sexta-feira, 30 de março de 2018

Janela da Frente - Cidadania, vítima dos “Profissionais de Palco”. - Jorge Amaro

Cidadania, vítima dos “Profissionais de Palco”


Tenho dedicado algum do meu tempo e das minhas indispensáveis leituras, à análise da qualidade da democracia, versus, o generalizado desencanto democrático das novas gerações, um registo que está a deixar marcas indeléveis, sobretudo para aqueles que acreditam na democracia como um modelo de regime com o qual se identificam e desejam preservar.

Acreditar nos jovens é ter esperança num novo amanhã.

Os “Profissionais de Palco”, mais preocupados com os índices de popularidade da sua imagem e das mordomias com que politicamente se governam, sem governar, do que propriamente com a qualidade da democracia, raramente reconhecem nos Jovens, a força que deles emerge, as conquistas alcançadas, ou a sua capacidade para a luta, ícones que a história não esquece, para aqui relembrar o célebre “maio de 1968” que, apesar de decorridas quase cinco décadas, parece encontrar nas sociedades de hoje razões para reflexão.

Ignorar vozes de referência como a do Papa Francisco que recentemente se dirigiu aos Jovens para os motivar a denunciar as forças que querem silenciar as novas gerações.

Ignorar as manifestações de revolta que, em Washington, levaram à rua centenas de milhar de americanos em solidariedade com os jovens de Parkland, sem esquecer as centenas de iniciativas agendadas para os USA e resto do mundo, contra a venda de armamento.

Ignorar a voz da jovem Emma González, de apenas 18 anos, ícone viral,  não apenas de uma consternação coletiva, mas também de uma inquestionável coragem, que enalteço pelo confronto ao poder político e pela advertência que deixou registada para o futuro, das quais relevo nas suas parcas mas sentidas palavras: “está na hora de as vítimas se tornarem os agentes das mudanças que necessitamos... os jovens vão se envolver cada vez mais na política, porque a regulamentação sobre o acesso às armas tem que mudar”, razões mais que suficientes para elevar as nossas expectativas e ter confiança de que os Jovens irão lutar por um amanhã melhor.

Reerguer a Democracia pela voz da cidadania é outro imperativo nacional.

A qualidade da democracia, fundamentalmente da representação política, foi-se degradando ao longo do tempo, por razões diversas, entre as quais destaco o decréscimo da participação eleitoral, uma mudança de paradigma em resultado da insatisfação dos cidadãos com os mecanismos tradicionais de participação, da espontaneidade que resulta das novas formas de intervenção dos cidadãos na esfera pública, redes sociais, internet ou mobilizações por sms, ou seja, uma nova forma de os cidadãos se relacionarem com a política.

Os “Profissionais de Palco”, engenhosos oportunistas, conhecedores desta nova realidade, vivem no conforto que a ausência de participação política lhes proporciona e à sombra deste modelo redutor de representação, representam-se a si próprios e aos interesses instalados, que representam, sob a capa de uma governação democrática, impoluta, ao serviço do bem público e dos cidadãos.

Vivemos sob um modelo ficcionado de governação e por isso, subscrevo na íntegra a visão de Clara Ferreira Alves vertida num artigo recentemente publicado no Jornal “Expresso” sob o título “Este é o maior Fracasso da Democracia Portuguesa!!!!!!!!!!”
“Portugal, tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro, e nenhum português se preocupa com isso, apesar de pagar os custos da morosidade, do secretismo, do encobrimento, do compadrio e da corrupção. Os portugueses, na sua infinita e pacata desordem existencial, acham tudo "normal" e encolhem os ombros. Por uma vez gostava que em Portugal alguma coisa tivesse um fim, ponto final, assunto arrumado”.

Num momento crucial da vida democrática, em que os cidadãos são recorrentemente “convidados” a contribuir com os seus  impostos para a recapitalização de bancos “falidos”, torna-se imperativo nacional reerguer a Democracia em nome da Cidadania, apelar a uma maior participação eleitoral que dignifique a representação política, que garanta aos cidadãos as suas liberdades, exercidas em cidadania pela convivência e tolerância, em que as decisões políticas estejam enquadradas num clima de debate e confronto de ideias, em que os diferentes poderes (legislativo, executivo e judiciários) atuem de forma independente, em suma, uma sociedade plural onde seja possível “aos governados defender-se da opressão dos seus governantes e de igual forma defender cada parte da sociedade da injustiça da outra parte”.

Em Portugal, necessário e urgente se torna, reerguer a democracia pela via da cidadania, uma cidadania ativa e participativa, em que cada cidadão assuma como imperativo nacional acabar com governações teatralizadas que permitem aos “Profissionais de Palco” repartir entre si os recursos de todos nós, porque essa sim,  é sem margem para dúvida, a panaceia que alimenta o “monstro”, aquela que, pela passividade dos cidadãos, interiorizou na sociedade a ideia de que existe um corte dos cidadãos com a política.

Em nome da cidadania, faço minhas as palavras da jovem Emma González: “está na hora de as vítimas se tornarem os agentes das mudanças que necessitamos...”

VAMOS, em frente!!!

30/03/2018
Jorge Amaro

quinta-feira, 22 de março de 2018

Janela da Frente "A Taxa Vítor Gaspar financia a geringonça" - Henrique T. Cunha

"A Taxa Vítor Gaspar financia a geringonça" 

A energia usada para aquecer a casa, cozinhar, iluminar ou tomar banho é um recurso básico sendo que o consumo é por norma inversamente proporcional à qualidade das habitações e por conseguinte à riqueza das famílias - o investimento necessário para que se obtenha uma substancial economia de energia numa habitação não está ao alcance da maioria das famílias.

Na maioria do território interior português que urge apoiar e desenvolver, as rigorosas condições climatéricas implicam um consumo de energia consideravelmente superior ao das cidades litorais! Não é igual aquecer um apartamento na capital ou uma casa transmontana!

Todas as empresas industriais, comerciais ou de serviços consomem energia e traduzem invariavelmente este custo nos bens e serviços que comercializam.

A energia é tão essencial à vida como o ar que respiramos e faria todo o sentido que fosse isenta de impostos ou taxada pelo valor mínimo de 6% como qualquer outro bem de consumo obrigatório.

Queiramos ou não, todos consumimos energia pelo que não surpreende que a solução encontrada por Vítor Gaspar, perante a iminente falência das contas públicas, tenha sido sobretaxar em + 17% o consumo de energia numa medida incluída no pacote a que chamou frontalmente um "brutal aumento de impostos".

Visto à posteriori, este imposto anunciado como transitório, além de bruto, socialmente injusto e cego padece de um grave erro de forma e falta de transparência. Tivesse o então ministro das finanças chamado a este contributo financeiro obrigatório e excepcional de, por ex, TVG - Taxa Vítor Gaspar, cobrado à parte na mesma factura (tal como a contribuição audiovisual) e jamais, no futuro, um Primeiro Ministro se atreveria a dizer que acabou a austeridade sem antes eliminar este violento saque ao contribuinte.

Mas não foi assim que aconteceu. Este erro de Vítor Gaspar permite que se mantenha hoje a mais infame marca dos tempos da Troika enquanto a geringonça apregoa uma ilusória reposição do rendimento das famílias.

Não aceito que o governo e os partidos que o suportam reduzam a taxa da meia de leite (iva da restauração) ou dêem qualquer outra benesse sem antes acabar com a vergonhosa TVG na energia!

António Costa não pode falar em fim da austeridade mantendo a Taxa Vítor Gaspar e o seu "brutal aumento de impostos" a que acrescentou um agravado ISP - imposto sobre combustíveis.

Se os portugueses pagam o maior volume de impostos de sempre, não se pode dizer que a austeridade acabou. O que acabou foi a vergonha!

Henrique Trigueiros Cunha

22/03/2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

Sem limites à “Pouca Vergonha Nacional” - Jorge Amaro


Por:Jorge Amaro
A nova lei de financiamento dos partidos políticos, o veto presidencial ao diploma, em nome do “sentimento nacional”, a sua aprovação na Assembleia da República, após ficcionada revisão, sem que algo se tenha alterado no seu substrato, fizeram-me descer a atenção.

A forma opaca como os partidos políticos e seus representantes, os deputados, supostamente da nação, em profundo desrespeito pelo poder de representação que lhes foi conferido pelo voto popular, usam e abusam de uma imunidade constitucional ao abrigo do nº 1 do Artigo 157º da CRP para legislar em benefício directo do partido que representam e a quem obedecem, à revelia do interesse nacional, repugna-me.

Esta “Gaiola de Faraday” que atribui a cada deputado a imunidade necessária para não ter de responder, civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emite no exercício das suas funções, é a impunidade, o campo eléctrico nulo da política, aquele que resulta da ausência de mecanismos representativos, uninominais, que permita aos cidadãos rescindir para substituir, aqueles que privilegiam a sua condição de “servos” partidários, submissos a uma carta de alforria, em detrimento da representação que lhes foi conferida pelos seus representados.

A esse propósito, da representação, não poderia deixar de fazer aqui a reflexão algébrica que se impõe à atual representação política no Parlamento, aquela que legisla em nome de todos nós portugueses, uma reflexão que não visa contestar ou criticar a solução governativa encontrada, a famosa “Geringonça”, muito menos avaliar populismos eleitorais dos atores que lhe deram vida, mas sim, para analisar o deficit de cidadania que por ausência de participação cívica dos cidadãos em sufrágios eleitorais, permite a uma minoria legitimada, governar como se fosse uma “maioria”.

Assim sendo e porque os números são como o algodão, “não enganam”, importa referir que a atual representação parlamentar na Assembleia da República (230 deputados) em resultado das eleições legislativas realizadas a 4 de outubro de 2015, tendo sido sufragada por 5.408.805 votantes, representa 55,86% de um universo eleitoral de 9.682.553 inscritos em território nacional e estrangeiro.

Aprofundando a análise numa relação racional entre o número de eleitores inscritos e o número de votos expressos, com total propriedade refiro que, numa primeira análise o Partido Socialista ao obter 1.747.685 votos se assume como um governo em representação de 18,05% dos eleitores inscritos, ou ainda e numa segunda análise mais alargada afirmo que a solução parlamentar encontrada, a “Geringonça”, permitiu ao atual governo do PS encontrar estabilidade governativa numa solução negociada com o BE e PCP/PEV a que corresponde um total de 122 deputados, em representação de 28,35% dos eleitores inscritos, ou seja, 2.744.557 votos expressos.

E porque o verdadeiro cancro da democracia são os elevados níveis de abstenção eleitoral, 44,14%, desvalorizo neste contexto a representação partidária obtida, consciente de que a solução do problema não passará nunca pelo conforto eleitoral que esta “doença” concede aos partidos ditos do arco da governação ou àqueles que a apoiam, mas sim, pelo combate político que a cidadania terá de realizar no sentido de uma educação cívica geracional para a cidadania, que promova a inclusão e simultaneamente combata o clientelismo que um qualquer cartão partidário confere aos seus apaniguados.

Encontro nesta representação algébrica, desproporcionada, razões para referir que a atual Assembleia da República se inscreve no contexto da ausência de limites à “pouca vergonha nacional “ porque racional seria que a Assembleia da República preenchesse apenas os lugares inerentes aos votos expressos dos cidadãos, 128 deputados, e que as restantes cadeiras, 102 lugares, se encontrassem vazias por inexistência de representação, a abstenção eleitoral, a “vergonha nacional “ que coloca aos cidadãos a emergente necessidade de participação cívica, capaz de impedir a aprovação partidária de leis discricionárias, lesivas dos direitos e deveres de cidadania, neste particular, a nova lei de financiamento partidário.

Parafraseando João Cardoso Rosas, os partidos políticos, esses “grupos organizados de indivíduos que visam conquistar o poder e mantê-lo, dentro das regras do regime constitucional ou até procurando subvertê-las” deveriam auto financiar-se sem precisar de mecenas, porque quem dá espera receber algo em troca e quem recebe fica no mínimo com uma dívida de gratidão, e como se não bastasse alimentar-se das subvenções do Estado, dinheiro de todos nós, veem ainda subverter regras constitucionais em benefício próprio,  auto discriminando-se, pela lei, em relação aos cidadãos.

A ideologia, enquanto representação coletiva da sociedade, a ordem das ideias, não retira capacidade cognitiva aos cidadãos, antes pelo contrário, permite a distinção clara entre políticas para comparar as forças em competição, o pluralismo ideológico, para delas conscientemente aferir através desse poder único que é o voto, qual o modelo pretendido para o domínio do Estado, da lei e da governação.

Sem limites à “Pouca Vergonha Nacional”, alguns partidos representados na Assembleia da República, cujas siglas me recuso a referir, e outros que igualmente representados também não refiro porque o seu voto contra representa uma estratégia populista para melhor se posicionar em sondagens, mas dele retiram idêntico benefício, todos legislam de forma discricionária sem respeitar valores de equidade em relação aos cidadãos.

Ademais, com o beneplácito do Presidente da República, de quem me assistem fortes dúvidas de vetar de novo este diploma, opinião que fundamento nas posições públicas por si assumidas, nomeadamente quando em primeira instância referiu que no uso das suas competências tinha vetado o diploma em nome do “sentimento” nacional, fizeram-me descer de novo a atenção.

Vem agora o senhor Presidente da República considerar que os deputados fizeram um esforço para ir ao encontro da sociedade civil e do seu veto inicial, imagem que revejo nesta infeliz, mas “profética” declaração: “A minha recomendação era muito simples: têm de discutir e explicar aos portugueses aquilo que querem aprovar. Fizeram isso. Até fizeram mais do que eu tinha proposto. Porque eu tinha colocado como hipótese apenas um debate amplo. Não confirmaram só, alteraram".

Que a versão final do diploma sobre financiamento partidário agrade ao Presidente da República, pela “simplicidade” que lhe atribui ou ainda pela grandeza do benemérito gesto que atribui aos deputados, isso não me surpreende, faz parte de uma cultura política, a do afeto, quiçá com os olhos postos na reeleição,  ad contrário à figura fria e austera do seu antecessor,  mas não o descola da inóxia imagem de um Chefe de Estado cujos argumentos e decisões nem sempre recolhe a plena respeitabilidade institucional dos partidos que se fazem representar na Assembleia da República.

A bem da Democracia, que a separação e interdependência de poderes consagrados na Constituição da República Portuguesa, princípios fundamentais a um Estado de direito democrático se sobreponha aos difusos interesses partidários representados na Assembleia da República, como corolário matricial dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, designadamente daqueles que adormecidos pela ausência de verdade e rigor das diferentes governações, ou dos ridículos afetos, se disponibilizem a reverter o atual status, para assumir uma maior participação cívica que altere os limites a esta “pouca vergonha nacional”.

Jorge Amaro

15/03/2018

quinta-feira, 8 de março de 2018

Janela da Frente - "HÁ DIAS E DIAS" - Maria Teresa Serrenho



Há dias e dias 


Curiosamente e por coincidência, hoje, Dia da Mulher, coube-me a mim “abrir” esta Janela da Frente. Sendo eu mulher, sinto-me quase obrigada a falar deste tema no meu artigo de opinião. Não será o primeiro texto de opinião que escrevo sobre o assunto, já escrevi várias vezes sobre esta comemoração e como não mudei de opinião, vou provavelmente repetir-me, peço desculpa por isso.


Não consigo entender a euforia destes festejos mais ou menos folclóricos que se realizam à volta desta efeméride. Tenho dificuldade em compreender aquela felicidade momentânea e passageira, mascarada de liberdade (condicional), onde se chega a dar aso a excessos irracionais e pouco dignificantes da condição de Mulher.


Os dias mundiais existem para chamar à atenção para causas, para colocar na agenda problemas e assuntos fracturantes, quer sociais, quer ambientais.


O Dia da Mulher existe para que se pense no seu papel no Mundo, para que se denunciem injustiças e maus tratos, mutilações, falta de liberdade, desigualdades e discriminações.


Por isso no dia da Mulher, neste dia da Mulher em pleno século XXI, neste dia em que, se olharmos ao redor nos sentimos ameaçados por todos os lados, em que sentimos o risco em que está a nossa casa, a única que temos e que é de todos, o planeta Terra, onde vemos crianças abandonadas, vitimas de uma guerra de homens gananciosos e fanáticos. Nestes dias em que sentimos constantemente ameaçada a democracia, pela inoperância da justiça, pela corrupção e abusos de poder. Não consigo compreender que neste mundo de homens, neste mundo em que há um efectivo retrocesso a pender sobre direitos e igualdade de género, onde anualmente são mortas pelos companheiros, dezenas de mulheres, haja mulheres que em vez de se manifestarem e denunciarem situações de desigualdade e discriminização, fiquem felizes porque “pelo menos têm um dia delas”.


Esta manifestação de um preocupante conformismo tende a replicar as desigualdades gritantes que encontramos nas sociedades, mesmo nas ditas civilizadas como a nossa.


Muitas vezes me tenho questionado a mim mesmo: Se há mais mulheres que homens, se há mais mulheres com habilitações académicas superiores, se as mulheres têm provado que são tão capazes como os homens, porque é que continuam a ter um papel secundário na nossa sociedade? Porque é que não são mais interventivas? Onde estão afinal as mulheres?


Porque é que continuamos a ter predominância de homens nos comentadores das televisões, nas autarquias, na Assembleia, no Governo?


Talvez seja por falta de oportunidades e porque o sistema se auto mantem. Mas outra coisa é a participação cívica, onde a iniciativa de participação é um acto de escolha pessoal.


Porque é que temos muito mais homens que mulheres nas Associações, nomeadamente na Frente Cívica? Porque é que tão poucas participam em encontros e debates? Porque é que não são mais interventivas?


Todos e todas temos a percepção de que as coisas têm que mudar urgentemente, sentimos no nosso quotidiano que a mudança é hoje, é agora, por isso é tempo de agir. Qualquer dia pode ser dia de diversão com amigas ou amigos e não apenas no Dia da Mulher. Há que deixar essa ilusória liberdade de um dia diferente, esse dia que pode afinal ser quando quiserem e não quando os homens determinam.


Ser Mulher é muito mais do que ser companheira e mãe (por mais que esses papeis nos dignifiquem e realizem). As mulheres são muito mais fortes e determinadas do que nos querem fazer. Temos que assumir a nossa responsabilidade com a vida, nós temos um papel na sociedade e na política. As mulheres pensam e agem de maneira diferente e são capazes de se superar quando precisam de defender as suas crias, por isso e sobretudo pelo futuro dos nossos descendentes, deixo um desafio: ousemos ter um papel mais activo na construção de uma sociedade mais honesta, mais justa e equilibrada, para que todos os dias sejam dias da Humanidade!



Maria Teresa Serrenho


08/03/2018

quinta-feira, 1 de março de 2018

Janela da Frente - "Você Está Livre da Prisão" - Paulo de Morais


Você Está Livre da Prisão


De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção da Transparency International, Portugal é um dos países mais corruptos da Europa, a par da Grécia, Itália e Espanha. Neste infeliz grupo - países em que a corrupção domina a vida pública e a política - Portugal é aquele em que os corruptos têm gozado de maior impunidade. Raramente são acusados, quase nunca julgados e. mesmo se condenados, jamais são presos.

Como em Espanha, há também no nosso país inúmeros crimes urbanísticos, os escândalos sucedem-se: Parque Mayer em Lisboa, Vale do Galante na Figueira, edifício Cidade do Porto, Vale de Lobo no Algarve. E condenações por cá? Nenhumas… Enquanto isso, em Espanha, num único processo, o Malaya (assim designado porque envolve corrupção urbanística entre Málaga e Ayamonte), foram presos bem mais de cem autarcas. Até a cantora e figura do jet-set Isabel Pantoja foi condenada e presa. Em tempos, o chefe do governo, Mariano Rajoy, teve mesmo de pedir desculpas públicas pela corrupção que contaminou o seu partido, no poder. Até na Grécia, foi provada corrupção na aquisição de submarinos alemães, num processo similar ao português. Os alemães envolvidos foram sentenciados com duras penas, o ex-ministro grego da Defesa foi preso. Mas em terras lusas, apesar de os tribunais germânicos terem evidenciado a corrupção e haver detenções na Alemanha… zero presos em Portugal.

Esta situação de total impunidade não é obra do acaso. Por um lado, é obra da inoperância dos Tribunais. Apesar de nos últimos anos o Ministério Público ter proferido algumas acusações a políticos de todos os quadrantes – não há ainda resultados visíveis. Por outro lado, resulta de uma legislação confusa. E, finalmente, duma corrupção generalizada na Política e no topo da Administração Central.

Apesar de tudo, nos últimos tempos, alguns políticos famosos e influentes foram apanhados pela Justiça: José Sócrates, Ricardo Salgado, Miguel Macedo, Armando Vara, Duarte Lima, Oliveira e Costa. Mas os processos são lentos e exasperantes, o povo desespera na ânsia de Justiça. Ricardo Salgado ainda não foi acusado, José Sócrates ainda não foi julgado, o julgamento de Miguel Macedo no caso dos vistos Gold eterniza-se…

E, mesmo quando os julgamentos se concluem, mesmo quando há condenações a prisão efetiva… ninguém é preso. Como sucede com Armando Vara, que foi condenado a cinco anos de prisão efectiva, mas não foi detido, volvidos quatro anos sobre a condenação; ou com Oliveira e Costa, condenado no caso BPN, que também continua em liberdade. Assim como Duarte Lima….

Há justificações formais para que tal suceda: como o regime penal admite recursos atrás de recursos - e estes suspendem a execução das penas – os recursos e pedidos de aclaração de sentenças servem de manobras dilatórias para impedir que a Justiça seja efectivamente realizada. Mas a razão real é outra: os políticos mais poderosos são cúmplices dos maiores criminosos de colarinho branco e garantem, por todas as formas, que estes se tornem intocáveis. Bastará contratar as sociedades de advogados que melhor consigam urdir, nos interstícios da legislação, a teia da impunidade. Os subornos pagam sempre toda a proteção.

E assim será, até ver. Até que a Justiça se liberte definitivamente desta teia, os maiores corruptos dispõem do cartão “você está livre da prisão”; neste jogo de Monopólio, que garante que o verdadeiro poder já não pertence ao povo, mas aos grandes grupos económicos que capturaram a nossa democracia.

Paulo de Morais

Março 2018