quinta-feira, 9 de março de 2017

Janela da Frente - SÓ A VERDADE É REVOLUCIONÁRIA - António Manuel Ribeiro





Só a verdade é revolucionária


Lembrei-me desta máxima que aprendi ainda adolescente com a chegada da primavera dos cravos – foi uma mulher de rua, vendedeira, que não tendo cigarros para satisfazer o pedido de um magala a calcorrear de G3 as ruas do golpe lisboeta, lhe enfiou os cravos no cano e a imagem pegou de marca revolucionária na manhã do dia 25 de Abril de 1974. Não houve calculismo, fervor revolucionário, orientação política, houve o melhor da vida, uma confluência de situações da vida normal. Marcelo (Caetano, claro) entrou de gatas na Chaimite, a populaça aqueceu as palmas das mãos na chapa verde-azeitona que o levou de fugida para o Funchal antes do exílio no Brasil. Coitado, oiço cada vez mais perorando, coitados de nós, respondo, que suportámos (cobardia nacional) a fraqueza cordata de homens coitados na tribuna do poder.
Nessa manhã de quase chuva, os pides à espreita começaram a rasgar os cartões da sua arrogância com cheiro a Caxias, os bufos saltavam de barricada sem saberem muito bem a fundura do fosso do outro lado, e o regime de opereta, com dois ministro de cu alçado a esburacarem uma parede do ministério – ai se o Dr. Salazar pudesse dar-lhes um raspanete pela destruição do património – para fugirem das castanhas assadas da revolta, caiu como caem sem estrondo as glórias de papelão – não foi a humidade, foi a urgência.
Ontem de manhã integrei uma delegação da Associação Frente Cívica que visitou, de novo, a Associação 25 de Abril. Perante homens que desafiaram o poder autoritário fascizóide do velho regime, curvo-me com humildade; ouvi a voz da história, pedaços que um dia vivi.
Prefiro o tom desbragado, até provocador, do coronel Vasco Lourenço, às meias falas que nos envolvem a vida política e social, depois de passarem o crivo dos conselheiros de imagem e marqueteiros de serviço. Prefiro a frontalidade, mesmo errónea, à sacanice – não é característica bondosa, é falência cultural arreigada até ao tutano.
Porque se só a verdade é revolucionária – Maiakovski o disse –, as meias verdades e os sapos que andam para aí tanta gente televisiva a engolir vai-se tornando um hábito.
O meu pai, que era durinho na disciplina, muito mesmo, sem saber que Maiakovski existia, oriundo do rigor jesuíta (seminário de S. Paulo em Almada) foi mais severo. E a cada mentira ofereceu-me um castigo, por vezes um açoite. Aprendi.
De excepção em excepção, ou de mentira em mentira (pequenina, às vezes, sussurram) criámos uma regra, que é o antónimo de excepção. E isso não é boa política para uma nação. Para um lar. Entre amigos. Isso é caruncho. Não é exemplo.
Sejam as SMS da virgem escolhida para a CGD, seja a falha (mal contada) da fuga de 10 milhões para o Sol do Panamá, seja o bico calado que pedem a Teodora Cardoso, isto e o resto à solta revelam que o mais importante é o anúncio sem contraditório, as águas calmas sem ventania, a democracia de canto coral.
Porque se apenas a verdade é revolucionária, a força da verdade, mesmo com erros, só enobrece a coragem de quem tenta governar neste mundo enlouquecido. Somos poucos, 10 milhões cá dentro, para enfrentar as vagas de tanta estranheza.
Uma pergunta coloquial: para que serve a Caritas se não pode responder a todos os pedidos de ajuda mas conserva milhões no banco?

Aroeira, 9 de Março de 2017
António