quinta-feira, 16 de março de 2017

Janela da Frente - A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL - Convidado - José Puig


A Liberdade de Expressão como Direito Fundamental:


Venho falar-vos um pouco da Liberdade de Expressão.
A liberdade de expressão e informação configura um direito fundamental do nosso regime democrático, consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O debate entre diversas perspectivas do Mundo e da vida em sociedade, mesmo que opostas e conflituosas, constitui uma das características basilares dum Estado de Direito Democrático.
Como bem entendeu, numa das suas decisões mais emblemáticas, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “ A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos da sociedade democrática, sendo uma condição fundamental do progresso e da realização individual; a liberdade de expressão abrange não só a informação ou ideias que são recebidas favoravelmente, ou consideradas inofensivas, mas também aquelas que possam ofender, chocar ou incomodar, tal como decorre do pluralismo e da tolerância, sem as quais não existe uma sociedade democrática; esta liberdade está sujeita a excepções que – como decorre da Jurisprudência do Tribunal – devem ser interpretadas restritivamente e de um modo inteiramente convincente.
É certo que muitas vezes, seguramente vezes de mais, agentes políticos e económicos da nossa Pátria revelam uma excessiva susceptibilidade, aqui e ali nos limites da intolerância, face a opiniões críticas sobre assuntos de interesse público e do seu envolvimento nos mesmos, com um injustificado recurso aos Tribunais a coberto duma alegada defesa do seu bom nome. Tal susceptibilidade suporta, aliás, um aumento desproporcionado quando o tema em debate é o uso, o abuso e o desperdício de dinheiros públicos.
Têm-se, no entanto, deparado, nos últimos anos, com uma Doutrina e Jurisprudência que consubstanciam uma justa e adequada ponderação entre a liberdade de expressão e crítica como direito fundamental dum Estado de Direito Democrático e o direito à honra e consideração pessoal.
Bem ilustrativo desse entendimento é a passagem, que passo a transcrever, do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de Outubro de 2014, aliás proferido num procedimento determinado pela queixa dum agente político contra Paulo Morais: “ Entendemos que o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas ( quais sejam as obras ou atos de cada um )  e com o conteúdo e âmbito mencionados, isto é que se mostrem adequados aos pertinentes dados de facto, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar. Costa Andrade afirma, por seu turno, que: O exercício do direito de crítica tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância está à partida excluída por razões de atipicidade. Tal vale, designadamente, para os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, e, permito-me acrescentar, da actividade política. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva – isto é, enquanto a valoração e censura crítica se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores – aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não o atingem com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude.
Em suma, o direito fundamental de expressão e de crítica é legítimo, mesmo que os juízos sejam desprimorosos, reconhecendo-se como próprios duma sociedade democrática, desde que dirigidos às ideias, às obras, à criação humana, e não exclusivamente às pessoas, com meros intuitos mesquinhos de rebaixamento ou humilhação. 

José Puig