"Banco de Portugal, 2009.02.12" por nmorao, licenciado sob CC BY-NC-ND 2.0. |
A associação Frente Cívica escreveu esta segunda-feira ao Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, pedindo explicações sobre o accionamento da garantia soberana do Estado angolano ao Banco Espírito Santo Angola, cuja falência contribuiu para a queda do Banco Espírito Santo em Portugal. Na carta, assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais, e o vice-presidente João Paulo Batalha, a associação recorda os prejuízos gerados pela resolução do BES e pergunta que esforços foram feitos pelo Estado português, aproveitando as boas relações diplomáticas com Angola, para recuperar os 5,7 mil milhões de dólares garantidos em 2014 pelo Presidente José Eduardo dos Santos.
A carta coincide com a visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, para assistir à tomada de posse do Presidente João Lourenço, após as eleições angolanas de 24 de Agosto passado, marcadas por acusações de fraude eleitoral. "O Governo e o Presidente portugueses têm feito um enorme esforço para garantir boas relações com o Presidente de Angola, ao ponto de ignorarem as alegações de fraude nas recentes eleições ou de pressionarem a justiça portuguesa para que não julgasse o ex-vice-Presidente Manuel Vicente, próximo de João Lourenço, por ter corrompido um procurador português. É altura de perguntar para que serve essa proximidade com o regime angolano, se o Estado português continua sem executar uma garantia de 5,7 mil milhões de dólares relacionados com os prejuízos do BES", explica o presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais. "Cabe ao Banco de Portugal, responsável pela estabilidade do sistema financeiro, explicar que diligências foram feitas, directamente ou através dos canais diplomáticos que tanto se gabam da sua proximidade com Angola, para recuperar este dinheiro".
Na carta, a Frente Cívica recorda que o anterior governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, havia dito que não se previa qualquer “impacto negativo relevante na posição de capital do BES resultante da situação financeira da filial BESA”, poucos dias antes da falência do Banco Espírito Santo em Portugal. Por isso, a associação pergunta a Mário Centeno se a garantia soberana emitida por José Eduardo dos Santos foi ou não executada, de que forma foi protegida a exposição do BES ao BESA, que esforços (se é que alguns) foram feitos para accionar a garantia e qual o papel das "excelentes" relações diplomáticas de Portugal com Angola para assegurar o retorno do capital garantido. A Frente Cívica pergunta ainda quem, na ausência desta garantia soberana, está a arcar com o prejuízo da falência do BES.
Anexa-se a carta enviada pela Frente Cívica:
Exmo.° Senhor
Governador do Banco de Portugal
Prof. Doutor Mário
Centeno
Assunto: Garantia soberana da
República de Angola ao Banco Espírito Santo Angola (BESA)
Data: 13 de Setembro de
2022
Exmo.º Senhor Governador,
Na sequência de pedido de informação remetido pela
associação Frente Cívica ao seu antecessor, Dr. Carlos Costa, a 1 de Abril de
2019, para o qual nunca obtivemos resposta, vimos pela presente solicitar a V.
Exa. que nos informe, e que publicamente informe os portugueses, qual o destino
do capital coberto pela “Garantia Autónoma até ao valor de USD 5.700.000.000,00
(cinco mil milhões e setecentos milhões de dólares norte americanos), a favor
do Banco Espírito Santo Angola, SA, […] que assume a responsabilidade pelo bom
e integral cumprimento das operações de crédito executadas” pelo BESA, nos
termos do Despacho Presidencial Interno n.° 7/2013, assinado pelo então Presidente
José Eduardo dos Santos, e cuja cópia anexamos.
Recordamos que, à data deste Despacho, o Banco
Espírito Santo (BES) era detentor de 55,71% do BESA e que, face à emissão desta
garantia, o então Governador do Banco de Portugal, Dr. Carlos Costa, afirmou
não se prever “impacto negativo relevante na posição de capital do BES
resultante da situação financeira da filial BESA” (notícia de 21/07/2014, dias
antes da resolução do BES/Novo Banco).
É hoje sabido que tal “impacto negativo” não só não
foi prevenido, como se verificou efectivamente, contribuindo de forma muito
relevante para a falência do Banco Espírito Santo e para a sua resolução, com
custos para o Estado e os contribuintes portugueses. Por essa razão, solicitamos
também, Exmo.º Senhor Governador, que nos informe como foi acautelada a não
existência de “impacto negativo” então anunciada pelo Banco de Portugal,
nomeadamente com que base avaliou tal salvaguarda, aquando da resolução do BES.
Em suma, pedimos que nos informe se:
a) a
garantia autónoma foi ou não executada;
b) como
foi garantida a exposição do BES no BESA;
e, se tal não ocorreu,
c) se,
desde então e até hoje, o Banco de Portugal envidou quaisquer esforços no
sentido de recuperar, a favor do sistema financeiro português o capital
referido (cinco mil e setecentos milhões de dólares norte americanos);
d) em que
medida as anunciadas excelentes relações diplomáticas entre Portugal e Angola, ou
a proximidade entre Sua Excelência o Presidente da República de Portugal e o
Presidente da República de Angola contribuíram (ou não) para o desiderato da
recuperação de tão elevado montante;
e) finalmente,
se este capital não tiver sido até hoje recuperado, pedimos nos informe quem
está a assumir este prejuízo, se o BES, o Novo Banco, o Fundo de Resolução ou o
Estado português.
Na expectativa de uma reposta de V. Exa.,
apresentamos os nossos cumprimentos,
Porto, 13 de Setembro de 2022
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente |
João Paulo Batalha, Vice-Presidente |