segunda-feira, 3 de abril de 2023

Frente Cívica pede intervenção do Presidente da República nos atrasos do processo BES

 

© Presidência da República

A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 3 de Abril, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo-lhe que intervenha para resolver os atrasos sucessivos do processo BES que, apesar de ter acusação proferida há dois anos e nove meses, ainda não chegou sequer a julgamento. "Chegou o momento em que se impõe uma intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade", lê-se na carta, que nota que a amizade pessoal entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado pode ser um factor de suspeição junto da opinião pública, o que mais justifica a intervenção do Presidente no sentido de exigir que se faça justiça.

Listando os sucessivos adiamentos que a fase de instrução do processo vem registando desde Janeiro de 2022 e recordando o risco de prescrição de vários dos crimes contidos na acusação, a Frente Cívica pede ao Presidente da República que intervenha "no sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o funcionamento da Justiça".

Note-se que as próprias determinações do Conselho Superior da Magistratura para garantir uma conclusão célere da instrução, determinando datas específicas para o final desta fase processual, já foram violadas por duas vezes pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter já alertado para o risco de prescrição de vários crimes.

É face à reiterada inacção dos tribunais que a Frente Cívica pede ao Presidente que tome uma posição. "Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma premeditada, para a impunidade", acrescenta a associação.

Anexa-se a carta enviada nesta data pela Frente Cívica:


Sua Excelência

Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa

 

 

Assunto: Processo Banco Espírito Santo

Data: 3 de Abril de 2023

Excelência,

O caso BES/GES, cujo principal acusado é Ricardo Salgado, arrasta-se na Justiça há demasiados anos – e não chegou ainda sequer a julgamento. Nos últimos meses, os incidentes e manobras dilatórias ultrapassaram o limite do absurdo. Chegou o momento em que se impõe uma intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade. Esta intervenção é ainda mais pertinente tratando-se de um acusado que tem com V. Exa. uma relação de amizade próxima e de longa data.

O colapso do BES aconteceu há cerca de nove anos, em 2014. A acusação criminal no inquérito então desencadeado demorou largos anos, mas foi finalmente proferida a 14 de Julho de 2020, tendo como resposta de Salgado um pedido de abertura de instrução, direito que lhe assiste. Mas o que não é de todo admissível é que tenhamos chegado aos primeiros dias de Abril de 2023 sem que até hoje tenha havido uma decisão instrutória – na verdade, sem que o próprio Ricardo Salgado tenha sequer prestado declarações.

A instrução do processo, sorteada no dia 28 de Outubro de 2021 ao juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi inicialmente anunciada para final de Janeiro de 2022, mas acabou marcada apenas para 21 de Fevereiro, alegando o juiz não ter capacidade de manter a data prevista, por não estar em exclusividade neste processo. Em Fevereiro, no entanto, o processo foi de novo adiado, para 29 de Março, por motivo de doença do juiz titular; e de novo para final de Abril, pela mesma razão.

Entretanto, novo sobressalto processual voltou a atrasar o processo, com a saída do juiz Ivo Rosa do Tribunal Central de Instrução Criminal e a sua substituição pelo juiz Pedro Correia que, ainda assim, anunciou manter as datas previstas para o avanço da instrução, de 26 a 30 de Setembro de 2021. No entanto, em cima da data dessas diligências, o mesmo juiz adiou mais uma vez o andamento do processo, cedendo a incidentes processuais suscitados pela defesa, que contestava a sua competência para assumir o processo. Em Novembro, os trabalhos foram de novo adiados, para 27 de Janeiro de 2023, pretextando a falta de sala. Em Janeiro deste ano, a conclusão da instrução foi mais uma vez adiada, para Março e, de seguida, agora para Abril.

Estes sucessivos adiamentos, que listamos aqui de forma não exaustiva, violaram a deliberação de Junho de 2022 do Conselho Superior da Magistratura, que determinava que a fase de inquérito deste caso se completasse até Fevereiro de 2023. Face à violação desse prazo, assumiu o Conselho Superior os mesmos vícios dos tribunais que supervisiona, resignando-se à violação da sua decisão e deliberando novo prazo, até ao fim de Março de 2023 – prazo esse que, como se vê, foi também violado. Tudo isto espelha uma total indiferença ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que, ao consagrar este processo como urgente, alertou para o risco real de prescrição de vários crimes.

Se a instrução do caso BES se completar de facto em Abril de 2023, como anunciado, o país terá perdido dois anos e nove meses numa fase processual que devia ser célere e expedita, apenas para verificar os fundamentos da acusação, mas que se transformou numa via sacra de adiamentos e incidentes processuais que subjugaram o Tribunal de Instrução às manobras dilatórias da defesa, numa capitulação inaceitável num Estado de Direito.

No seu conjunto, a condução deste processo espelha um total desprezo pelos princípios de funcionamento dos Tribunais e um olímpico desdém face à opinião pública, que não tem hoje como confiar no regular funcionamento da Justiça.

Impõe-se por isso uma intervenção de V. Exa., no sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o funcionamento da Justiça. Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma premeditada, para a impunidade.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

  

Paulo de Morais, Presidente

 


João Paulo Batalha, Vice-Presidente