quinta-feira, 1 de junho de 2023

Frente Cívica pede que António Costa traga de Angola garantias para o julgamento de Manuel Vicente

 


A Frente Cívica escreveu esta quinta-feira ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo-lhe que, durante a visita oficial que realizará a Angola nos próximos dias 5 e 6 de Junho, obtenha garantias formais do Estado angolano quanto ao julgamento do ex-vice-presidente Manuel Vicente, acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse investigações de branqueamento de capitais em que Vicente era visado.

Orlando Figueira foi condenado a seis anos e oito meses de prisão por se ter deixado corromper, mas Manuel Vicente, acusado de ser o corruptor activo, nunca foi julgado. O seu processo foi enviado para julgamento em Angola há cinco anos, mas o julgamento nunca aconteceu. "A condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente", escreve a Frente Cívica.

Para a associação, cabe a António Costa, que "celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente", obter garantias do seu julgamento. "Corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano".

Caso Angola não esteja em condições de garantir um julgamento célere e justo do seu ex-vice-presidente, caberá a Portugal fazer regressar o processo aos tribunais nacionais, como previsto na lei, para que se faça justiça.

Anexamos, para conhecimento, a carta enviada ao primeiro-ministro de Portugal.


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

Rua da Imprensa à Estrela, 4

1200-888 Lisboa

gabinete.pm@pm.gov.pt

 

 

C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

Rua da Escola Politécnica, n.º 140,

1269-269 Lisboa

correiopgr@pgr.pt

 

 

Assunto: Operação “Fizz” – Julgamento de Manuel Vicente

Data: 1 de Junho de 2023

 

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em Fevereiro de 2017, o Ministério Público português acusou o cidadão angolano Manuel Vicente, então vice-presidente do seu país, de crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Especificamente, Manuel Vicente foi acusado de corromper um procurador da República para que arquivasse inquéritos criminais que corriam em Portugal, nos quais o mesmo Manuel Vicente era visado por suspeitas de branqueamento de capitais.

 

Na sequência desses factos, o procurador responsável, Orlando Figueira, foi julgado e condenado por crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, esperando-se que comece brevemente a cumprir a pena de seis anos e oito meses de prisão a que foi condenado e que está finalmente a transitar em julgado.

 

Infelizmente, Manuel Vicente nunca chegou a ser julgado, em virtude de, em Maio de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa ter determinado remeter a acusação criminal que sobre ele pende para ser julgada em Angola, ao abrigo de acordos vigentes sobre cooperação judiciária. No entanto, a condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente.

 

Ora, sucede que, desde que a acusação foi delegada para o Estado angolano, há mais de cinco anos, nada aconteceu para que Manuel Vicente sequer começasse a ser julgado. É sabido que o acusado beneficiou de uma lei de imunidade que se lhe aplicava até cinco anos depois de deixar o cargo de vice-presidente, mas esse prazo esgotou-se no final de Janeiro de 2022 e, desde então, nada foi feito para julgá-lo. Tudo indica que Angola determinou, com fundamento legal ou sem ele, oferecer a Manuel Vicente um estatuto de impunidade vitalícia que viola o princípio de confiança na justiça angolana que o Presidente João Lourenço reclamou de Portugal, ao exigir o envio do processo para Angola, e que Portugal lhe concedeu.

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

 

Em 2018, V. Exa. apontou este processo como um “irritante” nas relações entre Portugal e Angola, em coro aliás com o seu então ministro dos Negócios Estrangeiros – hoje segunda figura do Estado português – e o Presidente da República. Por essa razão, celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente. Sucede que corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano.

 

Assim, apelamos a V. Exa. que, no âmbito da visita oficial que realiza nos próximos dias 5 e 6 de Junho a Angola, peça formalmente ao Estado angolano garantias específicas e precisas de que será respeitada a delegação do processo e de que o julgamento de Manuel Vicente será levado a cabo, com garantias de independência dos tribunais angolanos, em prazo específico – e breve –, que deverá ser indicado. Sem essa garantia formal, deverá a justiça portuguesa concluir que Angola não só não honrou, como não tenciona honrar, os mecanismos de cooperação judiciária a que fez apelo em Portugal, não restando ao Estado português senão revogar a delegação do processo e recuperar o direito de julgar Manuel Vicente em Portugal, como previsto no art.º. 93º, n.º 3 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).

 

Com os melhores cumprimentos,                                                                      

Pela Frente Cívica,

 

 Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 

 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Conferência "Cidadania, Liberdade de Expressão e Litigância Retaliatória" - 7 de Junho, 14h00, Coimbra

 


A Frente Cívica co-organiza no próximo dia 7 de Junho, em colaboração com o Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e o Instituto de Direitos Humanos da mesma Faculdade, a Conferência "Cidadania, Liberdade de Expressão e Litigância Retaliatória". O evento decorre das 14h00 às 18h30, no Colégio da Trindade - Casa da Jurisprudência da Universidade de Coimbra, com entrada livre.

A litigância retaliatória, nomeadamente através de acusações de difamação, é hoje uma das principais ameaças à liberdade de expressão em Portugal e à participação crítica dos cidadãos na vida pública. A persistência destas práticas de litigância retaliatória levou já a inúmeras condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por violar a liberdade de expressão dos seus cidadãos.

Os limites da liberdade de expressão e o uso dos tribunais para limitar o debate público, num apelo permanente à autocensura dos cidadãos, activistas e jornalistas serão temas em debate no evento. A conferência integra-se nas comemorações do centenário de Francisco Salgado Zenha. A entrada é livre.


Programa:

CONFERÊNCIA 
CIDADANIA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO 
E LITIGÂNCIA RETALIATÓRIA 
Homenagem a Francisco Salgado Zenha
7 de junho de 2023 
Colégio da Trindade|Casa da Jurisprudência
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
 
PROGRAMA

 

14:00-14:15 | Sessão de Abertura

 

14:15-14:45 | Palestra de abertura

Liberdade de Expressão e a Litigância Retaliatória na União Europeia

Jónatas Machado, Director da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

 

14:45-16:15 | 1º Painel: Difamação e Liberdade de Expressão

Moderadora: Karina Carvalho, Transparência Internacional Portugal

Eduardo Dâmaso

Felícia Cabrita

João Paulo Batalha


16:15-16:30 | Cofee-Break


16:30-18:00 | 2º Painel: Litigância Retaliatória

Moderadora: Paula Veiga, Subdirectora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Iolanda Brito

Filipe Preces

Luísa Teixeira da Mota

 

18:00-18:30 | Palestra de encerramento

A Centralidade da Liberdade de Expressão na Participação Cívica

Paulo Morais

 

18:30-18:45 | Sessão de Encerramento

 


segunda-feira, 22 de maio de 2023

Frente Cívica pede reabertura de investigações contra Manuel Vicente

 

Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola
Foto "70th Annual General Assembly Debate", por United Nations Photo, 
sob licença 
CC BY-NC-ND 2.0.

A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 22 de Maio de 2023, à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, a pedir a reabertura das investigações por branqueamento de capitais visando o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que foram arquivados pelo procurador Orlando Figueira.

Lembrando que Figueira foi condenado por corrupção relacionada com o arquivamento das investigações contra Manuel Vicente, a associação pede explicações ao Ministério Público sobre o que foi feito, ou virá a ser feito, para reabrir os inquéritos "corruptamente arquivados", que investigavam suspeitas de lavagem de dinheiro por parte do ex-dirigente angolano, nomeadamente com a compra de imobiliário de luxo em Cascais, por perto de 4 milhões de euros. 

"Dado que é implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa", lê-se na carta enviada pela Frente Cívica.


Anexa-se a missiva remetida à Procuradora-Geral da República.


Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

Rua da Escola Politécnica, n.º 140,

1269-269 Lisboa

correiopgr@pgr.pt

 

 

Assunto: Suspeitas de branqueamento de capitais envolvendo Manuel Vicente

Data: 22 de Maio de 2023

 

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral,

 

Na última quarta-feira, 18 de Maio, de acordo com informação saída na imprensa[1], o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso interposto pelo ex-procurador Orlando Figueira, relacionado com o processo conhecido como “Operação Fizz”. O indeferimento deste recurso abre finalmente caminho a que o mesmo magistrado comece brevemente a cumprir a pena de prisão de seis anos e oito meses a que foi condenado, em primeira instância, há já mais de quatro anos.

 

Em causa, como seguramente se recorda, está a condenação de Orlando Figueira pelos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento, que implicaram o recebimento de vantagens patrimoniais de mais de 760 mil euros, em troca do arquivamento de inquéritos em que o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, era investigado por suspeitas de branqueamento de capitais relacionadas, entre outras coisas, com a compra de um apartamento no luxuoso complexo Estoril-Sol, em Cascais, por 3,8 milhões de euros.

 

O trânsito em julgado da condenação de Orlando Figueira torna definitiva a evidência de que um procurador português se deixou corromper para arquivar inquéritos judiciais. Na verdade, não era sequer necessário esperar por este último desenvolvimento processual para aceitar essa conclusão. Tal evidência havia sido confirmada:

 

a)     pela rejeição de um recurso do arguido junto do Tribunal Constitucional, em Dezembro de 2022;

b)     pela confirmação da sentença condenatória pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em Novembro de 2021;

c)     e pela condenação em primeira instância do magistrado, em Dezembro de 2018.

 

Mas, na verdade, o Ministério Público português já estava convencido do carácter corrupto do arquivamento dos inquéritos em causa quando deduziu acusação por esses mesmos factos, em Fevereiro de 2017.

 

Em suma, o Ministério Público português está convicto, há mais de seis anos, de que importantes inquéritos por suspeitas de branqueamento de capitais foram arquivados pelo procurador responsável no âmbito de um pacto corrupto. O corrompido está condenado, mas corruptor também tem nome: é Manuel Vicente, beneficiário dessa actuação corrupta de Orlando Figueira e que só não terá sido condenado nos mesmos autos porque as autoridades judiciais portuguesas decidiram enviar a acusação para julgamento no seu país de origem, Angola.

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

 

Com a evidência investigada e confirmada, impõe-se perguntar porque não foram reabertos os inquéritos por branqueamento de capitais que o Ministério Público e os tribunais portugueses, nas várias instâncias, concluíram ter sido corruptamente arquivados. Dado que é implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa.

 

Assim, vimos por este meio requerer a V. Exa. que nos informe, e ao país, que diligências foram já tomadas, ou tenciona V. Exa. tomar, para reabrir os inquéritos em causa e promover uma investigação honesta aos sérios indícios de crimes de branqueamento de capitais potencialmente cometidos em Portugal pelo cidadão angolano Manuel Vicente.

 

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

Paulo de Morais, Presidente

João Paulo Batalha, Vice-Presidente


terça-feira, 2 de maio de 2023

Frente Cívica pede ao Presidente da República a demissão do Governo

 

"António Costa", por rtppt sob CC BY-NC-SA 2.0.

A Frente Cívica escreveu esta noite ao Presidente da República, exortando-o a demitir o Governo, nos termos do Artº. 195 da Constituição. O pedido foi feito em reacção à nota da Presidência da República, na qual Marcelo Rebelo de Sousa mostrou a sua discordância quanto à postura de António Costa face à crise no Governo.

Notando que o primeiro-ministro reconheceu ser "deplorável" o conjunto de incidentes envolvendo João Galamba, a Frente Cívica constata que "o comportamento “deplorável” que ocorreu no Ministério das Infraestruturas não configura para o primeiro-ministro uma situação suficientemente grave para a exoneração do ministro. Esta actuação choca os portugueses e configura, em nosso entender, um irregular funcionamento das instituições."

Nesses termos, é sugerido ao Presidente que, de forma consequente com a nota que emitiu, exonere o Governo, depois de ouvido o Conselho de Estado, nos termos da Constituição.

Anexa-se, para conhecimento, a carta enviada ao Presidente. 


Sua Excelência

Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa

 

 

Assunto: Demissão do Governo em funções

Data: 2 de maio de 2023

Excelência,

 

Na nota que hoje emitiu, Vossa Excelência refere que

O Ministro das Infraestruturas apresentou o seu pedido de demissão, invocando razões de peso relacionadas com a percepção dos cidadãos quanto às instituições políticas.”  E diz ainda que “O Primeiro-Ministro, a quem compete submeter esse pedido ao Presidente da República, entendeu não o fazer (…), apesar da situação que considerou deplorável.” Na mesma nota, Vossa Excelência refere que “discorda da posição deste (primeiro-ministro) quanto à leitura política dos factos e quanto à percepção deles resultante por parte dos Portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem.”

Em síntese, o comportamento “deplorável” que ocorreu no Ministério das Infraestruturas não configura para o primeiro-ministro uma situação suficientemente grave para a exoneração do ministro. Esta actuação choca os portugueses e configura, em nosso entender, um irregular funcionamento das instituições.

Assim, vimos propor a Vossa Excelência que, nos termos do artigo 195.º da Constituição da República, convoque o Conselho de Estado e, de seguida, demita o Governo.

Na sequência desta decisão de Vossa Excelência, o líder do partido mais votado, que dispõe de uma maioria absoluta clara e que resulta de um resultado eleitoral ainda recente, deverá apresentar uma nova proposta de governo e submeter o respectivo programa à Assembleia da República.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,


Paulo de Morais, Presidente


 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 


segunda-feira, 3 de abril de 2023

Frente Cívica pede intervenção do Presidente da República nos atrasos do processo BES

 

© Presidência da República

A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 3 de Abril, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo-lhe que intervenha para resolver os atrasos sucessivos do processo BES que, apesar de ter acusação proferida há dois anos e nove meses, ainda não chegou sequer a julgamento. "Chegou o momento em que se impõe uma intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade", lê-se na carta, que nota que a amizade pessoal entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado pode ser um factor de suspeição junto da opinião pública, o que mais justifica a intervenção do Presidente no sentido de exigir que se faça justiça.

Listando os sucessivos adiamentos que a fase de instrução do processo vem registando desde Janeiro de 2022 e recordando o risco de prescrição de vários dos crimes contidos na acusação, a Frente Cívica pede ao Presidente da República que intervenha "no sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o funcionamento da Justiça".

Note-se que as próprias determinações do Conselho Superior da Magistratura para garantir uma conclusão célere da instrução, determinando datas específicas para o final desta fase processual, já foram violadas por duas vezes pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter já alertado para o risco de prescrição de vários crimes.

É face à reiterada inacção dos tribunais que a Frente Cívica pede ao Presidente que tome uma posição. "Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma premeditada, para a impunidade", acrescenta a associação.

Anexa-se a carta enviada nesta data pela Frente Cívica:


Sua Excelência

Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa

 

 

Assunto: Processo Banco Espírito Santo

Data: 3 de Abril de 2023

Excelência,

O caso BES/GES, cujo principal acusado é Ricardo Salgado, arrasta-se na Justiça há demasiados anos – e não chegou ainda sequer a julgamento. Nos últimos meses, os incidentes e manobras dilatórias ultrapassaram o limite do absurdo. Chegou o momento em que se impõe uma intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade. Esta intervenção é ainda mais pertinente tratando-se de um acusado que tem com V. Exa. uma relação de amizade próxima e de longa data.

O colapso do BES aconteceu há cerca de nove anos, em 2014. A acusação criminal no inquérito então desencadeado demorou largos anos, mas foi finalmente proferida a 14 de Julho de 2020, tendo como resposta de Salgado um pedido de abertura de instrução, direito que lhe assiste. Mas o que não é de todo admissível é que tenhamos chegado aos primeiros dias de Abril de 2023 sem que até hoje tenha havido uma decisão instrutória – na verdade, sem que o próprio Ricardo Salgado tenha sequer prestado declarações.

A instrução do processo, sorteada no dia 28 de Outubro de 2021 ao juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi inicialmente anunciada para final de Janeiro de 2022, mas acabou marcada apenas para 21 de Fevereiro, alegando o juiz não ter capacidade de manter a data prevista, por não estar em exclusividade neste processo. Em Fevereiro, no entanto, o processo foi de novo adiado, para 29 de Março, por motivo de doença do juiz titular; e de novo para final de Abril, pela mesma razão.

Entretanto, novo sobressalto processual voltou a atrasar o processo, com a saída do juiz Ivo Rosa do Tribunal Central de Instrução Criminal e a sua substituição pelo juiz Pedro Correia que, ainda assim, anunciou manter as datas previstas para o avanço da instrução, de 26 a 30 de Setembro de 2021. No entanto, em cima da data dessas diligências, o mesmo juiz adiou mais uma vez o andamento do processo, cedendo a incidentes processuais suscitados pela defesa, que contestava a sua competência para assumir o processo. Em Novembro, os trabalhos foram de novo adiados, para 27 de Janeiro de 2023, pretextando a falta de sala. Em Janeiro deste ano, a conclusão da instrução foi mais uma vez adiada, para Março e, de seguida, agora para Abril.

Estes sucessivos adiamentos, que listamos aqui de forma não exaustiva, violaram a deliberação de Junho de 2022 do Conselho Superior da Magistratura, que determinava que a fase de inquérito deste caso se completasse até Fevereiro de 2023. Face à violação desse prazo, assumiu o Conselho Superior os mesmos vícios dos tribunais que supervisiona, resignando-se à violação da sua decisão e deliberando novo prazo, até ao fim de Março de 2023 – prazo esse que, como se vê, foi também violado. Tudo isto espelha uma total indiferença ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que, ao consagrar este processo como urgente, alertou para o risco real de prescrição de vários crimes.

Se a instrução do caso BES se completar de facto em Abril de 2023, como anunciado, o país terá perdido dois anos e nove meses numa fase processual que devia ser célere e expedita, apenas para verificar os fundamentos da acusação, mas que se transformou numa via sacra de adiamentos e incidentes processuais que subjugaram o Tribunal de Instrução às manobras dilatórias da defesa, numa capitulação inaceitável num Estado de Direito.

No seu conjunto, a condução deste processo espelha um total desprezo pelos princípios de funcionamento dos Tribunais e um olímpico desdém face à opinião pública, que não tem hoje como confiar no regular funcionamento da Justiça.

Impõe-se por isso uma intervenção de V. Exa., no sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o funcionamento da Justiça. Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma premeditada, para a impunidade.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

  

Paulo de Morais, Presidente

 


João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 


quarta-feira, 22 de março de 2023

Frente Cívica denuncia à Procuradoria Europeia compra de navios da Transtejo

 

"Ferry Transtejo 'Almadense', 03-20. (04).jpg"
por Rúdisicyon sob licença CC BY-SA 4.0.

A Frente Cívica apresentou esta quarta-feira, 22 de Março, uma denúncia junto da Procuradoria Europeia sobre o processo de compra de navios eléctricos sem baterias por parte da empresa pública Transtejo. O caso foi revelado por um acórdão do Tribunal de Contas que recusou autorizar a compra, em separado, de nove conjuntos de baterias eléctricas necessários para que os 10 navios encomendados pela Transtejo, e que já estão em construção, possam navegar. A encomenda original dos 10 navios incluía um único conjunto de baterias.

O Tribunal de Contas extraiu uma certidão do acórdão para o Ministério Público, para que sejam investigadas suspeitas de ilegalidades por parte da Transtejo neste processo, que podem implicar a responsabilização financeira ou até criminal dos gestores da empresa. Mas, dado que o negócio envolveu fundos europeus, a Frente Cívica decidiu denunciar o caso à Procuradoria Europeia, com sede no Luxemburgo, que tem poderes de investigação de crimes que prejudiquem os interesses financeiros da União Europeia.

Na denúncia, a Frente Cívica recomenda que se esclareça não só a conduta da Administração da Transtejo, mas também eventuais responsabilidades do Governo no acompanhamento do negócio, e do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência na Utilização de Recursos (POSEUR), que autorizou, já depois da compra dos navios ter sido contratada, a utilização de mais verbas europeias para adquirir as baterias. 

Anexa-se cópia da denúncia feita pela Frente Cívica.


Exma. Sra. Procuradora-Chefe da Procuradoria Europeia,

Laura Codruța Kövesi,

Exmo. Sr. Procurador Europeu José Guerra,

 

 

C/c Exma. Sra. Procuradora-Geral da República Portuguesa,
Lucília Gago

 

 

Assunto: Denúncia de potenciais crimes lesivos dos interesses financeiros da UE

Data: 22 de Março de 2023

Exma. Sra. Procuradora-Chefe,

Através do Acórdão nº 7/2023, de 14 de Março do corrente ano[1], decidiu o Tribunal de Contas de Portugal recusar o visto prévio ao “2.º adicional ao contrato nº 03/2021-TT”, submetido pela empresa pública portuguesa Transtejo Transportes do Tejo S.A, que visava adquirir por ajuste directo nove packs de baterias marítimas, pelo valor de €15.512.544, para apetrechar navios de passageiros cuja construção está em curso ao abrigo do citado contrato nº 03/2021-TT, contrato esse no valor de €52.440.00,00.

Ao fundamentar a sua recusa, o Tribunal de Contas sublinhou não apenas a ilegalidade da alteração proposta ao contrato, mas a forma como o próprio contrato inicial, referente à compra de 10 navios de passageiros, é altamente lesivo para o interesse público, por não ter sido desde logo incluído no caderno de encargos desse concurso o fornecimento das baterias necessárias à operação dos navios. Citamos:

«18. A Transtejo comprou um navio completo e nove navios incompletos, sem poderem funcionar, porque não estavam dotados de baterias necessárias para o efeito. O mesmo seria, com as devidas adaptações, comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais, reservando-se para um procedimento posterior a sua aquisição.[2]»

O acórdão imputa à Transtejo omissões graves e dolosas, que visariam ludibriar o Tribunal, de modo a aprovar um negócio lesivo do interesse público:

«27. O primeiro aspeto a sublinhar é que a Transtejo disse ao Tribunal de Contas, num curto período de tempo, uma coisa e o seu contrário para justificar os contratos que submete. Começa por dizer em resposta ao Tribunal no âmbito do processo de fiscalização prévia do contrato de aquisição dos navios (um deles com bateria e outros sem ela) que a exclusão das restantes baterias se justifica por razões gestionárias e que seria, depois, lançado um concurso para as adquirir. O que, presume-se, serviria melhor o interesse público financeiro. Agora vem dizer que só pode comprar as restantes baterias àquele fornecedor, porque a solução adotada é original, desenvolvida só para aqueles navios.

28. No primeiro caso, está a faltar à verdade. Com efeito, quando submeteu o contrato de aquisição dos navios (rectius, parte deles, porque estavam incompletos) a fiscalização prévia sustentou a sua posição gestionária com a abertura subsequente de um concurso público para a aquisição das (restantes) baterias, sendo assim respeitados os princípios estruturantes da contratação pública da igualdade e concorrência, que, de outra forma seriam violados, com alteração potencial do resultado financeiro do contrato - fundamento de recusa de visto [art. 44.º, n.º 1, al. c) LOPTC].

29. Contudo, vem agora dizer que por força da solução técnica decorrente desse contrato ser original, não pode recorrer à abertura de um concurso público para a aquisição das (restantes) baterias. Logo, se essa solução é original - como alega agora -, e ela decorre do contrato, é óbvio que sabia de tal facto quando submeteu esse mesmo contrato a fiscalização prévia.

30. Por isso, sempre seguindo a sua alegação, tinha perfeito conhecimento de que estava a faltar à verdade ao tribunal quando disse que iria recorrer a um “Concurso autónomo para o fornecimento das baterias”, induzindo-o em erro. Concurso impossibilitado pela solução do próprio contrato que submetia a fiscalização.

31. Mais: os pressupostos em que o tribunal tomou a decisão de concessão de visto foram incorretos, porque a entidade faltou à verdade. Sendo que se tivessem sido prestadas ao tribunal as informações corretas - como deveria ter sido feito - a decisão do tribunal poderia ter sido -, à luz do que se acabou de expor e da própria jurisprudência do tribunal nesta matéria - a de recusa do visto[3].

[…]

61. Em síntese: o comportamento da Transtejo, com a prática de um conjunto sucessivo decisões que são não apenas economicamente irracionais, mas também (como se viu) ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social. Que lhe é direta, e exclusivamente, imputável.

62. O quadro geral que resulta de toda a análise efetuada, nomeadamente das decisões tomadas no âmbito dos dois contratos submetidos a fiscalização, é suscetível de gerar fundadas suspeitas quanto à eventual existência de responsabilidade que possa ir para além dos fundamentos de recusa deste visto, pelo que se ordenará a remessa de certidão do presente acórdão ao Ministério Público, a quem caberá aferir da necessidade de instauração de procedimento tendente ao completo apuramento de tais responsabilidades[4]

Os factos registados pelo Tribunal de Contas configuram potencialmente, não só violações das regras de contratação pública, mas crimes graves de fraude, favorecimento ou corrupção lesivos dos interesses financeiros da União Europeia, dado estarmos perante contratos com uma componente muito relevante de financiamento da UE, através do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR).

Justifica-se, nomeadamente, investigar os actos da Administração da Transtejo em todo este processo, mas também as responsabilidades da tutela governamental, exercida pelo Ministério do Ambiente e Acção Climática, na estruturação e aprovação do negócio. Afigura-se também útil escrutinar as circunstâncias em que foi preparada e decidida a deliberação da Comissão Diretiva do POSEUR de 30 de Outubro de 2020, citada no mesmo acórdão, que permitiu, já depois de ter sido lançado o processo de aquisição dos navios, co-financiar a aquisição das baterias em procedimento autónomo, também com recurso a fundos europeus. É importante, especificamente, verificar o papel que a tutela política possa ter tido nessa deliberação, e se foi respeitada a esfera de autonomia de decisão dos responsáveis pelo Programa Operacional.

Por estas razões, e por se tratar de matéria que se integra no âmbito de actuação da Procuradoria Europeia, entendemos que a apresentação desta queixa é um dever da Frente Cívica, associação legalmente constituída em Portugal com o número de pessoa colectiva 514143053, e com o fim estatutário de “identificar os problemas crónicos da sociedade portuguesa, denunciar os seus responsáveis, construir soluções e lutar pela sua implementação”[5]. Nestes termos, apresentamos a presente denúncia, sem prejuízo das diligências que venham a ser tomadas pelo Ministério Público português, ao qual o Tribunal de Contas remeteu certidão para eventual investigação judicial.

Somos, com os nossos cumprimentos

Pela Frente Cívica,

 

 Paulo de Morais, Presidente

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 



[1] Disponível no website do Tribunal de Contas, em https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/acordaos/1sss/Documents/2023/ac007-2023-1sss.pdf e remetido em anexo a esta denúncia.

[2] Acórdão nº 7/2023 do Tribunal de Contas, p. 35

[3] Acórdão nº 7/2023 do Tribunal de Contas, p. 37, 38

[4] Acórdão nº 7/2023 do Tribunal de Contas, p. 45

[5] Artº. 2º dos Estatutos da Frente Cívica, consultáveis em https://frentecivica.com/?page_id=367