"Quem não poupa água nem lenha, não poupa coisa que tenha"
Nunca foram tão modernas e actuais estas palavras sábias da
minha mãe que a sua avó lhe ensinou.
Temos hoje uma nova consciência
ambiental e de economia sustentável que invariavelmente nos conduz para a
sabedoria dos nossos avós e retomamos práticas de antigamente agora rotuladas
de revolucionárias e modernas.
Ter uma horta em casa e fazer
compostagem, consumir a fruta da época, a bonita e a feia, e nos tempos de
abundância fazer compota para a consumir mais tarde, comprar a granel na
mercearia do bairro e levar as compras embrulhadas em papel num saco que
levamos de casa, reparar um electrodoméstico antes de o enviar para o lixo e
comprar outro, pôr meias solas nos sapatos para andarem mais uns quilómetros, baixar
as bainhas das calças que assim vão servir mais uns meses e darão trabalho à
costureira, transformar as velhas t'shirts em panos de pó ou as calças de ganga
que se transformam em pegas para as panelas quentes entre tantos outros
exemplos de princípios que aprendi com a minha mãe e que hoje vejo anunciados
como exemplos ultra modernos importados dos países mais desenvolvidos.
Tem hoje grande sucesso o
comércio de artigos em segunda mão e proliferam as plataformas de trocas de
bens usados. Há um novo conceito de banco de horas que faz lembrar os vizinhos
que se ajudavam mutuamente, contribuindo cada um com aquilo que sabia fazer
melhor.
O vintage é moda. Aquilo que a
minha mãe aprendeu da sua avó e me ensinou toda a vida é agora apresentado à
geração dos meus filhos como uma revolução necessária para que os seus netos
recebam um planeta mais saudável.
Seguindo as melhores práticas dos
países desenvolvidos investimos milhões de euros a educar toda uma geração de
crianças a separar o lixo para permitir a sua reciclagem "tal como se faz
lá fora" e assim alimentar toda uma nova indústria florescente que nasceu
do lixo, literalmente. Mas esquecemos por demasiado tempo que, antes de
reciclar, podemos e devemos reutilizar!
Recordo que quando era criança se
devolviam as garrafas de vidro na mercearia para voltarem à fábrica onde seriam
reutilizadas. Às garrafas de vinho usadas retiravam-se os rótulos e eram
lavadas para se engarrafar o vinho novo. A reciclagem do vidro foi o primeiro
passo desta indústria em Portugal e ainda me lembro do meu espanto quando
apareceram os primeiros "vidrões" repletos de garrafas em perfeito
estado ... a caminho da destruição!
Depois do vidro passamos a
reciclar tudo, e bem! Mas tardamos a perceber que a reciclagem é o fim de vida
do bem e que no processo de transformação gastamos água e energia, vamos emitir
carbono e poluir ... enquanto alimentamos a milionária indústria da reciclagem.
Reutilizar
é a solução!
Hoje andamos satisfeitos ao
reutilizar os sacos de plástico do supermercado mas esquecemos o que levamos lá
dentro. As garrafas de cerveja, por exemplo, vêm embrulhadas em packs de 6 e
que por sua vez estão acondicionadas em embalagens plásticas de 24 que por sua
vez chegam ao supermercado em paletes revestidas por plástico, na melhor das
hipóteses vão parar ao vidrão e com elas todo o cartão e plástico que as
envolveu até chegar ao nosso saco reutilizável!
Já não é preciso ser visionário
para imaginar um supermercado onde se pode comprar a granel e devolver as embalagens
reutilizáveis...como antigamente.
Ver longe é assumir um conjunto
de políticas que promovam a reutilização dos bens e o prolongamento da sua vida
útil antes da sua imperativa reciclagem "tal como se faz lá fora".
Porque não investir já alguns milhões na educação para a reutilização com
direito a anúncios na televisão e sessões de esclarecimento e actividades
pedagógicas nas escolas, "tal como já se faz lá fora"?
Para quando o investimento de alguns milhões de euros em benefícios fiscais aos
sapateiros, costureiras, reparadores de electrodomésticos, restauradores de
mobiliário e de uma forma geral todas as profissões que promovam o
prolongamento da vida útil dos bens, "tal como já se faz lá fora"?
A ver pelo exemplo dos livros
escolares, este caminho não será fácil!
Com a desculpa dos eventuais
prejuízos causados à indústria livreira, demoramos 12 anos a compreender e
implementar a lei 47/2006 que prevê a reutilização dos livros escolares. Aquilo que aprendi em casa e que é para mim evidente e consensual, ainda hoje
não o é para muito boa gente.
Ninguém se lembraria de deitar ao
lixo o livro d'Os Maias depois do seu filho o ler na escola mas ninguém com
responsabilidade na educação se indignou com o facto de, ano após ano, milhares
de toneladas de livros escolares morrerem em caixotes do lixo depois de serem
lidos uma só vez. Os mesmos livros que ensinaram toda uma geração a separar o
lixo e reciclar!
Após 7 anos a promover a
reutilização dos livros escolares ainda fico surpreso com os obstáculos e
resistências que vou encontrando neste processo. Se compreendo facilmente o
desconforto das 2 empresas que compõe a indústria livreira em Portugal,
confesso que nunca imaginei quando me envolvi neste assunto que tantos políticos,
directores escolares, professores e (até) associações de pais se dispusessem a
defender cegamente os interesses da indústria livreira contra tudo o que são
hoje consideradas boas práticas ensinadas nas escolas onde os livros são
usados.
Escrevo este texto enquanto comemoro
mais um passo de gigante na caminhada rumo à reutilização universal dos livros
escolares - a extensão até ao 12º ano de escolaridade (apenas) no ensino
público, da gratuitidade e reutilização dos livros escolares. Não é o fim do
caminho mas é um grande avanço!
Dizem os jornais que "agora
os livros são grátis" e congratulam-se alguns partidos políticos chamando
a si os louros desta conquista. Enganam-se!
Esta vitória
é dos milhares de simples cidadãos e algumas (poucas) figuras públicas que nos
últimos 7 anos se organizaram para dar vida a centenas de bancos de partilha
gratuita de livros escolares fora das escolas e totalmente desligados do
corrupto sistema que durante 12 anos impediu o cumprimento da lei. Esta é
também uma vitória pessoal da Professora Alexandra Leitão que no exercício das
suas funções políticas de secretária de estado adjunta da educação lutou pela
implementação desta medida.
"Água
mole em pedra dura tanto bate até que fura" ensinou-me a minha mãe.
O
exemplo do movimento reutilizar.org prova que os cidadãos organizados em nome
de uma causa justa podem combater os interesses de qualquer indústria, por mais
poderosa que seja. Perante a determinação e luta persistente dos cidadãos os
políticos, por mais corruptos que sejam, logo virão atrás!
Henrique
Trigueiros Cunha18/10/2018