Bundesministerium für Finanzen, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons |
A Frente Cívica escreveu esta sexta-feira ao Governador do Banco de Portugal, questionando Mário Centeno sobre as negociações partidárias em que terá participado para ser proposto como primeiro-ministro com o apoio do PS. Recordando as dúvidas que se colocaram aquando da sua nomeação para o cargo, em 2020, e as promessas de "independência pela acção" então feitas por Centeno, a associação aponta que "a independência de V. Exa. foi ontem gravemente ferida pela sua acção".
"Parece-nos completamente incompatível com a independência política e partidária exigida de uma instituição reguladora que o seu Governador esteja, no exercício do cargo, a negociar com um partido político uma putativa indigitação para o cargo de primeiro-ministro", escreve a Frente Cívica. "Concordará, Sr. Governador, que não pode ser politicamente independente ao mesmo tempo que angaria apoios partidários para cargos políticos".
Especificamente, a Frente Cívica dirige quatro perguntas a Mário Centeno:
1- se, de facto, preparou com dirigentes do Partido Socialista a sua putativa indigitação como primeiro-ministro, e se deu a sua anuência a que essa proposta fosse levada a S. Exa. o Presidente da República;
2- em caso afirmativo, como compagina essa negociação partidária com os princípios de independência política consagrados nas leis, normativos e cultura do Banco de Portugal e do Sistema Europeu de Bancos Centrais;
3- se consultou o Conselho de Administração ou a Comissão de Ética do Banco de Portugal, ou o Conselho de Governadores ou a Comissão de Ética do Banco Central Europeu/Sistema Europeu de Bancos Centrais, antes de se colocar na posição de candidato de um partido político a primeiro-ministro;
4- se tenciona, à luz desta noção de independência politicamente alinhada, colocar o seu lugar à disposição do próximo Governo que resultar das eleições anunciadas para 10 de Março de 2023.
Exmo. Sr. Governador
do Banco de Portugal,
Doutor Mário
Centeno
R. do Comércio,
148
1100-150 Lisboa
Assunto: Idoneidade para o
exercício das funções de Governador do Banco de Portugal
Data: 10 de Novembro de
2023
Exmo. Sr. Governador,
A independência política do Banco de Portugal é um
valor matricial da instituição, consagrado na Lei Orgânica do Banco[1] e nos
Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais[2]. Foi
em defesa dessa independência que responsáveis políticos e forças da sociedade
civil questionaram a nomeação de V. Exa. para o cargo que agora ocupa, pela
circunstância de ter transitado directamente das funções de Ministro das
Finanças para as de Governador. Sensível a esses alertas, fez V. Exa. promessas
de exercer rigorosamente a independência necessária para as funções, aquando da
sua nomeação, afirmando no seu discurso de posse: “Ao longo de 25 anos aprendi
que a independência se exerce pela acção, pela materialização de uma vocação
para o serviço público”[3].
Ora, a independência de V. Exa. foi ontem
gravemente ferida pela sua acção. A crer em declarações à imprensa feitas ontem
pelo primeiro-ministro e secretário-geral do Partido Socialista, António Costa,
este partido propôs a S. Exa. o Sr. Presidente da República a indigitação do
Sr. Governador como primeiro-ministro, mandato que se proporia exercer com o
apoio parlamentar do Partido Socialista[4].
Parece-nos completamente incompatível com a independência política e partidária
exigida de uma instituição reguladora que o seu Governador esteja, no exercício
do cargo, a negociar com um partido político uma putativa indigitação para o
cargo de primeiro-ministro. Concordará, Sr. Governador, que não pode ser
politicamente independente ao mesmo tempo que angaria apoios partidários para
cargos políticos. Se, como afirmou, “a independência se exerce pela acção”, a
sua acção feriu de morte a sua independência.
Esta conduta, a confirmar-se, desfere um duro golpe
na imagem pública do Banco de Portugal e na idoneidade do seu Governador,
validando os alertas e críticas legítimas que, em devido tempo, se fizeram
ouvir contra a sua nomeação. Assim, vimos pela presente rogar a V. Exa. que
esclareça o país sobre:
1-
se, de facto, preparou com dirigentes do Partido
Socialista a sua putativa indigitação como primeiro-ministro, e se deu a sua
anuência a que essa proposta fosse levada a S. Exa. o Presidente da República;
2-
em caso afirmativo, como compagina essa negociação
partidária com os princípios de independência política consagrados nas leis,
normativos e cultura do Banco de Portugal e do Sistema Europeu de Bancos
Centrais;
3-
se consultou o Conselho de Administração ou a Comissão
de Ética do Banco de Portugal, ou o Conselho de Governadores ou a Comissão de
Ética do Banco Central Europeu/Sistema Europeu de Bancos Centrais, antes de se
colocar na posição de candidato de um partido político a primeiro-ministro;
4-
se tenciona, à luz desta noção de independência
politicamente alinhada, colocar o seu lugar à disposição do próximo Governo que
resultar das eleições anunciadas para 10 de Março de 2023.
Somos, com os nossos cumprimentos,
Pela FRENTE CÍVICA,
Paulo de Morais, Presidente
João Paulo Batalha, Vice-Presidente
[1]
Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro, Art.º 27º, nº 7.
[2]
Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, Art.º 7º.