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A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 3 de Abril, ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo-lhe que intervenha para resolver os atrasos sucessivos do processo BES que, apesar de ter acusação proferida há dois anos e nove meses, ainda não chegou sequer a julgamento. "Chegou o momento em que se impõe uma intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade", lê-se na carta, que nota que a amizade pessoal entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado pode ser um factor de suspeição junto da opinião pública, o que mais justifica a intervenção do Presidente no sentido de exigir que se faça justiça.
Listando os sucessivos adiamentos que a fase de instrução do processo vem registando desde Janeiro de 2022 e recordando o risco de prescrição de vários dos crimes contidos na acusação, a Frente Cívica pede ao Presidente da República que intervenha "no sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o funcionamento da Justiça".
Note-se que as próprias determinações do Conselho Superior da Magistratura para garantir uma conclusão célere da instrução, determinando datas específicas para o final desta fase processual, já foram violadas por duas vezes pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter já alertado para o risco de prescrição de vários crimes.
É face à reiterada inacção dos tribunais que a Frente Cívica pede ao Presidente que tome uma posição. "Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma premeditada, para a impunidade", acrescenta a associação.
Anexa-se a carta enviada nesta data pela Frente Cívica:
Sua Excelência
Presidente da
República
Marcelo Rebelo de
Sousa
Assunto: Processo Banco Espírito
Santo
Data: 3 de Abril de 2023
Excelência,
O caso BES/GES, cujo principal acusado é Ricardo
Salgado, arrasta-se na Justiça há demasiados anos – e não chegou ainda sequer a
julgamento. Nos últimos meses, os incidentes e manobras dilatórias
ultrapassaram o limite do absurdo. Chegou o momento em que se impõe uma
intervenção de Vossa Excelência, sob pena de se instalar na opinião pública a
ideia de que o Presidente da República é conivente ou até cúmplice com estas
artimanhas que ameaçam protelar o processo até à impunidade. Esta intervenção é
ainda mais pertinente tratando-se de um acusado que tem com V. Exa. uma relação
de amizade próxima e de longa data.
O colapso do BES aconteceu há cerca de nove anos,
em 2014. A acusação criminal no inquérito então desencadeado demorou largos
anos, mas foi finalmente proferida a 14 de Julho de 2020, tendo como resposta
de Salgado um pedido de abertura de instrução, direito que lhe assiste. Mas o
que não é de todo admissível é que tenhamos chegado aos primeiros dias de Abril
de 2023 sem que até hoje tenha havido uma decisão instrutória – na verdade, sem
que o próprio Ricardo Salgado tenha sequer prestado declarações.
A instrução do processo, sorteada no dia 28 de
Outubro de 2021 ao juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal,
foi inicialmente anunciada para final de Janeiro de 2022, mas acabou marcada
apenas para 21 de Fevereiro, alegando o juiz não ter capacidade de manter a
data prevista, por não estar em exclusividade neste processo. Em Fevereiro, no
entanto, o processo foi de novo adiado, para 29 de Março, por motivo de doença
do juiz titular; e de novo para final de Abril, pela mesma razão.
Entretanto, novo sobressalto processual voltou a
atrasar o processo, com a saída do juiz Ivo Rosa do Tribunal Central de
Instrução Criminal e a sua substituição pelo juiz Pedro Correia que, ainda
assim, anunciou manter as datas previstas para o avanço da instrução, de 26 a
30 de Setembro de 2021. No entanto, em cima da data dessas diligências, o mesmo
juiz adiou mais uma vez o andamento do processo, cedendo a incidentes
processuais suscitados pela defesa, que contestava a sua competência para
assumir o processo. Em Novembro, os trabalhos foram de novo adiados, para 27 de
Janeiro de 2023, pretextando a falta de sala. Em Janeiro deste ano, a conclusão
da instrução foi mais uma vez adiada, para Março e, de seguida, agora para
Abril.
Estes sucessivos adiamentos, que listamos aqui de
forma não exaustiva, violaram a deliberação de Junho de 2022 do Conselho
Superior da Magistratura, que determinava que a fase de inquérito deste caso se
completasse até Fevereiro de 2023. Face à violação desse prazo, assumiu o
Conselho Superior os mesmos vícios dos tribunais que supervisiona,
resignando-se à violação da sua decisão e deliberando novo prazo, até ao fim de
Março de 2023 – prazo esse que, como se vê, foi também violado. Tudo isto
espelha uma total indiferença ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que,
ao consagrar este processo como urgente, alertou para o risco real de
prescrição de vários crimes.
Se a instrução do caso BES se completar de facto em
Abril de 2023, como anunciado, o país terá perdido dois anos e nove meses numa
fase processual que devia ser célere e expedita, apenas para verificar os
fundamentos da acusação, mas que se transformou numa via sacra de adiamentos e
incidentes processuais que subjugaram o Tribunal de Instrução às manobras
dilatórias da defesa, numa capitulação inaceitável num Estado de Direito.
No seu conjunto, a condução deste processo espelha
um total desprezo pelos princípios de funcionamento dos Tribunais e um olímpico
desdém face à opinião pública, que não tem hoje como confiar no regular
funcionamento da Justiça.
Impõe-se por isso uma intervenção de V. Exa., no
sentido de explicar aos portugueses as razões para a disfuncionalidade judicial
particularmente acentuada neste caso concreto (suscitando para isso, se
necessário, os esclarecimentos que entender junto das autoridades
responsáveis), e a resolução dos sucessivos impasses que bloqueiam o
funcionamento da Justiça. Rogamos-lhe essa intervenção ao abrigo das
responsabilidades que lhe incumbem de garantir “o regular funcionamento das
instituições democráticas” estatuído no Art.º 120º da Constituição, mas também
atendendo à circunstância especial de ter uma relação de amizade próxima com o
principal arguido, relação que não pode ser fundamento (nem percepcionada como
sendo fundamento) para ser mantido um silêncio acrítico, senão cúmplice, com o
arrastar doloroso de um processo disfuncional que parece dirigir-se, de forma
premeditada, para a impunidade.
Com os melhores cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente |
João Paulo Batalha, Vice-Presidente |