, a Europa
procura por meio desta iniciativa legal de proteção de jornalistas, activistas,
académicos e cidadãos defender a liberdade de expressão como um direito
fundamental.
A directiva está aprovada
e é uma medida essencial para a salvaguarda da liberdade de expressão. Falta
agora que seja Lei em todos os países. E, nessa matéria, Portugal pode, e deve,
dar o exemplo, não esgotando o prazo de dois anos para a sua transposição para
o Direito Nacional (prazo previsto no documento, Maio de 2026). Seria uma
verdadeira e genuína homenagem a Abril que essa transposição ocorresse ainda em
2024, quando assinalamos os 50 anos da Liberdade. Uma transposição expedita
seria o sinal de que Portugal está verdadeiramente comprometido com os valores
e princípios de Abril, ao mesmo tempo que alinha com as tendências mais
recentes da Europa.
Por isso, os
abaixo-assinados solicitam a V. Exas. que procedam o mais rápido possível à
transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado,
fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas
tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos
os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público
sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza
verdadeiramente os valores de Abril.
2024 deve ser o ano dos
50 anos sobre o 25 de Abril, mas também o ano em que abolimos novas formas,
mais insidiosas, de censura. Entendemos que a melhor forma de celebrar o 25 de
Abril não é evocar a data histórica. A melhor comemoração é continuar a lutar
pelos ideais de Abril, reconsagrando e alargando o ideal estruturante de toda a
participação democrática, justamente o da liberdade de expressão.
Com os melhores
cumprimentos,
Subscrevem
Ana Gomes
António Manuel Ribeiro
Bárbara Rosa
Eduardo Cintra Torres
Francisco Teixeira da
Mota
Henrique Neto
João Paulo Batalha
Jónatas Machado
José Matos
Leonor Caldeira
Luís de Sousa
Margarida Mano
Mário Frota
Paulo de Morais
Rui Oliveira Marques
Rui Torres
Sérgio Denicoli dos
Santos
Susana Coroado
Susana Peralta
Teresa Serrenho
Teresa Violante