"Ricardo Salgado (2009)" por Richter Frank-Jurgen, sob licença CC BY 2.0. |
A associação Frente Cívica escreveu esta segunda-feira à Procuradora-Geral da República, pedindo a realização de uma perícia médico-legal a Ricardo Salgado. Os advogados do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) têm alegado que Salgado sofre de Alzheimer, como justificação para impedir que vá a julgamento ou seja condenado nos vários processos em que é arguido.
"Sucede que tal alegação nunca foi demonstrada de forma independente, sendo usada, por um lado, para impedir a responsabilização penal de um cidadão envolvido em inúmeros casos de grande corrupção, praticada ao longo de anos; e, por outro, para sustentar uma campanha de vitimização do arguido aos olhos da opinião pública", escreve a associação na carta enviada a Lucília Gago.
A Frente Cívica pede por isso que os procuradores responsáveis pelos vários processos em que Ricardo Salgado é arguido peçam aos tribunais a realização de uma perícia médico-legal que determine o real estado de saúde do arguido.
Nos termos da lei, cabe ao Instituto de Medicina Legal fazer essa perícia, com recurso a médicos inscritos no Colégio de Especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos, com experiência no diagnóstico diferenciado de doenças de declínio cognitivo ou demência, em particular, Alzheimer. Caso o Instituto de Medicina Legal não tenha médicos com essas competências, deve ser pedida à Ordem dos Médicos a indicação de um perito qualificado, recorda a Frente Cívica.
A perícia deve esclarecer se Ricardo Salgado sofre ou não de Alzheimer e, se sim, qual o estado de progressão da doença e se a sua evolução o impede de prestar declarações em juízo.
Abaixo, a carta enviada esta segunda-feira à Procuradora-Geral da República.
Exma. Sra.
Procuradora-Geral da República,
Dra. Lucília Gago
Rua da Escola
Politécnica, n.º 140,
1269-269 Lisboa
Assunto: Perícia médico-legal ao arguido
Ricardo Salgado
Data: 19 de Dezembro de 2022
Exma. Sra. Procuradora-Geral,
Na sequência do
despacho de acusação deduzido pelo Ministério Público no denominado “caso EDP”
aos arguidos Ricardo Salgado, Manuel Pinho e Alexandra Pinho, vieram os
mandatários de Ricardo Salgado, segundo notícia pública[1], requerer o
arquivamento das acusações relativas ao seu cliente, alegando que sofre de
doença neurológica que o impede de se defender em tribunal.
A mesma alegação
tem sido feita e reiterada nos diferentes processos em que Ricardo Salgado é arguido
(e, num dos processos, até já condenado em primeira instância), alimentando na
opinião pública a noção de que o Ministério Público estará a perseguir um
cidadão indefeso, incapacitado por doença mental. Sucede que tal alegação nunca
foi demonstrada de forma independente, sendo usada, por um lado, para impedir a
responsabilização penal de um cidadão envolvido em inúmeros casos de grande
corrupção, praticada ao longo de anos; e, por outro, para sustentar uma
campanha de vitimização do arguido aos olhos da opinião pública.
Apesar
de a Ricardo Salgado assistir o direito ao silêncio, o facto de insistentemente
invocar um estado de doença para justificar a não prestação de declarações é
suscetível de vir a influir na determinação da sua imputabilidade legal e, nos
casos em que já foi ou ainda venha a ser condenado, na determinação da medida de
pena que possa vir a ser-lhe aplicada (cfr. artigo 71.º do Código Penal).
Assim, revela-se de toda a
pertinência a realização de uma perícia médico-legal de modo a determinar se o arguido
padece ou não da doença por si invocada e, em caso afirmativo, qual o estado da
sua evolução e se, face a tal (eventual) estado, é impeditivo da prestação de
declarações.
Nos termos do disposto no artigo
159.º do Código do Processo Penal, a perícia a ordenar pelo Tribunal deverá ser
uma perícia médico-legal e forense, a realizar pela Delegação Sul do Instituto
Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP. O médico perito deve ser um
médico inscrito no Colégio da Especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos,
com experiência no diagnóstico diferenciado de doenças de declínio cognitivo ou
demência, em particular, Alzheimer.
Caso o Instituto Nacional de Medicina
Legal e Ciências Forenses IP não possua médico contratado que reúna as
competências referidas, deverá ser solicitada a colaboração da Direcção do
Colégio da Especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos na indicação de um
perito que reúna essas condições.
Pelo exposto, vimos através de V.ª
Ex., solicitar que os procuradores responsáveis pelos processos que envolvem o arguido
Ricardo Salgado requeiram a realização de uma perícia médico-legal nos termos
sugeridos, tendo por objecto a pessoa do arguido Ricardo Salgado, com vista a
responder aos seguintes quesitos:
a) O
Arguido manifesta sinais de ser portador da doença de Alzheimer? Justifique.
b) Em
caso afirmativo qual o estado de progressão da doença? Justifique.
c) No
caso de ter respondido à questão anterior, o estado de saúde do Arguido
impede-o de prestar declarações em audiência de julgamento? Justifique.
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
Paulo de Morais, Presidente
João Paulo Batalha, Vice-presidente