Que Economia Social?
Vivemos hoje num tempo estranho, num tempo de
individualismo, num tempo de realidades virtuais, de “verdades” construídas, de
ganância e globalização, em que tudo parece ter um valor monetário, em que as
pessoas, como parte desta engrenagem, ou se vendem ou são vendidas, em que o
conceito de riqueza se reduz ao seu valor produtivo e mercantil, esquecendo a
vertente ambiental e social da actividade económica.
Temos hoje uma sociedade com
medo, onde o sentimento de impunidade face aos poderosos, faz duvidar da
Justiça, onde a mentira, a corrupção, o caciquismo, o compadrio e a falta de
escrúpulos estão instalados.
Mas as televisões insistem em
distrair a gente…
“(…) como se o futuro fosse hoje, como se a
eternidade fosse aqui... como se o penalti fosse a última das ofensas, como se
os fora de jogo que realmente importam não fossem justamente os milhões de
seres humanos postos “fora de jogo”, “penaltizados” no seu direito de ser
gente, no seu direito de ser pessoa, dentro do campo da vida, com o direito a
viver em plenitude o campeonato da existência.” (Frei Fernando Ventura, in
Tribuna Expresso)
E neste tempo em que, teoricamente, muitas
pessoas se juntaram para dar resposta colectiva a problemas comuns, floresceu a
chamada “Economia Social”, onde se inserem os lares de idosos, os centros de
dia, as creches, os apoios domiciliários, as cozinhas solidárias e uma panóplia
de organizações, que geralmente se iniciaram com objectivos altruístas, de
servir quem precisa, mas que com muita facilidade se transformam em promotores
de emprego, cuja missão inicial é subvertida pela falta de equilíbrio entre a
dimensão do seu objectivo primeiro e as dimensões económico-financeiras.
É preocupante que numa sociedade extremamente
envelhecida, as organizações sociais não discutam novos modelos de intervenção,
que melhorem a vida dos seus utentes, não procurem soluções que vão ao encontro
das suas reais necessidades e anseios, e que nem sequer tenham em conta, o
ponto de vista dos beneficiários ou das suas famílias. O foco destas
organizações é mesmo a manutenção de postos de trabalho e as candidaturas a
projectos. Projectos que muitas vezes, na prática, pouco contribuem para a
melhoria dos serviços, e acabam por visar apenas um financiamento, quantas
vezes pouco lógico, pois financia o acessório e menospreza o essencial.
As IPSS e entidades de economia social,
deveriam ter um modelo de gestão próprio, democrático, de qualidade e equidade
sustentável, em que a apresentação de contas fosse transparente e inequívoca,
para que deixassem de se transformar as pseudo-cooperativas em empresas
familiares, geridas por interesses privados, ou mesmo em autênticas empresas do
estado (pela sua total dependência).
Claro que há organizações fantásticas que
muito fazem pelos outros, mas o assistencialismo, por mais generoso que seja,
não promove o crescimento real de um país. As relações
económicas e sociais que têm vindo a propiciar a sobrevivência, têm que ser
fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais
que coloquem o ser humano como sujeito e finalidade da actividade económica, em
vez de se centrarem na acumulação privada de riqueza em geral e de capital em
particular. É preciso devolver a dignidade e a auto-estima às
pessoas, devolvendo-lhe a esperança e a capacidade de sonhar e não as tornando
dependentes de subsídios e de ajudas humilhantes, de refeições sobrantes dos
outros, ou de cabazes com coisas que nem sabem como usar. Afinal quem é que
pode evocar os seus direitos, reclamar, reivindicar ou ter vontade de
participar em alguma coisa, quando não sabe o que vai pôr na mesa ao almoço,
como vai comprar o caderno ao filho, ou o remédio à avó, como irá pagar a água
e a luz, antes que lhas cortem, haverá capacidade e vontade anímica para mais
alguma coisa?
Com a pobreza extrema não são
apenas violados os Direitos Humanos, como é violentada também a nossa
Constituição, onde está o Princípio da Igualdade, plasmado no artigo 13º, que
afirma que “Todos os cidadãos têm a
mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
Chega de palavras de
conformismo e de falsas vitórias, Portugal precisa de construir um país de
Cidadãos, com capacidade real para se auto-sustentar e realizar e não de
promover a subserviência humilhante de gente que não pode viver pois gasta o tempo apenas a tentar sobreviver.
Maria Teresa Serrenho