quinta-feira, 27 de junho de 2024

Frente Cívica denuncia ilegalidade no Conselho Superior da Magistratura

 

"Supremo Tribunal de Justiça" por schoeband sob licença CC BY-NC-ND 2.0.

A Frente Cívica escreveu esta quinta-feira ao presidente do Conselho Superior da Magistratura  (CSM) denunciando o envolvimento ilegal do vogal José Manuel Mesquita em actividade político-partidária. Mesquita, reeleito na semana passada pelo Parlamento para novo mandato no órgão de avaliação e disciplina dos juízes, foi mandatário financeiro das campanhas eleitorais do PS para as Europeias e as Legislativas deste ano, em violação do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a que estava vinculado enquanto membro do CSM.

«Ao aceitar ser mandatário financeiro de campanhas partidárias, o vogal José Manuel Mesquita violou a lei e reduziu o Conselho Superior da Magistratura a um comissariado de capatazes políticos com poderes de superintendência sobre os juízes. Tal promiscuidade provoca prejuízos inultrapassáveis à independência do Conselho e dos tribunais portugueses», escreve a Frente Cívica. «O facto de, há poucos dias, o mesmo vogal ter sido reeleito para o CSM por maioria qualificada dos deputados à Assembleia da República mostra a displicência com que o Parlamento encara a separação de poderes e convoca o Conselho Superior da Magistratura a actuar, de forma imediata e determinada, em sua defesa», lê-se na carta enviada a João Cura Mariano que, enquanto presidente do Supremo Tribunal de Justiça, é por inerência presidente do Conselho Superior da Magistratura.

Anexa-se a carta enviada, para conhecimento público.


Exmo. Sr. Presidente do Conselho Superior da Magistratura,
Juiz Conselheiro João Cura Mariano,


C/c

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,
Dr. José Pedro Aguiar-Branco

Exmo. Sr. Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses,
Dr. Nuno Miguel de Jesus Lopes Matos

 

Assunto: Incompatibilidade do vogal do CSM José Manuel Mesquita

Data: 27 de Junho de 2024

 

Exmo. Sr. Presidente,

O Estatuto dos Magistrados Judiciais, a que estão vinculados os vogais do Conselho Superior da Magistratura (CSM)[1], explicitamente veda “a prática de atividades político-partidárias de caráter público”[2]. Não obstante esta explícita proibição, é público – e poderá ser facilmente constatado junto da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos – que o vogal do CSM José Manuel Mesquita assumiu o papel de mandatário financeiro das campanhas eleitorais do Partido Socialista às recentes eleições para a Assembleia da República, de 10 de Março de 2024, e para o Parlamento Europeu, de 9 de Junho de 2024.

O desempenho de funções partidárias e de campanha eleitoral levanta evidentes e intransponíveis conflitos de interesses com o exercício da magistratura e mais ainda, por maioria de razão, com o exercício de cargos no órgão de cúpula da magistratura judicial. Por essa razão, em boa hora o legislador determinou uma rigorosa incompatibilidade entre a política partidária e a magistratura, ciente de que o princípio da separação de poderes, fundacional para um Estado de Direito democrático, não pode conviver com a existência de comissários eleitorais nos órgãos de cúpula do sistema judiciário.

Ao aceitar ser mandatário financeiro de campanhas partidárias, o vogal José Manuel Mesquita violou a lei e reduziu o Conselho Superior da Magistratura a um comissariado de capatazes políticos com poderes de superintendência sobre os juízes. Tal promiscuidade provoca prejuízos inultrapassáveis à independência do Conselho e dos tribunais portugueses. O facto de, há poucos dias, o mesmo vogal ter sido reeleito para o CSM por maioria qualificada dos deputados à Assembleia da República mostra a displicência com que o Parlamento encara a separação de poderes e convoca o Conselho Superior da Magistratura a actuar, de forma imediata e determinada, em sua defesa.

Pelo exposto, rogamos a V. Exa. que desencadeie os procedimentos necessários e exigíveis para punir a violação da lei pelo vogal José Manuel Mesquita e proteger a imprescindível independência política e partidária do Conselho Superior da Magistratura e do sistema judicial português.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 


João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 


[1] Por força do Art.º 148º, n.º 1 da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, Estatuto dos Magistrados Judiciais, na sua redacção actual.

[2] Art.º 6.º-A, n.º 1 do supracitado Estatuto dos Magistrados Judiciais.


quarta-feira, 22 de maio de 2024

Frente Cívica pede afastamento de Lobo Xavier do Conselho de Estado

 

"40 Anos Democracia, 40 Anos PSD no Porto", por PSD - Partido Social Democrata 
sob licença 
CC BY-NC-SA 2.0.

A associação Frente Cívica escreveu esta quarta-feira, 22 de Maio, ao Presidente da República, apelando a que substitua no Conselho de Estado o novo presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, Lobo Xavier, apontando o conflito de interesses inerente à acumulação, pelo advogado, das funções de Conselheiro de Estado com as de representante dos interesses económicos e geoestratégicos do Estado chinês, accionista de referência da eléctrica portuguesa.

«Entendemos que esta circunstância o impede de continuar a integrar o Conselho de Estado, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque se criam riscos objectivos de que Lobo Xavier possa utilizar a sua condição de Conselheiro de Estado para defender os interesses da EDP e da própria República Popular da China junto da Presidência da República e, por força do seu estatuto, junto dos restantes órgãos de soberania. Por outro lado, é expectável que a informação a que Lobo Xavier aceda enquanto Conselheiro de Estado possa ser, directa ou indirectamente, canalizada para a EDP, ou seja, para a esfera de interesses do Governo chinês, ou usada em seu proveito», lê-se na missiva enviada a Marcelo Rebelo de Sousa.

A Frente Cívica recorda que, na sequência da sua nomeação para o cargo na EDP, Lobo Xavier abandonou outras funções privadas que exercia, para evitar conflitos de interesses - nomeadamente o seu lugar como vice-presidente do BPI. «Ora, é no mínimo estranho que Lobo Xavier tenha de abandonar a administração de um banco, mas se possa manter como membro do Conselho de Estado, onde não parece haver qualquer política (ou prática) de avaliação, prevenção ou resolução de conflitos de interesses e acesso a informação sensível», alerta a associação.

«Assim, para salvaguarda da dignidade institucional do Conselho de Estado, para defesa da integridade nacional e em obediência ao mais elementar bom senso, vimos solicitar a Vossa Excelência que substitua de imediato no Conselho de Estado António Lobo Xavier por outro membro que não coloque Portugal numa tal situação de risco e numa posição tão confrangedora», conclui a carta.

António Lobo Xavier exerce as funções de Conselheiro de Estado a convite do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Junta-se, para conhecimento, a carta enviada nesta data ao Presidente da República:



Sua Excelência Presidente da República

Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

 

 

ASSUNTO: Conflitos de interesses no Conselho de Estado

 

DATA: 22 de Maio de 2024

 

 

 

Exmo. Sr. Presidente da República,

O Dr. António Lobo Xavier, designado por V. Exa. como membro do Conselho de Estado, foi recentemente nomeado Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, companhia cujo maior accionista é a empresa China Three Gorges Corporation, sociedade cujo capital social é detido a 100% pela República Popular da China. Ao assumir este lugar na EDP, António Lobo Xavier assume também a posição de representante de interesses e homem de confiança da República Popular da China e do Governo de Xi Jinping em Portugal.

Entendemos que esta circunstância o impede de continuar a integrar o Conselho de Estado, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque se criam riscos objectivos de que Lobo Xavier possa utilizar a sua condição de Conselheiro de Estado para defender os interesses da EDP e da própria República Popular da China junto da Presidência da República e, por força do seu estatuto, junto dos restantes órgãos de soberania. Por outro lado, é expectável que a informação a que Lobo Xavier aceda enquanto Conselheiro de Estado possa ser, directa ou indirectamente, canalizada para a EDP, ou seja, para a esfera de interesses do Governo chinês, ou usada em seu proveito.

A sensibilidade desta situação é tal e os conflitos de interesses, reais, potenciais ou aparentes são tão evidentes que, noutros contextos, a posição profissional e institucional do Dr. António Lobo Xavier foi profundamente alterada. Com efeito, o Conselheiro abandonou diversas funções em múltiplas entidades privadas, por incompatibilidade com o cargo que agora assumiu na EDP. A título de exemplo, teve de abandonar o cargo de Vice-Presidente do BPI. Ora, é no mínimo estranho que Lobo Xavier tenha de abandonar a administração de um banco, mas se possa manter como membro do Conselho de Estado, onde não parece haver qualquer política (ou prática) de avaliação, prevenção ou resolução de conflitos de interesses e acesso a informação sensível.

Assim, para salvaguarda da dignidade institucional do Conselho de Estado, para defesa da integridade nacional e em obediência ao mais elementar bom senso, vimos solicitar a Vossa Excelência que substitua de imediato no Conselho de Estado António Lobo Xavier por outro membro que não coloque Portugal numa tal situação de risco e numa posição tão confrangedora.

Com os nossos melhores cumprimentos,


Pela Frente Cívica,


Paulo de Morais, Presidente

João Paulo Batalha, Vice-presidente


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Frente Cívica denuncia “festival de hipocrisia” no debate das SCUT

 

"autoestrada" by Fer.Ribeiro sob licença CC BY-NC 2.0.

A Frente Cívica assistiu com incredulidade e inquietação ao debate parlamentar desta quinta-feira sobre a eliminação de portagens nas ex-SCUT, Parcerias Público-Privadas rodoviárias. Ao longo de horas, o Parlamento centrou o debate nos custos das ex-SCUT para os portugueses e para o Estado. Mas este debate, importante, acabou sendo usado para ofuscar a questão de fundo, ainda mais premente, das rendas ruinosas pagas aos concessionários privados, todos os anos.

 

Se é verdade que a extinção das portagens pode representar uma diminuição de receitas públicas até, no máximo, 400 milhões de euros, é também certo que o Estado está a pagar indevidamente aos concessionários o dobro desse valor, ou seja, 800 milhões, todos os anos. A extinção deste negócio permitiria não só que os utentes das ex-SCUT deixassem de pagar portagens, como, ao mesmo tempo, ainda arrecadaria para o erário público 400 milhões de euros anuais.

 

“O Parlamento serviu-nos um festival de hipocrisia, que culminou na aprovação de uma medida cuidadosamente preparada para não beliscar as rendas pagas aos privados que capturaram o Estado no negócio das ex-SCUT. Uma Assembleia que passa horas a discutir 400 milhões de euros e não toca nos 800 milhões entregues todos os anos aos concessionários está totalmente enfeudada a estes interesses”, aponta Paulo de Morais, presidente da Frente Cívica.

 

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.

 

Este é um problema crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, que recomendou a sua revisão ou extinção. No entanto, mesmo depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS, e a partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a representar uma sangria de recursos públicos.

 

Com efeito, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Este número astronómico contrasta com o valor real das PPP, calculado pelo Eurostat. Já em 2021, o órgão estatístico da União Europeia tinha avaliado em apenas 4 mil milhões de euros o valor total dos activos em PPP contratadas pelo Estado Central – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões inscritos no OE de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos sucessivos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos activos em causa.

 

Estas rendas constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no desenvolvimento económico e social do país. O Estado deve por isso extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, ou num eventual Orçamento rectificativo para 2024, que deverá contemplar uma redução dos encargos brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões hoje orçamentados, para valores a rondar os 400 milhões.

 

Qualquer discussão parlamentar sobre este assunto deve contemplar a totalidade do problema, e não apenas o terço desta captura cujo pagamento pesa sobre os automobilistas.


terça-feira, 23 de abril de 2024

Frente Cívica subscreve carta em defesa da liberdade de expressão

 

"Microphone" por drestwn sob licença CC BY 2.0.

Os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica subscreveram uma carta de 21 personalidades que, a propósito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, apelaram às autoridades portuguesas para que promovam a rápida transposição da nova Directiva Europeia que visa proteger cidadãos de litigância judicial ilegítima e retaliatória por exercerem a sua liberdade de expressão.

«Portugal sofre particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão», lê-se na carta enviada ao presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Ministro, à ministra da Justiça e aos representantes dos partidos no Parlamento.

Os subscritores apelam às autoridades portuguesas «que procedam o mais rápido possível à transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado, fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza verdadeiramente os valores de Abril». 

Transcreve-se abaixo a carta, assinada por 21 personalidades, que incluem os membros do Conselho de Direcção da Frente Cívica:


Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Exma. Senhora Ministra da Justiça,

Exmas/os. Sras/Srs presidentes dos Grupos Parlamentares e Deputada única representante de partido,

 

Assunto: Directiva europeia em defesa da Liberdade de Expressão

Data: 23 de Abril de 2024

 

Uma das maiores conquistas de Abril é a possibilidade de todos os cidadãos exprimirem livremente a sua opinião sobre a vida pública. Contudo, 50 anos depois da Revolução dos Cravos, e ainda que a censura administrativa e de Estado esteja formalmente extinta, novas formas de limitação da liberdade de expressão têm vindo a condicionar o debate público livre e esclarecido. Uma das principais é a litigância judicial contra activistas, jornalistas, académicos e cidadãos, por parte de poderosos visados pela crítica e denúncia.

Queixas-crime por difamação ou processos cíveis para reparação da honra e bom nome, a que são associados pesados pedidos de indemnização e elevadas custas de justiça, tornaram-se uma prática comum de assédio contra quem procura, através de mecanismos de participação pública, sociedades mais justas, igualitárias e informadas. Estas formas de retaliação contra a participação pública, por parte de quem tem recursos, visam, através dos incómodos, condicionamentos e custos que os processos judiciais acarretam, amedrontar e limitar os que, de livre voz, se atrevem a apontar o dedo às irregularidades, transgressões ou faltas de ética. São, sobretudo, uma ferramenta de censura social e económica que usa meios públicos (os tribunais e demais estruturas judiciárias) a seu favor para calar vozes dissonantes.

Portugal sofre particularmente com este abuso, graças a legislação e uma cultura judicial demasiado permissivas a esta litigância retaliatória. A atestá-lo, o triste facto de o nosso país somar, desde a adesão à Carta Europeia dos Direitos Humanos, em 1978, mais de 30 condenações no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação da liberdade de expressão dos seus cidadãos – violações consumadas nos tribunais nacionais, em processos por difamação sem mérito e atentatórios do direito à crítica que, ainda assim, triunfam demasiadas vezes nos seus intentos de criminalização da liberdade de expressão.

Por perceber a importância de manter livre a voz de quem, com espírito cívico, participa no debate público, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu aprovaram neste mês de Abril que corre – o que não deixa de ser simbólico no que a Portugal diz respeito – uma directiva relativa à protecção das pessoas envolvidas na participação pública contra pedidos manifestamente infundados ou processos judiciais abusivos. É a chamada directiva anti-SLAPP (a expressão em inglês para “Strategic Litigation Against Public Participation”, em anexo).

O documento ressalva que esses processos não procuram proteger direitos legítimos de quem os instaura, mas sim «silenciar o debate público e impedir a investigação e denúncia de violações do direito», recorrendo a assédio e intimidação. Assim, a Europa procura por meio desta iniciativa legal de proteção de jornalistas, activistas, académicos e cidadãos defender a liberdade de expressão como um direito fundamental. 

A directiva está aprovada e é uma medida essencial para a salvaguarda da liberdade de expressão. Falta agora que seja Lei em todos os países. E, nessa matéria, Portugal pode, e deve, dar o exemplo, não esgotando o prazo de dois anos para a sua transposição para o Direito Nacional (prazo previsto no documento, Maio de 2026). Seria uma verdadeira e genuína homenagem a Abril que essa transposição ocorresse ainda em 2024, quando assinalamos os 50 anos da Liberdade. Uma transposição expedita seria o sinal de que Portugal está verdadeiramente comprometido com os valores e princípios de Abril, ao mesmo tempo que alinha com as tendências mais recentes da Europa.

Por isso, os abaixo-assinados solicitam a V. Exas. que procedam o mais rápido possível à transposição da dita directiva, promovendo em Portugal um respeito alargado, fundado na lei, pela liberdade de expressão consagrada constitucionalmente, mas tantas vezes ameaçada nos tribunais. Seria este o sinal necessário para que todos os portugueses pudessem continuar a trabalhar na defesa do interesse público sem receios de assédio, intimidação e ameaça, sabendo que Portugal preza verdadeiramente os valores de Abril.

2024 deve ser o ano dos 50 anos sobre o 25 de Abril, mas também o ano em que abolimos novas formas, mais insidiosas, de censura. Entendemos que a melhor forma de celebrar o 25 de Abril não é evocar a data histórica. A melhor comemoração é continuar a lutar pelos ideais de Abril, reconsagrando e alargando o ideal estruturante de toda a participação democrática, justamente o da liberdade de expressão.

Com os melhores cumprimentos,

Subscrevem

Ana Gomes

António Manuel Ribeiro

Bárbara Rosa

Eduardo Cintra Torres

Francisco Teixeira da Mota

Henrique Neto

João Paulo Batalha

Jónatas Machado

José Matos

Leonor Caldeira

Luís de Sousa

Margarida Mano

Mário Frota

Paulo de Morais

Rui Oliveira Marques

Rui Torres

Sérgio Denicoli dos Santos

Susana Coroado

Susana Peralta

Teresa Serrenho

Teresa Violante


quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Frente Cívica aponta medidas anti-corrupção aos candidatos a primeiro-ministro

"Luís Montenegro 2016-01-14 (cropped)" por PSD Loures sob licença CC BY 2.0.
"Pedro Nuno Santos 2020" por CP - Comboios de Portugal sob licença CC BY 3.0.

A Frente Cívica entregou esta semana aos líderes do PS e do PSD três medidas imediatas de combate à corrupção, para as quais espera o compromisso e a acção do próximo primeiro-ministro. A iniciativa da associação, a propósito das eleições legislativas marcadas para 10 de Março próximo, visa vincular o próximo Governo à defesa do interesse público e à "ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos públicos relevantes para benefício de interesses particulares", lê-se nas cartas dirigidas a Pedro Nuno Santos e a Luís Montenegro. 

As medidas reclamadas pela Frente Cívica são:

1- a limitação da rubrica de "despesas extraordinárias" no Orçamento do Estado, que há anos canaliza perto de 10% da despesa pública para fins opacos ou mecanismos de corrupção pagos pelo contribuinte; 
2- a extinção das Parcerias Público-Privadas rodoviárias, remuneradas a cerca do triplo do seu valor real; e
3- a cobrança imediata do IMI das grandes concessões públicas, como barragens e aeroportos.

Todas estas medidas, que sinalizariam rupturas com negócios ruinosos que há anos capturaram o Orçamento do Estado, estão ao alcance do poder executivo e podem ser tomadas de imediato, sem necessidade de legislação específica que dependa de maiorias parlamentares ou da aprovação do Presidente da República. Por essa razão, a Frente Cívica enviou-as aos líderes dos dois principais partidos, um dos quais será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal. 

Anexam-se as cartas, com o detalhe das medidas propostas e a sua fundamentação.



Exmo. Sr. Dr. Luís Montenegro,

Presidente do Partido Social Democrata

 

 

Assunto: Eleições legislativas de 2024

Data: 30 de Janeiro de 2024

 

 

Exmo. Sr. Presidente do Partido Social Democrata,

 

As eleições legislativas do próximo dia 10 de Março decorrem num clima de crise política, provocada pela queda do Governo, por danos reputacionais associados a suspeitas de práticas corruptivas. Como mostram os estudos de opinião, os portugueses vivem hoje uma crise de confiança nas instituições democráticas, espelhada na insatisfação com a qualidade da democracia e o aumento das percepções de corrupção.

 

Impõe-se que o próximo Governo, independentemente das legítimas opções políticas e ideológicas que adoptar, sinalize de imediato o seu compromisso com a defesa do interesse público e a ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos públicos relevantes para benefício de interesses particulares.

 

É neste espírito que a Frente Cívica interpela publicamente os líderes do PS e PSD, um dos quais será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal, para que se comprometam publicamente com três simples medidas imediatas:

 

1-     Limitar a 2% as despesas excepcionais do Orçamento do Estado

 

Na elaboração dos futuros orçamentos (já no de 2025), o Governo deve reduzir drasticamente, quase eliminar, a rubrica de despesas excepcionais.

 

Nos últimos anos, cerca de dez por cento da despesa prevista nos orçamentos de Estado é classificada como despesa excepcional. No OE de 2024 são 11 mil milhões, numa despesa total orçada em 123 mil milhões. Os OE relativos aos últimos dois anos (2022 e 2023) previam cerca de 12,4 mil milhões/ano. E assim tem sido de há vários anos a esta parte.

 

Não é aceitável que cerca de dez por cento da despesa seja “excepcional”, todos os anos. Esta rubrica deveria representar, no máximo, dois por cento da despesa pública. Até porque estas despesas excepcionais são perniciosas. Esta rubrica tem sido maioritariamente destinada a “empréstimos a m/l prazo” canalizados para empresas como a Parvalorem – “bad bank” onde se acumulam os activos tóxicos resultantes de corrupção no BPN, no Banif e de outras fraudes financeiras – que é hoje o maior devedor ao Estado português. Estes empréstimos representam, em cada ano, cerca de cinco mil milhões de euros.

 

O segundo valor mais significativo das despesas excepcionais é constituído pela aquisição de acções e outras participações em empresas nunca devidamente identificadas. As despesas excepcionais são inescrutináveis, muito dispendiosas e sem utilidade social visível. Devem acabar ou reduzir-se a valores da ordem dos dois por cento e jamais 10%.

 

2-     Extinguir as Parcerias Público-Privadas rodoviárias

 

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.

 

Este é um problema crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, que recomendou a sua negociação ou extinção. No entanto, mesmo depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS e a partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a representar uma sangria de recursos públicos.

 

Com efeito, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Este valor astronómico contrasta com o valor total dos activos em PPP da responsabilidade do Governo Central calculado em 2021 pelo Eurostat, o órgão estatístico da União Europeia, de apenas 4 mil milhões de euros – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões previstos no OE de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos relatórios dos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos activos em causa.

 

Estas rendas constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no desenvolvimento económico e social do país. O próximo Governo deve por isso extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, com uma redução dos encargos brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões previstos, para valores a rondar os 400 milhões.

 

3-     Cobrar de imediato o IMI devido nas grandes concessões públicas, como aeroportos e barragens

 

A incapacidade do Estado na cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relacionados com grandes concessões públicas, como barragens ou aeroportos, é um caso de estudo de capitulação do interesse público face a interesses privados, com a cumplicidade de vários Governos. Essa receita fiscal tem de ser cobrada de imediato.

 

A extinção da possibilidade de cobrança do IMI de 2019 devido pelos concessionários das barragens da Terra de Miranda, no final de 2023, alertou o país para uma iniquidade fiscal indefensável: mau grado dois despachos do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais instruindo a Autoridade Tributária a cobrar o imposto devido neste caso concreto, a inacção do Estado português face às grandes concessões mantém-se.

 

E se, na Terra de Miranda, o Estado defende a cobrança do imposto, mas depois não cumpre, no caso das concessões aeroportuárias é o próprio Estado a colocar-se do lado dos concessionários. Com efeito, no litígio interposto no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal pelo Município de Santa Cruz, visando a inscrição na matriz predial para a cobrança de IMI do Aeroporto Cristiano Ronaldo, foram o Governo Regional da Madeira e a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a defender os interesses do concessionário, pretensão entretanto rejeitada pelo Tribunal.

 

O IMI devido, mas não pago, em concessões públicas, como barragens e aeroportos, constitui um activo potencial de centenas de milhões de euros anuais que estão a ser subtraídos aos portugueses – muitas vezes, precisamente nas regiões mais empobrecidas do país, onde esses activos mais fazem falta para o desenvolvimento económico e social das populações. A cobrança destes impostos é por isso urgente, não só como forma de repor a justiça e equidade fiscal, mas de sinalizar o compromisso do próximo Governo com o combate à captura do Estado por interesses privados.

 

 

 

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,


Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 

 

Exmo. Sr. Dr. Pedro Nuno Santos,

Secretário-geral do Partido Socialista

 

 

Assunto: Eleições legislativas de 2024

Data: 31 de Janeiro de 2024

 

 

Exmo. Sr. Secretário-geral do Partido Socialista,

 

As eleições legislativas do próximo dia 10 de Março decorrem num clima de crise política, provocada pela queda do Governo, por danos reputacionais associados a suspeitas de práticas corruptivas. Como mostram os estudos de opinião, os portugueses vivem hoje uma crise de confiança nas instituições democráticas, espelhada na insatisfação com a qualidade da democracia e o aumento das percepções de corrupção.

 

Impõe-se que o próximo Governo, independentemente das legítimas opções políticas e ideológicas que adoptar, sinalize de imediato o seu compromisso com a defesa do interesse público e a ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos públicos relevantes para benefício de interesses particulares.

 

É neste espírito que a Frente Cívica interpela publicamente os líderes do PS e PSD, um dos quais será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal, para que se comprometam publicamente com três simples medidas imediatas:

 

1-     Limitar a 2% as despesas excepcionais do Orçamento do Estado

 

Na elaboração dos futuros orçamentos (já no de 2025), o Governo deve reduzir drasticamente, quase eliminar, a rubrica de despesas excepcionais.

 

Nos últimos anos, cerca de dez por cento da despesa prevista nos orçamentos de Estado é classificada como despesa excepcional. No OE de 2024 são 11 mil milhões, numa despesa total orçada em 123 mil milhões. Os OE relativos aos últimos dois anos (2022 e 2023) previam cerca de 12,4 mil milhões/ano. E assim tem sido de há vários anos a esta parte.

 

Não é aceitável que cerca de dez por cento da despesa seja “excepcional”, todos os anos. Esta rubrica deveria representar, no máximo, dois por cento da despesa pública. Até porque estas despesas excepcionais são perniciosas. Esta rubrica tem sido maioritariamente destinada a “empréstimos a m/l prazo” canalizados para empresas como a Parvalorem – “bad bank” onde se acumulam os activos tóxicos resultantes de corrupção no BPN, no Banif e de outras fraudes financeiras – que é hoje o maior devedor ao Estado português. Estes empréstimos representam, em cada ano, cerca de cinco mil milhões de euros.

 

O segundo valor mais significativo das despesas excepcionais é constituído pela aquisição de acções e outras participações em empresas nunca devidamente identificadas. As despesas excepcionais são inescrutináveis, muito dispendiosas e sem utilidade social visível. Devem acabar ou reduzir-se a valores da ordem dos dois por cento e jamais 10%.

 

2-     Extinguir as Parcerias Público-Privadas rodoviárias

 

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.

 

Este é um problema crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, que recomendou a sua negociação ou extinção. No entanto, mesmo depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS e a partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a representar uma sangria de recursos públicos.

 

Com efeito, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Este valor astronómico contrasta com o valor total dos activos em PPP da responsabilidade do Governo Central calculado em 2021 pelo Eurostat, o órgão estatístico da União Europeia, de apenas 4 mil milhões de euros – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões previstos no OE de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos relatórios dos Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos activos em causa.

 

Estas rendas constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no desenvolvimento económico e social do país. O próximo Governo deve por isso extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, com uma redução dos encargos brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões previstos, para valores a rondar os 400 milhões.

 

3-     Cobrar de imediato o IMI devido nas grandes concessões públicas, como aeroportos e barragens

 

A incapacidade do Estado na cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relacionados com grandes concessões públicas, como barragens ou aeroportos, é um caso de estudo de capitulação do interesse público face a interesses privados, com a cumplicidade de vários Governos. Essa receita fiscal tem de ser cobrada de imediato.

 

A extinção da possibilidade de cobrança do IMI de 2019 devido pelos concessionários das barragens da Terra de Miranda, no final de 2023, alertou o país para uma iniquidade fiscal indefensável: mau grado dois despachos do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais instruindo a Autoridade Tributária a cobrar o imposto devido neste caso concreto, a inacção do Estado português face às grandes concessões mantém-se.

 

E se, na Terra de Miranda, o Estado defende a cobrança do imposto, mas depois não cumpre, no caso das concessões aeroportuárias é o próprio Estado a colocar-se do lado dos concessionários. Com efeito, no litígio interposto no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal pelo Município de Santa Cruz, visando a inscrição na matriz predial para a cobrança de IMI do Aeroporto Cristiano Ronaldo, foram o Governo Regional da Madeira e a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a defender os interesses do concessionário, pretensão entretanto rejeitada pelo Tribunal.

 

O IMI devido, mas não pago, em concessões públicas, como barragens e aeroportos, constitui um activo potencial de centenas de milhões de euros anuais que estão a ser subtraídos aos portugueses – muitas vezes, precisamente nas regiões mais empobrecidas do país, onde esses activos mais fazem falta para o desenvolvimento económico e social das populações. A cobrança destes impostos é por isso urgente, não só como forma de repor a justiça e equidade fiscal, mas de sinalizar o compromisso do próximo Governo com o combate à captura do Estado por interesses privados.

 

 

 

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

  

João Paulo Batalha, Vice-Presidente