A Frente Cívica entregou esta semana aos líderes do PS e do PSD três medidas imediatas de combate à corrupção, para as quais espera o compromisso e a acção do próximo primeiro-ministro. A iniciativa da associação, a propósito das eleições legislativas marcadas para 10 de Março próximo, visa vincular o próximo Governo à defesa do interesse público e à "ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos públicos relevantes para benefício de interesses particulares", lê-se nas cartas dirigidas a Pedro Nuno Santos e a Luís Montenegro.
As medidas reclamadas pela Frente Cívica são:
1- a limitação da rubrica de "despesas extraordinárias" no Orçamento do Estado, que há anos canaliza perto de 10% da despesa pública para fins opacos ou mecanismos de corrupção pagos pelo contribuinte;
2- a extinção das Parcerias Público-Privadas rodoviárias, remuneradas a cerca do triplo do seu valor real; e
3- a cobrança imediata do IMI das grandes concessões públicas, como barragens e aeroportos.
Todas estas medidas, que sinalizariam rupturas com negócios ruinosos que há anos capturaram o Orçamento do Estado, estão ao alcance do poder executivo e podem ser tomadas de imediato, sem necessidade de legislação específica que dependa de maiorias parlamentares ou da aprovação do Presidente da República. Por essa razão, a Frente Cívica enviou-as aos líderes dos dois principais partidos, um dos quais será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal.
Anexam-se as cartas, com o detalhe das medidas propostas e a sua fundamentação.
Exmo. Sr. Dr. Luís
Montenegro,
Presidente do
Partido Social Democrata
Assunto: Eleições legislativas de 2024
Data: 30 de Janeiro de 2024
Exmo. Sr. Presidente do Partido Social
Democrata,
As eleições
legislativas do próximo dia 10 de Março decorrem num clima de crise política,
provocada pela queda do Governo, por danos reputacionais associados a suspeitas
de práticas corruptivas. Como mostram os estudos de opinião, os portugueses
vivem hoje uma crise de confiança nas instituições democráticas, espelhada na
insatisfação com a qualidade da democracia e o aumento das percepções de
corrupção.
Impõe-se que o
próximo Governo, independentemente das legítimas opções políticas e ideológicas
que adoptar, sinalize de imediato o seu compromisso com a defesa do interesse
público e a ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos
públicos relevantes para benefício de interesses particulares.
É neste espírito
que a Frente Cívica interpela publicamente os líderes do PS e PSD, um dos quais
será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal, para que
se comprometam publicamente com três simples medidas imediatas:
1-
Limitar a 2% as despesas excepcionais do Orçamento do
Estado
Na elaboração dos
futuros orçamentos (já no de 2025), o Governo deve reduzir drasticamente, quase
eliminar, a rubrica de despesas excepcionais.
Nos últimos anos,
cerca de dez por cento da despesa prevista nos orçamentos de Estado é
classificada como despesa excepcional. No OE de 2024 são 11 mil milhões, numa
despesa total orçada em 123 mil milhões. Os OE relativos aos últimos dois anos
(2022 e 2023) previam cerca de 12,4 mil milhões/ano. E assim tem sido de há
vários anos a esta parte.
Não é aceitável
que cerca de dez por cento da despesa seja “excepcional”, todos os anos. Esta
rubrica deveria representar, no máximo, dois por cento da despesa pública. Até
porque estas despesas excepcionais são perniciosas. Esta rubrica tem sido
maioritariamente destinada a “empréstimos a m/l prazo” canalizados para
empresas como a Parvalorem – “bad bank” onde se acumulam os activos tóxicos
resultantes de corrupção no BPN, no Banif e de outras fraudes financeiras – que
é hoje o maior devedor ao Estado português. Estes empréstimos representam, em
cada ano, cerca de cinco mil milhões de euros.
O segundo valor
mais significativo das despesas excepcionais é constituído pela aquisição de
acções e outras participações em empresas nunca devidamente identificadas. As
despesas excepcionais são inescrutináveis, muito dispendiosas e sem utilidade
social visível. Devem acabar ou reduzir-se a valores da ordem dos dois por
cento e jamais 10%.
2-
Extinguir as Parcerias Público-Privadas rodoviárias
As Parcerias Público-Privadas
(PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos 1990 e durante a
primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve ser extinto.
Este é um problema
crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso
orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da
Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia
da República, que recomendou a sua negociação ou extinção. No entanto, mesmo
depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS e a
partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a
representar uma sangria de recursos públicos.
Com efeito, o
Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP
rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das
concessões, em 2040. Este valor astronómico contrasta com o valor total dos
activos em PPP da responsabilidade do Governo Central calculado em 2021 pelo
Eurostat, o órgão estatístico da União Europeia, de apenas 4 mil milhões de
euros – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da
Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são
uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões previstos no OE
de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento
dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do
crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos relatórios dos
Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos
concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos
activos em causa.
Estas rendas
constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a
autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no
desenvolvimento económico e social do país. O próximo Governo deve por isso
extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no
valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve
refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, com uma redução dos encargos
brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões previstos, para valores a rondar os
400 milhões.
3-
Cobrar de imediato o IMI devido nas grandes concessões
públicas, como aeroportos e barragens
A incapacidade do
Estado na cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relacionados com
grandes concessões públicas, como barragens ou aeroportos, é um caso de estudo
de capitulação do interesse público face a interesses privados, com a
cumplicidade de vários Governos. Essa receita fiscal tem de ser cobrada de
imediato.
A extinção da
possibilidade de cobrança do IMI de 2019 devido pelos concessionários das
barragens da Terra de Miranda, no final de 2023, alertou o país para uma
iniquidade fiscal indefensável: mau grado dois despachos do secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais instruindo a Autoridade Tributária a cobrar o
imposto devido neste caso concreto, a inacção do Estado português face às
grandes concessões mantém-se.
E se, na Terra de
Miranda, o Estado defende a cobrança do imposto, mas depois não cumpre, no caso
das concessões aeroportuárias é o próprio Estado a colocar-se do lado dos
concessionários. Com efeito, no litígio interposto no Tribunal Administrativo e
Fiscal do Funchal pelo Município de Santa Cruz, visando a inscrição na matriz
predial para a cobrança de IMI do Aeroporto Cristiano Ronaldo, foram o Governo
Regional da Madeira e a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a defender os
interesses do concessionário, pretensão entretanto rejeitada pelo Tribunal.
O IMI devido, mas
não pago, em concessões públicas, como barragens e aeroportos, constitui um
activo potencial de centenas de milhões de euros anuais que estão a ser
subtraídos aos portugueses – muitas vezes, precisamente nas regiões mais
empobrecidas do país, onde esses activos mais fazem falta para o
desenvolvimento económico e social das populações. A cobrança destes impostos é
por isso urgente, não só como forma de repor a justiça e equidade fiscal, mas
de sinalizar o compromisso do próximo Governo com o combate à captura do Estado
por interesses privados.
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente
|
João Paulo Batalha,
Vice-Presidente
|
Exmo. Sr. Dr.
Pedro Nuno Santos,
Secretário-geral
do Partido Socialista
Assunto: Eleições legislativas de 2024
Data: 31 de Janeiro de 2024
Exmo. Sr. Secretário-geral do Partido
Socialista,
As eleições
legislativas do próximo dia 10 de Março decorrem num clima de crise política,
provocada pela queda do Governo, por danos reputacionais associados a suspeitas
de práticas corruptivas. Como mostram os estudos de opinião, os portugueses
vivem hoje uma crise de confiança nas instituições democráticas, espelhada na
insatisfação com a qualidade da democracia e o aumento das percepções de
corrupção.
Impõe-se que o
próximo Governo, independentemente das legítimas opções políticas e ideológicas
que adoptar, sinalize de imediato o seu compromisso com a defesa do interesse
público e a ruptura com mecanismos de captura do Estado que desviam recursos
públicos relevantes para benefício de interesses particulares.
É neste espírito
que a Frente Cívica interpela publicamente os líderes do PS e PSD, um dos quais
será com quase toda a certeza o próximo primeiro-ministro de Portugal, para que
se comprometam publicamente com três simples medidas imediatas:
1-
Limitar a 2% as despesas excepcionais do Orçamento do
Estado
Na elaboração dos
futuros orçamentos (já no de 2025), o Governo deve reduzir drasticamente, quase
eliminar, a rubrica de despesas excepcionais.
Nos últimos anos,
cerca de dez por cento da despesa prevista nos orçamentos de Estado é
classificada como despesa excepcional. No OE de 2024 são 11 mil milhões, numa
despesa total orçada em 123 mil milhões. Os OE relativos aos últimos dois anos
(2022 e 2023) previam cerca de 12,4 mil milhões/ano. E assim tem sido de há
vários anos a esta parte.
Não é aceitável
que cerca de dez por cento da despesa seja “excepcional”, todos os anos. Esta
rubrica deveria representar, no máximo, dois por cento da despesa pública. Até
porque estas despesas excepcionais são perniciosas. Esta rubrica tem sido
maioritariamente destinada a “empréstimos a m/l prazo” canalizados para
empresas como a Parvalorem – “bad bank” onde se acumulam os activos tóxicos
resultantes de corrupção no BPN, no Banif e de outras fraudes financeiras – que
é hoje o maior devedor ao Estado português. Estes empréstimos representam, em
cada ano, cerca de cinco mil milhões de euros.
O segundo valor
mais significativo das despesas excepcionais é constituído pela aquisição de
acções e outras participações em empresas nunca devidamente identificadas. As
despesas excepcionais são inescrutináveis, muito dispendiosas e sem utilidade
social visível. Devem acabar ou reduzir-se a valores da ordem dos dois por
cento e jamais 10%.
2-
Extinguir as Parcerias Público-Privadas rodoviárias
As Parcerias
Público-Privadas (PPP) rodoviárias celebradas em Portugal desde meados dos anos
1990 e durante a primeira década do séc. XXI são um negócio ruinoso, que deve
ser extinto.
Este é um problema
crónico, conhecido e identificado há anos. Pela sua iniquidade e enorme peso
orçamental, a reforma das PPP rodoviárias foi inscrita no plano de resgate da
Troika, em 2011, e alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia
da República, que recomendou a sua negociação ou extinção. No entanto, mesmo
depois de dois processos de renegociação – em 2010, por um Governo PS e a
partir de 2012, por um Governo PSD/CDS – estas concessões continuam a
representar uma sangria de recursos públicos.
Com efeito, o
Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê um total de encargos com PPP
rodoviárias da ordem dos 10 mil e 800 milhões de euros até ao final das
concessões, em 2040. Este valor astronómico contrasta com o valor total dos
activos em PPP da responsabilidade do Governo Central calculado em 2021 pelo
Eurostat, o órgão estatístico da União Europeia, de apenas 4 mil milhões de
euros – sendo que este total inclui PPP de sectores não-rodoviários, como as da
Saúde ou ferroviárias. Os 10 mil e 800 milhões previstos no OE para 2024 são
uma subida significativa face aos pouco mais de 10 mil milhões previstos no OE
de 2023, como encargos dos mesmos contratos para o mesmo período. Este aumento
dos valores previstos com encargos futuros, inexplicado e bem acima do
crescimento da inflação, tem sido uma regra contumaz nos relatórios dos
Orçamentos de Estado. Em suma, o Estado português propõe-se entregar aos
concessionários de auto-estradas rendas próximas do triplo do valor real dos
activos em causa.
Estas rendas
constituem uma autêntica captura do orçamento público que estrangula a
autonomia de decisão do Estado e a capacidade de investimento produtivo no
desenvolvimento económico e social do país. O próximo Governo deve por isso
extinguir as Parcerias Público-Privadas, indemnizando os concessionários no
valor actualizado dos activos, calculado pelo Eurostat. Essa poupança deve
refletir-se já no Orçamento de Estado para 2025, com uma redução dos encargos
brutos previstos, dos cerca de 1200 milhões previstos, para valores a rondar os
400 milhões.
3-
Cobrar de imediato o IMI devido nas grandes concessões
públicas, como aeroportos e barragens
A incapacidade do
Estado na cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relacionados com
grandes concessões públicas, como barragens ou aeroportos, é um caso de estudo
de capitulação do interesse público face a interesses privados, com a
cumplicidade de vários Governos. Essa receita fiscal tem de ser cobrada de
imediato.
A extinção da
possibilidade de cobrança do IMI de 2019 devido pelos concessionários das
barragens da Terra de Miranda, no final de 2023, alertou o país para uma
iniquidade fiscal indefensável: mau grado dois despachos do secretário de
Estado dos Assuntos Fiscais instruindo a Autoridade Tributária a cobrar o
imposto devido neste caso concreto, a inacção do Estado português face às
grandes concessões mantém-se.
E se, na Terra de
Miranda, o Estado defende a cobrança do imposto, mas depois não cumpre, no caso
das concessões aeroportuárias é o próprio Estado a colocar-se do lado dos
concessionários. Com efeito, no litígio interposto no Tribunal Administrativo e
Fiscal do Funchal pelo Município de Santa Cruz, visando a inscrição na matriz
predial para a cobrança de IMI do Aeroporto Cristiano Ronaldo, foram o Governo
Regional da Madeira e a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a defender os
interesses do concessionário, pretensão entretanto rejeitada pelo Tribunal.
O IMI devido, mas
não pago, em concessões públicas, como barragens e aeroportos, constitui um
activo potencial de centenas de milhões de euros anuais que estão a ser
subtraídos aos portugueses – muitas vezes, precisamente nas regiões mais
empobrecidas do país, onde esses activos mais fazem falta para o
desenvolvimento económico e social das populações. A cobrança destes impostos é
por isso urgente, não só como forma de repor a justiça e equidade fiscal, mas
de sinalizar o compromisso do próximo Governo com o combate à captura do Estado
por interesses privados.
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente
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João Paulo Batalha,
Vice-Presidente
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