quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Frente Cívica desafia António Costa a criar conselho de ética na vida pública

 


A Frente Cívica escreveu esta quarta-feira ao primeiro-ministro, António Costa, propondo a criação de um conselho independente de ética na vida pública, capaz de fazer o escrutínio da integridade política dos membros do Governo e altos dirigentes da Administração Pública. A associação disponibilizou-se para mobilizar personalidades e organizações da sociedade civil para dinamizar este organismo, que teria poderes de aconselhamento ao Governo.

A proposta surge na sequência da remodelação governamental provocada pelas demissões do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, provocados por mais um caso na TAP. Na carta, a associação recorda que há poucos meses, um outro caso envolvendo o secretário de Estado Miguel Alves tinha afectado a imagem do Governo. 

"Ambos os casos mostram a completa incapacidade de o Governo escrutinar eventuais problemas de integridade e idoneidade dos responsáveis políticos, antes de entrarem nos cargos. Mesmo antes destes escândalos, já a imagem do Executivo estava ensombrada por suspeições de conflitos de interesses – reais, potenciais ou aparentes – que afectaram ministros como Ana Abrunhosa, o próprio Pedro Nuno Santos e outros", lê-se na missiva. "Estes sucessivos escândalos afectam a credibilidade da democracia e comprometem a confiança dos cidadãos nas Instituições. Entendemos que há que pôr cobro, urgentemente, a este tipo de situações".

Por essa razão, e notando que o escrutínio hoje feito à conduta dos responsáveis políticos já é exercido pela comunicação social e pela sociedade civil, a Frente Cívica disponibiliza-se para ajudar a instalar um organismo que faça, entre outras funções, o trabalho que competiria à adiada Entidade da Transparência. "A Entidade da Transparência nunca funcionou, até hoje, por falta de vontade da classe política que a legislou e do Tribunal Constitucional que a deveria instalar. Ao evitar o funcionamento do organismo, o Estado evidencia que não quer, de facto, este controlo".

O conselho de ética na vida pública proposto pela Frente Cívica seguiria um modelo semelhante ao da Comissão de Padrões na Vida Pública existente no Reino Unido, composto por figuras independentes e com poderes de avaliação da conduta ética dos políticos, antes, durante e depois do exercício dos cargos políticos. "Este Conselho colmataria as omissões das instituições já existentes para, de forma sistemática, vincular os que desempenham funções públicas a padrões éticos exigentes e materializar a prometida, mas não cumprida, transparência do património e rendimentos dos políticos, de forma a assegurar a total independência das decisões dos servidores públicos".

Transcreve-se abaixo a carta enviada ao primeiro-ministro.


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

 

 

 

Assunto: Criação de conselho independente de ética na vida pública

Data: 4 de Janeiro de 2023

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

A demissão do ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, na sequência do escândalo provocado pela indemnização milionária paga pela TAP a Alexandra Reis, não foi, infelizmente para os portugueses, um caso isolado. Alexandra Reis teve, ela própria, de abandonar a sua função de secretária de Estado do Tesouro, escassas três semanas depois de ter tomado posse do cargo.

Pouco tempo antes, já o braço direito de V. Exa., o secretário de Estado Adjunto Miguel Alves, fora obrigado a demitir-se, também escassos meses depois de empossado, na sequência do pagamento antecipado dum estranho “centro de exposições transfronteiriço” em Caminha que nunca se concretizará, mas que já está parcialmente pago.

Ambos os casos mostram a completa incapacidade de o Governo escrutinar eventuais problemas de integridade e idoneidade dos responsáveis políticos, antes de entrarem nos cargos. Mesmo antes destes escândalos, já a imagem do Executivo estava ensombrada por suspeições de conflitos de interesses – reais, potenciais ou aparentes – que afectaram ministros como Ana Abrunhosa, o próprio Pedro Nuno Santos e outros.

Estes sucessivos escândalos afectam a credibilidade da democracia e comprometem a confiança dos cidadãos nas Instituições. Entendemos que há que pôr cobro, urgentemente, a este tipo de situações.

Há que aumentar o nível de exigência no recrutamento de governantes e gestores públicos. É necessário aumentar os padrões éticos nos nomeados e impor a quem os nomeia, em particular ao Primeiro-Ministro, maior exigência ética, maior escrutínio e um crivo mais apertado na escolha dos responsáveis pela “coisa pública” em Portugal.

Os casos atrás referidos apenas têm sido detectados porque tem havido por parte da comunicação social e da sociedade civil uma atitude vigilante. Só esta vigilância tem permitido denunciar estes sucessivos escândalos e fazer uma análise independente das suas perversas consequências. Contrariamente ao que sucede noutros países europeus, não existe qualquer escrutínio sobre as referências éticas de políticos e gestores públicos, nem tão-pouco um controlo eficaz sobre os seus rendimentos, ou avaliação de funções anteriores, nomeadamente que tenham implicado decisões com elevada relevância patrimonial.

Este controlo não existe, apesar de ter sido legislada em 2019 uma “Entidade da Transparência”, a quem competiria a missão de, em nome do povo português, controlar os rendimentos e património dos políticos e as suas alterações ao longo dos anos. A Entidade da Transparência nunca funcionou, até hoje, por falta de vontade da classe política que a legislou e do Tribunal Constitucional que a deveria instalar. Ao evitar o funcionamento do organismo, o Estado evidencia que não quer, de facto, este controlo. E mesmo que a Entidade da Transparência venha a sair do papel, continuará a haver sérios problemas de coordenação e cruzamento de dados entre os diversos organismos com poderes na fiscalização da integridade pública em Portugal.

Para colmatar estas várias falhas institucionais, para romper com esta persistente falta de vontade política, para, em suma, garantir que estes escândalos cessem de vez, e sobretudo cessem as causas que os provocam, impõe-se agora uma intervenção da sociedade civil, que assuma a defesa da ética pública que as instituições políticas têm enjeitado. Só assim se evitarão novos escândalos.

Vimos, portanto, propor que o Governo crie um Conselho independente de Ética na Vida Pública, liderado pela sociedade civil, que reúna e organize a informação sobre o património, rendimentos, conflitos de interesses e referências éticas dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que actualmente se encontra dispersa por diferentes entidades de controlo (ou é absolutamente omissa).

Esta entidade, composta por elementos da sociedade civil, independentes e não remunerados, aconselharia o Governo sobre a conduta, integridade e idoneidade dos agentes públicos, antes, durante e depois do desempenho de funções, à semelhança do que é feito pela Comissão de Padrões na Vida Pública britânica (Committee on Standards in Public Life[1]) composta maioritariamente por membros independentes seleccionados por concurso público. A criação de tal organismo de aconselhamento do Governo depende apenas da vontade do Primeiro-Ministro, dispensando demorados processos legislativos.

A Frente Cívica prontifica-se a, em conjunto com outras forças da sociedade civil, ajudar a constituir um Conselho verdadeiramente independente, integrado por entidades e personalidades acima de qualquer suspeita. Este Conselho colmataria as omissões das instituições já existentes para, de forma sistemática, vincular os que desempenham funções públicas a padrões éticos exigentes e materializar a prometida, mas não cumprida, transparência do património e rendimentos dos políticos, de forma a assegurar a total independência das decisões dos servidores públicos. Pensamos que poderá ser este o nosso contributo para aumentar a qualidade ética da governação, assim V. Exa. o queira aceitar.

Com os nossos melhores cumprimentos,

 

Pela Frente Cívica,

 

 

  

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 


 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente