quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Frente Cívica pede a primeiro-ministro que revogue lei dos solos

 


Frente Cívica pede a primeiro-ministro que revogue lei dos solos

Lei está “directamente associada a suspeitas de aproveitamento pessoal”

 

A Frente Cívica escreveu esta quarta-feira ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, apelando à revogação do Decreto-Lei que alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, a chamada Lei dos Solos. Na sequência da demissão do secretário de Estado do Ordenamento do Território, a associação nota que esta lei e as políticas em que Hernâni Dias se envolveu «estão manchadas pela mesma suspeição que tornou a sua continuidade no Governo impossível». «Este diploma, além do potencial de corrupção que comporta, está agora directamente associado a suspeitas concretas de aproveitamento pessoal de um dos seus principais autores, já visado noutras investigações judiciais, o ex-Secretário de Estado Hernâni Dias”, nota a Frente Cívica.

Além disso, a associação critica a entrada em vigor do Decreto-Lei, numa altura em que foi já iniciada a sua revisão, apontando a incerteza jurídica que este processo provoca. «Isto coloca o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial numa “terra de ninguém”, em que começa a produzir efeitos num contexto em que já se anuncia a sua revisão e a reversão de algumas das suas normas. O potencial para a confusão jurídica, a litigância e a invocação de “direitos adquiridos” em negócios urbanísticos – através de diferendos que se poderão arrastar por anos ou décadas – é praticamente inesgotável», alerta a associação.

A Frente Cívica reitera que o novo regime comporta enormes riscos de corrupção e desencadeará «uma autêntica corrida a terrenos rústicos pelos promotores imobiliários próximos do poder autárquico, com enormes impactos inflacionários e ambientais. Os “patos-bravos” do imobiliário conseguirão comprar solos rústicos a preço de saldo, transformá-los em terreno urbano e, com essa mera operação administrativa, embolsar mais-valias milionárias, de 600% ou mais. Margens desta dimensão só se obtêm no grande tráfico de droga e, agora, no urbanismo».

Junta-se, para conhecimento, a carta enviada ao primeiro-ministro.



Exmo. Senhor Primeiro-Ministro

Doutor Luís Montenegro

 

 

Data: 29 de Janeiro de 2025

ASSUNTO: Revogação do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de Dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial

 

Excelência,

O Decreto-Lei n.º 117/2024, que hoje entrou em vigor, vem facilitar a reclassificação de solo rústico para solo urbano, mediante um novo mecanismo de alteração simplificada dos Planos Directores Municipais.

Esta legislação incentiva alterações abruptas e casuísticas aos Planos Directores Municipais, a pedido dos proprietários e em negociação directa com os municípios, gerando amplas oportunidades para conluios corruptivos que destroem a coerência, previsibilidade e segurança jurídica do ordenamento territorial. Este dano é amplificado pela circunstância – inusitada e cremos que inédita – de o Governo ter anunciado a revisão do Decreto-Lei ainda antes de o mesmo entrar em vigor! Isto coloca o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial numa “terra de ninguém”, em que começa a produzir efeitos num contexto em que já se anuncia a sua revisão e a reversão de algumas das suas normas. O potencial para a confusão jurídica, a litigância e a invocação de “direitos adquiridos” em negócios urbanísticos – através de diferendos que se poderão arrastar por anos ou décadas – é praticamente inesgotável.

Sejam quais forem as alterações que se venham a consagrar, o cerne do Decreto-Lei manter-se-á. A transformação expedita, a pedido, de solo rural em urbano irá gerar uma autêntica corrida a terrenos rústicos pelos promotores imobiliários próximos do poder autárquico, com enormes impactos inflacionários e ambientais. Os “patos-bravos” do imobiliário conseguirão comprar solos rústicos a preço de saldo, transformá-los em terreno urbano e, com essa mera operação administrativa, embolsar mais-valias milionárias, de 600% ou mais. Margens desta dimensão só se obtêm no grande tráfico de droga e, agora, no urbanismo.

O novo regime terá como primeiro efeito a subida vertiginosa do preço dos terrenos, encarecendo a habitação que neles se vier a construir. E terá como segundo efeito a corrupção, frequentemente associada ao financiamento político e de campanhas eleitorais. Isto, num país em que, segundo os dados da Direcção-Geral do Território, mais de 50% do solo já hoje classificado como urbano está desaproveitado, incluindo nas áreas de maior pressão, como a Área Metropolitana de Lisboa – o que deita por terra a tese de que a crise de habitação se deve à falta de terrenos urbanos. Por tudo isto, o Decreto-Lei 117/2024 é, em nosso entender, uma ignóbil trafulhice.

Acresce que, soubemo-lo agora, esta legislação foi concebida no seio do Ministério da Coesão Territorial, com a forte participação do ex-Secretário de Estado Hernâni Dias, agora afastado do Governo pela revelação de um evidente conflito de interesses associado a inegáveis riscos de corrupção.

Neste contexto, e em nosso entender, todas as políticas públicas que tiveram a participação deste governante estão manchadas pela mesma suspeição que tornou a sua continuidade no Governo impossível. Devem por isso ser alvo de um forte crivo de revisão. Em particular, o Decreto-Lei 117/2024 deve ser revogado. Este diploma, além do potencial de corrupção que comporta, está agora directamente associado a suspeitas concretas de aproveitamento pessoal de um dos seus principais autores, já visado noutras investigações judiciais, o ex-Secretário de Estado Hernâni Dias.

Excelência,

No seu discurso de tomada de posse como Primeiro-Ministro de Portugal, há menos de um ano, assumiu o compromisso: «Promoveremos uma governação séria, transparente e que combate a corrupção, com instituições credíveis e uma sociedade civil forte, tolerante e solidária». Esse compromisso, acompanhado do anúncio do combate à corrupção como prioridade política, tem agora o seu teste decisivo.

Assim, para segurança jurídica dos instrumentos de planeamento, para garantia e confiança dos cidadãos e até para salvaguarada da credibilidade do Governo, entendemos que só a revogação do Decreto-Lei 117/2024 reporá a legalidade democrática e a credibilidade do seu Executivo.

Assim, vimos pedir-lhe, Senhor Primeiro-Ministro, revogue esta ignóbil trafulhice.

Somos, com os nossos cumprimentos

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente

 


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Lei dos Solos: Frente Cívica apela à revogação da “ignóbil trafulhice”

 

Felix König, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

A associação Frente Cívica escreveu esta quarta-feira aos partidos representados na Assembleia da República, apelando à revogação do Decreto-Lei do Governo que pretende facilitar a transformação de solo rústico em solo urbanizável, alertando que a medida “leva a práticas corruptivas”. O Parlamento discute na próxima sexta-feira o Decreto-Lei, que tem sido universalmente contestado por peritos e organizações da sociedade civil.

Na carta enviada aos deputados, a Frente Cívica aponta que “Os amplos poderes de alteração do uso de solos previstos no Decreto-Lei […] constituem previsível – aliás, inevitável – lastro de corrupção”, ao estimularem a promiscuidade entre autarcas, partidos políticos e especuladores imobiliários. Este mecanismo terá como efeito imediato o brutal encarecimento dos solos, tornando ainda mais difícil a resolução do problema da habitação em Portugal.

“Estas operações urbanísticas valorizarão os solos em seis ou sete vezes. Margens desta dimensão (600% ou mais) só se obtêm no tráfico de droga de alto nível e, agora, no urbanismo”, alerta a Frente Cívica. “E assim, em ano de eleições autárquicas, os “patos-bravos” do imobiliário ganharão certamente milhões em manobras de valorização administrativa de terrenos, antes até de construírem uma única casa nos solos reclassificados. Inevitavelmente, uma pequena parte dos seus lucros irá financiar os seus cúmplices, os autarcas e os partidos que se candidatam nas eleições deste ano.”

Por tudo isto, a Frente Cívica sublinha que o Decreto-Lei é “inaceitável e irreformável”, pelo que “Deve ser pura e simplesmente revogado”.

“O Decreto-Lei 117/2024 é uma ignóbil trafulhice. Apelamos à Assembleia da República que nos livre dela, em vez de consagrar para a História este crime legislado”, lê-se na carta.

Inclui-se, para conhecimento, a carta enviada a todos os partidos da Assembleia da República.



Exmas. Sras. e Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares
e Deputada Única Representante de Partido,

 

 

 

Data: 22 de Janeiro de 2025

ASSUNTO: Apreciação Parlamentar n.º 6 /XVI/1.ª, do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de Dezembro, que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial

 

Exmas. Sras.,

Exmos. Srs.,

Através do Decreto-Lei n.º 117/2024, pretendeu o Governo autorizar a reclassificação de terrenos não edificáveis para solo urbano, mediante um novo mecanismo de alteração simplificada dos Planos Directores Municipais, a pretexto da crise de habitação que se vive em Portugal, sentida com especial gravidade nas principais zonas urbanas do País.

Se vier a entrar em vigor, esta legislação virá provocar alterações abruptas nos Planos Directores Municipais e violar a coerência, previsibilidade e segurança jurídica do ordenamento territorial, fazendo perigar um dos princípios basilares da democracia local. Os amplos poderes de alteração do uso de solos previstos no Decreto-Lei são ilegítimos, porque lesam gravemente o ordenamento do território. Para além disso, constituem previsível – aliás, inevitável – lastro de corrupção.

A permitir-se este mecanismo, e as enormes margens de discricionariedade de decisão que consagra, iremos nos próximos tempos assistir a uma corrida a terrenos rústicos por parte dos promotores imobiliários próximos do poder autárquico. Estes irão adquirir solos rústicos a preço de saldo. De seguida, irão transformá-los em solo urbano para construírem o que bem entenderem. Estas operações urbanísticas valorizarão os solos em seis ou sete vezes. Margens desta dimensão (600% ou mais) só se obtêm no tráfico de droga de alto nível e, agora, no urbanismo. E assim, em ano de eleições autárquicas, os “patos-bravos” do imobiliário ganharão certamente milhões em manobras de valorização administrativa de terrenos, antes até de construírem uma única casa nos solos reclassificados. Inevitavelmente, uma pequena parte dos seus lucros irá financiar os seus cúmplices, os autarcas e os partidos que se candidatam nas eleições deste ano.

Esta legislação, se efectivamente entrar em vigor, irá ainda permitir que algumas operações urbanísticas ilegais, eventualmente autorizadas nos últimos anos, sejam agora legalizadas, ao abrigo do princípio de aplicação da legislação mais favorável. Desta forma, o Decreto-Lei 117/2024 não só incentivará novos assaltos ao território, mas funcionará também como amnistia de crimes já perpetrados.

Os terrenos que irão beneficiar destas valorizações serão, em 30%, segundo o Decreto-Lei, comercializados livremente, ou seja, ao valor de mercado. Os restantes 70% terão de ser utilizados para habitação pública ou, alternativamente, em habitação de valor moderado. Mas esta habitação a valor moderado pode atingir valores até 125% da mediana de preço de venda para o concelho de localização, ou seja, pode ser superior ao próprio valor de mercado.

Legislação que designa como moderado um valor superior ao valor de mercado é, só por isso, enganadora. Legislação que permite ganhos milionários aos especuladores do urbanismo e aos autarcas que aceitam ser seus cúmplices leva a práticas corruptivas. O diploma que é agora levado à apreciação da Assembleia da República é por tudo isto inaceitável e irreformável. Não deve ser “melhorado” com alterações cosméticas que se limitariam a dar nova roupagem ao mesmo assalto aos bens públicos e ao território nacional. Deve ser pura e simplesmente revogado.

O Decreto-Lei 117/2024 é uma ignóbil trafulhice. Apelamos à Assembleia da República que nos livre dela, em vez de consagrar para a História este crime legislado.

Somos, com os nossos cumprimentos

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente