sábado, 22 de julho de 2023

Frente Cívica pede ao Ministério Público que convoque Augusto Santos Silva como testemunha na investigação ao financiamento político

 

"Procuradoria-Geral da República Portuguesa 01"
por 
GualdimG sob licença CC BY-SA 4.0.

A Frente Cívica escreveu este sábado à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, e à Diretora do DIAP de Lisboa, Fernanda Oliveira, incentivando o Ministério Público a alargar as investigações a eventuais ilegalidades no financiamento dos partidos políticos, tal como foi noticiado no fim de semana pela comunicação social. A associação recomenda ainda que o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que afirmou publicamente não haver qualquer sobrefinanciamento dos partidos, seja convocado e ouvido como testemunha no inquérito.

Na carta, a Frente Cívica aponta que as declarações de Rui Rio, ex-presidente do PSD, e de João Torres, secretário-geral adjunto do PS, indicando que o uso de recursos do Parlamento para benefício dos partidos será transversal e consensual, "devem ser encaradas como denúncias de que os comportamentos sob suspeita serão, de facto, generalizados, pelo que acolhemos com satisfação as notícias de que o Ministério Público estará a preparar-se para alargar o inquérito em curso".

A associação recomenda ainda que o presidente do Parlamento seja ouvido no âmbito das investigações. Depois de ter criticado as buscas ao PSD como "um crime em directo", Augusto Santos Silva afirmou publicamente não existir qualquer sobrefinanciamento dos partidos políticos. "Ora, esta afirmação taxativa parece configurar uma certeza absoluta sobre os factos que estão sob investigação judicial, pelo que se nos afigura justificado que, no âmbito do inquérito em curso, o Ministério Público convoque o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República para ser ouvido como testemunha, dando-lhe a oportunidade de esclarecer que controlos e verificações são exercidos pela Assembleia da República para garantir a boa utilização dos meios financeiros e humanos de apoio aos grupos parlamentares, e a legalidade das práticas dos partidos a este respeito", lê-se na carta.

Abaixo, para conhecimento, a carta enviada pela Frente Cívica.



Exma. Sra. Procuradora-Geral da República,

Dra. Lucília Gago

 

 

C/c: Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta Dra. Fernanda Oliveira,

Directora Regional do DIAP de Lisboa

 

 

Assunto: Suspeitas de peculato e abuso de poderes em contexto político-partidário

Data: 22 de Julho de 2023

 

 

Exma. Sra. Procuradora-Geral,

 

Como é do domínio público e foi reportado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) Regional de Lisboa[1] e pela Polícia Judiciária[2], decorreram no passado dia 12 de Julho buscas, domiciliárias e a instalações de um partido político e de um Revisor Oficial de Contas, no âmbito de um inquérito em curso que investiga “suspeitas da prática de crimes de peculato e abuso de poderes”, “em contexto político-partidário”.

 

Na sequência dessas diligências (que, nos termos da lei, terão sido seguramente autorizadas por um juiz de instrução), um conjunto de actuais e antigos responsáveis políticos veio a público condenar o Ministério Público por cumprir a sua obrigação legal de investigar as denúncias que chegam ao seu conhecimento, incluindo através de uma carta de protesto endereçada a V. Exa. pelo secretário-geral do Partido Social Democrata[3].

 

Além disso, vários dirigentes ou ex-dirigentes partidários denunciaram que a existência de condutas potencialmente ilegais, enquadradas nas mesmas suspeitas que estarão em causa no inquérito já em curso, acontecerão nos outros partidos políticos. Especificamente, em entrevista à SIC, o ex-presidente do PSD Rui Rio denunciou: “Isto que estamos a falar é uma prática transversal a todos os partidos, desde sempre”[4]. Do mesmo modo, o secretário-geral adjunto do Partido Socialista, João Torres, admitiu haver um “entendimento, que julgo ser partilhado pelos partidos políticos que têm grupos parlamentares”, quanto ao uso de recursos parlamentares para actividades partidárias[5], ainda que ao arrepio de decisões e recomendações que sobre esta matéria foram proferidas ao longo dos anos pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal de Contas.

 

Tais declarações devem ser encaradas como denúncias de que os comportamentos sob suspeita serão, de facto, generalizados, pelo que acolhemos com satisfação as notícias de que o Ministério Público estará a preparar-se para alargar o inquérito em curso[6]. Sugerimos que se incluam na investigação todos os partidos que tenham tido grupos parlamentares desde 2018, quando foi legislada e entrou em vigor a última revisão da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos.

 

Sobre esta mesma questão pronunciou-se ainda o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, primeiro acusando que a realização de buscas legalmente mandatadas no âmbito de um inquérito judicial seria “um crime em directo”[7]; e, num segundo momento, asseverando que “não está em questão, de nenhuma maneira, qualquer espécie de sobrefinanciamento dos partidos políticos”[8]. Ora, esta afirmação taxativa parece configurar uma certeza absoluta sobre os factos que estão sob investigação judicial, pelo que se nos afigura justificado que, no âmbito do inquérito em curso, o Ministério Público convoque o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República para ser ouvido como testemunha, dando-lhe a oportunidade de esclarecer que controlos e verificações são exercidos pela Assembleia da República para garantir a boa utilização dos meios financeiros e humanos de apoio aos grupos parlamentares, e a legalidade das práticas dos partidos a este respeito.

 

Com os melhores cumprimentos,

 

Pela Frente Cívica,

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente