Democracia, à beira do abismo …
Decorrido algum tempo distante da vossa companhia, momentos que,
não estando previstos nem tendo sido premeditados considero de enorme
relevância, atenta a necessidade que senti de parar, para convosco refletir
alguns dos mais graves atropelos a que a nossa Democracia tem sido exposta,
atores e instituições incluídas, a que não é alheia a recorrente inércia dos
cidadãos, este aberrante modelo participativo de cidadania, passiva, que tem
permitido a degradação dos valores da Liberdade, num "Estado de direito" que se
diz respeitador dos direitos constitucionais.
Afirmo, pois, que a Democracia se tem vindo a desmoronar pela
natural cumplicidade dos cidadãos, divididos entre a razão que reconhecem assistir
aos defensores dos direitos da cidadania, os lutadores persistentes pela
Liberdade, e o laxismo que não nos retira do conforto do sofá, porque haverá
sempre alguém que lute por nós e defenda os nossos direitos. Desenganem-se.
Enquanto cidadão que se preocupa com as questões ligadas aos
direitos e deveres de cidadania, os meus e os da sociedade, sinto algum
desconforto e indignação pela forma como, sensivelmente, metade dos cidadãos
eleitores, prescinde do sufrágio universal para a escolha dos seus dirigentes, e
pela ausência ao exercício de voto, abdica de participar de forma activa numa
série de princípios reguladores do “Estado de Direito”, através dos quais e abusivamente
vão deixando de estar garantidos, a separação de poderes, a isenção de funções
dos governantes, ou ainda, os direitos fundamentais e constitucionalmente
protegidos, aqueles que garantem, em Democracia, a nossa liberdade.
Sim, reconheço que alguns dos pilares fundamentais da
Democracia, em Portugal, ameaçam ruir pela recorrente e erosiva prática
política de atores e instituições envolvidas, acrescido da falta de rigor e
isenção dos Mídias, valores imprescindíveis a um qualquer sistema que se assume
democrático e se requer informado.
A Democracia, vive momentos difíceis, porque o pilar
fundamental de qualquer sistema democrático é a separação de poderes,
legislativo, executivo e judicial, e o mais recente episódio, a rocambolesca
substituição da Dr.ª Joana Marques Vidal, na PGR, não deixa tranquilos os defensores de
um verdadeiro "Estado de direito", muito menos é exemplo de rigor na separação de
poderes, nomeadamente do judicial face ao legislativo e executivo, ou sequer, garantia
de uma igualdade efectiva entre os cidadãos na aplicação da justiça e acesso
leis, designadamente pela protecção que a Constituição supostamente lhes
confere, ou deveria conferir.
O sistema está a ruir e a democracia a desmoronar-se, no
entanto, aqueles que num passado recente desempenharam um importante papel no
combate ao regime Salazarista e ao Estado Novo, os Mídia, parecem ter esquecido
a sua principal função, informar com rigor e isenção, ou se deixaram adormecer
ou capturar por interesses, ou pelo actual sistema, pois parecem mais
preocupados com o sensacionalismo da notícia que vende, do que com a
acutilância jornalística da informação que confronta o poder político.
Este cúmulo argumentativo, mas racional por razões ilógicas,
não deixa de atribuir à cidadania passiva, a sua quota parte de culpa e
responsabilidade, porque os cidadãos, sendo donos da sua própria liberdade e
responsáveis pela participação cívica, não reagem de forma activa perante os
actores públicos, declinam utilizar os mecanismos legais e institucionais de que
dispõem, mormente, aceitam como credível a informação dos Mídia, e de forma quase
angelical evitam assumir a sua pública indignação.
Como diria James Madison, a propósito da permanente necessidade de
freios e contrapesos: “Se os homens
fossem anjos nenhuma espécie de governo seria necessária. Se fossem os anjos a
governar os homens, não seriam necessários controlos externos e internos sobre
o governo”.
Tentei, convosco, aqui aprofundar das razões objectivas que
podem orientar os cidadãos no sentido de se assumir inactivos, apáticos, ociosos
e imóveis, perante as questões que, sendo públicas, têm implicações directas na
qualidade de vida dos cidadãos e a única resposta que encontrei é já tema de um
livro de José Gil: “Portugal, hoje - O
medo de existir”, leitura que a TODOS recomendo.
Na verdade, esta herança bafienta de Salazar, que José Gil
designa por, não inscrição,
responde de forma consistente às minhas dúvidas, que se evidenciaram certezas,
pois explica a razão pela qual os cidadãos evitam inscrever os seus dados
pessoais em plataformas públicas e argumentam para a sua não inscrição, o
receio e dúvidas sobre o destino dos dados que o novo RGPD permite, ou então, pelo medo de existir, assumem abdicar
da sua liberdade de escolha, preferem não se expor, preservar o emprego, evitar
coações psicológicas ou perseguições laborais, admitem sentir-se constrangidos
por uma censura refinada, mas preferem salvar os activos imprescindíveis a uma
saudável economia familiar, algo que lhes permita continuar a assistir de sofá,
à degradação dos valores democráticos, como se a liberdade fosse importante
para os outros, acima de tudo, perene.
Apesar de considerar que a Democracia está como nunca esteve,
à beira do abismo, a esperança que me resta, é continuar a acreditar na
cidadania activa, participativa, em defesa dos valores da Liberdade.
Vamos, em Frente.
27/09/2018