terça-feira, 29 de agosto de 2023

Frente Cívica pede a António Costa urgência na aplicação das sanções à Rússia

João Pedro Correia, CC BY 2.0
<https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

 

A Frente Cívica escreveu esta terça-feira ao primeiro-ministro, António Costa, questionando a falta de acção de Portugal na aplicação das sanções impostas pela União Europeia à Rússia, por causa da guerra na Ucrânia iniciada há um ano e meio. 

Recordando uma carta enviada em Março de 2022 por um conjunto de personalidades (que incluíam os dirigentes da Frente Cívica) apelando à criação de uma task-force dedicada a identificar e congelar bens de pessoas e entidades russas em Portugal, a associação constata que, desde então, nada foi feito. 

Segundo notícias vindas a público, apenas 25 milhões de euros foram apresados em Portugal, correspondentes a activos financeiros. "Isto significa que o Estado português está a falhar na aplicação das sanções da União Europeia e que o nosso país continua a ser um potencial porto seguro para bens da oligarquia russa na UE e na Zona Euro. Um ano e meio depois do início da guerra, esse falhanço é inaceitável", lê-se na carta enviada esta terça-feira pela Frente Cívica.

"O apoio que Portugal prometeu, e proclama, à Ucrânia, numa guerra que se arrasta com enorme sacrifício do povo ucraniano, não pode ter como tradução prática a omissão ou a cumplicidade com negócios da elite russa responsável pela agressão. No último ano e meio, o Estado português não fez qualquer esforço para retirar à liderança russa os bens que possam estar escondidos em Portugal".

Anexa-se a carta enviada pela Frente Cívica:


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Dr. António Costa

 

 

C/c.:

S. Exa. o Presidente da República,

Exmo. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,

 

 

Data: 29 de Agosto de 2023

Assunto: Aplicação das sanções da UE à Rússia

 

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,

Há um ano e meio, a Federação Russa iniciou uma guerra de agressão ilegal e injustificável contra a Ucrânia. O Estado Português justamente condenou, em diversas ocasiões e em diversos fóruns, nacionais e internacionais, a agressão do regime de Putin, manifestando a sua solidariedade e apoio ao Governo e ao povo ucranianos. Essa posição, de defesa do direito internacional, foi reiterada ao mais alto nível, nos últimos dias, pela visita de S. Exa. o Presidente da República à Ucrânia.

Em paralelo, a invasão russa teve uma resposta imediata da União Europeia que, no último ano e meio, aprovou já 11 pacotes de sanções contra a Federação Russa e a sua liderança política, militar e económica[1]. No início do presente mês de Agosto, inclusivamente, o escopo das sanções foi alargado à Bielorrússia, precisamente para assegurar a eficácia das medidas sancionatórias e evitar que os responsáveis pela guerra consigam impunemente contornar a sua aplicação.

A par das medidas de cooperação já anunciadas pelo Governo português, Portugal está obrigado, enquanto membro da União Europeia, a aplicar as sanções definidas pelo Conselho da UE, que nos obrigam a identificar e congelar bens de pessoas e entidades sancionadas em Portugal. Em Março do ano passado, quando a primeira ronda de sanções foi decidida, um grupo de cidadãos escreveu a V. Exa. apelando à criação de uma task-force dedicada a identificar e congelar bens russos em Portugal[2]. Em resposta, o gabinete de V. Exa. informou-nos ter remetido a questão para o Gabinete do Exmo. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, tanto quanto sabemos, não lhe deu qualquer seguimento.

Desde então, ao contrário do então sugerido, não só não foi criada nenhuma task-force dedicada, como não foi feito qualquer reporte público sobre os bens apresados em Portugal. Em entrevista publicada em Maio passado no Diário de Notícias, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, revelou, sem mais detalhes, que “Em Portugal, foi possível congelar 25 milhões de euros”[3]. O mesmo montante foi referido numa reportagem da TVI/CNN Portugal em Junho passado que, citando o Ministério dos Negócios Estrangeiros, acrescentou que os activos “(todos eles financeiros)” dirão respeito a 44 pessoas e entidades sancionadas[4].

O facto de, até à data, os activos detectados e congelados serem, aparentemente, apenas activos financeiros, identificados por acção do sistema financeiro, confirma que não tem sido feito um esforço consistente e organizado para detectar bens de pessoas e entidades russas em Portugal. Isto significa que o Estado português está a falhar na aplicação das sanções da União Europeia e que o nosso país continua a ser um potencial porto seguro para bens da oligarquia russa na UE e na Zona Euro. Um ano e meio depois do início da guerra, esse falhanço é inaceitável.

O apoio que Portugal prometeu, e proclama, à Ucrânia, numa guerra que se arrasta com enorme sacrifício do povo ucraniano, não pode ter como tradução prática a omissão ou a cumplicidade com negócios da elite russa responsável pela agressão. No último ano e meio, o Estado português não fez qualquer esforço para retirar à liderança russa os bens que possam estar escondidos em Portugal. É por isso imperativo que, apesar do atraso, o Governo português aplique as recomendações que lhe foram feitas em Março de 2022 pelos cidadãos que então interpelaram V. Exa., nomeadamente:

1-     Seja finalmente criada uma task-force, para operar enquanto estiverem em vigor as sanções decretadas pelo Conselho da UE, liderada pela Procuradoria-Geral da República e integrando elementos do Gabinete de Recuperação de Activos e da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Banco de Portugal e de outras autoridades relevantes para a aplicação em Portugal das sanções determinadas pelo Conselho da União Europeia;

2-     Esta task-force seja dotada da autonomia e meios necessários para executar a sua missão de forma célere e eficaz, apurando toda a informação existente (financeira, fiscal, policial e outra) relativa a suspeitas de ligação entre património estabelecido em Portugal e as pessoas individuais e colectivas constantes das listas de sanções, incluindo empresas, entidades, contas bancárias, imóveis, fundos de investimento ou outros produtos financeiros, automóveis, embarcações e aeronaves, portfolios de criptomoedas, bem como qualquer outro património que seja maioritária ou minoritariamente detido, ou tenha sido detido e, desde recentemente, já não o seja, pelas pessoas e entidades sancionadas; ou que tenha registado fluxos financeiros ou comerciais significativos de razoabilidade dúbia com empresas detidas pelas pessoas e entidades sancionadas;

3-     Seja concedida a esta task-force um mandato amplo para aceder às bases de dados nacionais relevantes, incluindo os Registos Comercial, Predial e Automóvel, o Registo Central dos Beneficiários Efectivos, os registos de empresas sediadas ou com actividade na Zona Franca da Madeira, bem como das aeronaves e embarcações registadas em Portugal (incluindo no Registo Internacional de Navios da Madeira), de forma a facilitar o rápido e eficiente acesso à informação necessária para o mapeamento dos bens a congelar e para a partilha de dados com organismos europeus e internacionais;

4-     Esta task-force seja encarregue de assegurar a troca de informações com os mecanismos internacionais de cooperação existentes, incluindo a task-force “Freeze and Seize”, da Comissão Europeia, a task-force “Russian Elites, Proxies and Oligarchs”, o EUROJUST, EUROPOL, EUROFISC, OLAF e Interpol, não só para facilitar o mapeamento de bens apresáveis em Portugal mas também para incrementar a eficácia dos esforços em curso nos outros Estados envolvidos;

5-     Esta task-force publique relatórios regulares das actividades desenvolvidas para o cumprimento da sua missão, que devem ser apresentados e discutidos na Assembleia da República, assegurando desta forma a prestação de contas e o escrutínio necessários a tranquilizar os portugueses e os nossos parceiros europeus do zelo e diligência de Portugal na aplicação das sanções;

6-     Esta task-force tenha um mandato para propor ao Governo ou ao Parlamento eventuais alterações ou melhorias de legislação e regulação, de procedimentos ou de políticas públicas relacionadas com a aplicação de sanções, o congelamento de bens e a recuperação de activos.

Pela urgência, dimensão e transversalidade das tarefas necessárias ao bom cumprimento desta missão, a liderança política para a criação desta estrutura de aplicação das sanções não pode ser delegada no Ministério dos Negócios Estrangeiros – como, aliás, se constatou neste longo ano e meio –, mas tem de ser assumida pessoalmente por V. Exa. É neste sentido que lhe renovamos o apelo feito em Março de 2022, para que Portugal não perca mais tempo.

Com os melhores cumprimentos,

Pela Frente Cívica,

 

 

 

Paulo de Morais, Presidente

 

 



 

João Paulo Batalha, Vice-Presidente