A Frente Cívica escreveu esta quinta-feira ao primeiro-ministro português, António Costa, pedindo-lhe que, durante a visita oficial que realizará a Angola nos próximos dias 5 e 6 de Junho, obtenha garantias formais do Estado angolano quanto ao julgamento do ex-vice-presidente Manuel Vicente, acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira para que arquivasse investigações de branqueamento de capitais em que Vicente era visado.
Orlando Figueira foi condenado a seis anos e oito meses de prisão por se ter deixado corromper, mas Manuel Vicente, acusado de ser o corruptor activo, nunca foi julgado. O seu processo foi enviado para julgamento em Angola há cinco anos, mas o julgamento nunca aconteceu. "A condenação de Orlando Figueira valida a convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal, feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é urgente", escreve a Frente Cívica.
Para a associação, cabe a António Costa, que "celebrou publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel Vicente", obter garantias do seu julgamento. "Corromper um procurador da República não é um mero “irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João Lourenço ao povo angolano".
Caso Angola não esteja em condições de garantir um julgamento célere e justo do seu ex-vice-presidente, caberá a Portugal fazer regressar o processo aos tribunais nacionais, como previsto na lei, para que se faça justiça.
Anexamos, para conhecimento, a carta enviada ao primeiro-ministro de Portugal.
Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,
Dr. António Costa
Rua da Imprensa à
Estrela, 4
1200-888 Lisboa
C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral da
República,
Dra. Lucília Gago
Rua da Escola Politécnica, n.º 140,
1269-269 Lisboa
Assunto: Operação “Fizz” – Julgamento de Manuel
Vicente
Data: 1 de Junho de 2023
Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,
Em Fevereiro de
2017, o Ministério Público português acusou o cidadão angolano Manuel Vicente,
então vice-presidente do seu país, de crimes de corrupção activa, branqueamento
de capitais e falsificação de documento. Especificamente, Manuel Vicente foi acusado
de corromper um procurador da República para que arquivasse inquéritos
criminais que corriam em Portugal, nos quais o mesmo Manuel Vicente era visado
por suspeitas de branqueamento de capitais.
Na sequência
desses factos, o procurador responsável, Orlando Figueira, foi julgado e
condenado por crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do
segredo de justiça e falsificação de documento, esperando-se que comece
brevemente a cumprir a pena de seis anos e oito meses de prisão a que foi condenado
e que está finalmente a transitar em julgado.
Infelizmente,
Manuel Vicente nunca chegou a ser julgado, em virtude de, em Maio de 2018, o
Tribunal da Relação de Lisboa ter determinado remeter a acusação criminal que
sobre ele pende para ser julgada em Angola, ao abrigo de acordos vigentes sobre
cooperação judiciária. No entanto, a condenação de Orlando Figueira valida a
convicção do Ministério Público de que Manuel Vicente terá sido efectivamente o
autor e instigador de um crime de corrupção que, para seu benefício pessoal,
feriu o coração da Justiça portuguesa e a própria soberania de Portugal como
Estado de Direito. Por esta razão, o julgamento de Manuel Vicente impõe-se e é
urgente.
Ora, sucede que,
desde que a acusação foi delegada para o Estado angolano, há mais de cinco
anos, nada aconteceu para que Manuel Vicente sequer começasse a ser julgado. É
sabido que o acusado beneficiou de uma lei de imunidade que se lhe aplicava até
cinco anos depois de deixar o cargo de vice-presidente, mas esse prazo esgotou-se
no final de Janeiro de 2022 e, desde então, nada foi feito para julgá-lo. Tudo
indica que Angola determinou, com fundamento legal ou sem ele, oferecer a
Manuel Vicente um estatuto de impunidade vitalícia que viola o princípio de
confiança na justiça angolana que o Presidente João Lourenço reclamou de
Portugal, ao exigir o envio do processo para Angola, e que Portugal lhe
concedeu.
Exmo. Sr.
Primeiro-Ministro,
Em 2018, V. Exa.
apontou este processo como um “irritante” nas relações entre Portugal e Angola,
em coro aliás com o seu então ministro dos Negócios Estrangeiros – hoje segunda
figura do Estado português – e o Presidente da República. Por essa razão, celebrou
publicamente a decisão de delegar no Estado angolano o julgamento de Manuel
Vicente. Sucede que corromper um procurador da República não é um mero
“irritante”, é um crime grave – que justamente levou a uma condenação pesada do
procurador corrompido. O acusado corruptor tem de ser julgado pelos crimes que
lhe são imputados. Permitir que Angola abuse da confiança que lhe foi dada por
Portugal, deixando o caso na impunidade, seria subscrever uma ofensa grave e
frontal à soberania portuguesa – além de deitar por terra as promessas de
intransigência contra a corrupção reiteradamente feitas pelo Presidente João
Lourenço ao povo angolano.
Assim, apelamos a
V. Exa. que, no âmbito da visita oficial que realiza nos próximos dias 5 e 6 de
Junho a Angola, peça formalmente ao Estado angolano garantias específicas e
precisas de que será respeitada a delegação do processo e de que o julgamento
de Manuel Vicente será levado a cabo, com garantias de independência dos
tribunais angolanos, em prazo específico – e breve –, que deverá ser indicado. Sem
essa garantia formal, deverá a justiça portuguesa concluir que Angola não só
não honrou, como não tenciona honrar, os mecanismos de cooperação judiciária a
que fez apelo em Portugal, não restando ao Estado português senão revogar a
delegação do processo e recuperar o direito de julgar Manuel Vicente em
Portugal, como previsto no art.º. 93º, n.º 3 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional
em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
|
João Paulo Batalha,
Vice-Presidente |