"Catarina Sarmento e Castro", por Agência Lusa, sob licença CC BY 3.0. |
A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 13 de Março, à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, pedindo urgência na finalização do inquérito que o Governo tem em curso sobre as suspeitas de abusos na atribuição da nacionalidade portuguesa ao abrigo da chamada "lei dos sefarditas". O inquérito, que incide sobre o Instituto dos Registos e Notariado (IRN), investiga as circunstâncias em que o oligarca russo Roman Abramovich adquiriu a nacionalidade portuguesa. As averiguações decorrem há mais de um ano, sem quaisquer conclusões ou avanços conhecidos.
O pedido da Frente Cívica surge na sequência de uma reportagem do jornal francês Le Monde que apresentou o sistema de naturalização ao abrigo da "lei dos sefarditas" como "O novo Eldorado do passaporte português". "A exposição reiterada de Portugal como porto seguro para criminosos internacionais envergonha os portugueses aos olhos do mundo. A repetição cíclica de notícias como esta devia convocar o Estado português ao urgentíssimo esclarecimento dos abusos à “lei dos sefarditas”.", escreve a Frente Cívica, na carta assinada pelo seu presidente, Paulo de Morais, e pelo vice-presidente João Paulo Batalha.
"Mais de um ano depois do início das averiguações internas no IRN, quantas mais notícias sairão na imprensa nacional e internacional, envergonhando o Estado português na Europa, até que tenhamos resultados da investigação em curso? Esta demora incompreensível no esclarecimento da verdade e na responsabilização dos envolvidos por parte do Governo traça o retrato de uma inércia cúmplice com os abusos", lamenta a Frente Cívica.
A associação pede à ministra da Justiça que assegure a celeridade do processo de averiguações e que, desde já, faça um ponto de situação público sobre o andamento das investigações, incluindo o prazo previsível para a sua conclusão. Pede-se também a suspensão de todos os processos de atribuição da nacionalidade portuguesa ao abrigo desta norma e que, em relação a Abramovich e outras figuras já identificadas em investigações jornalísticas, o Governo ateste a legalidade dos seus processos de naturalização, ou os anule, caso tenham violado a lei. A Frente Cívica pede ainda que seja publicada uma lista de todos os cidadãos naturalizados ou com processos pendentes ao abrigo da "lei dos sefarditas" que se enquadrem na definição de Pessoas Politicamente Expostas.
Anexa-se a carta enviada ao Governo, para conhecimento.
Exma. Sra. Ministra
da Justiça,
Prof. Doutora Catarina
Sarmento e Castro
Praça do Comércio
1149-019 Lisboa
gabinete.mj@mj.gov.pt
Assunto: Naturalização de descendentes
de judeus sefarditas
Data: 13 de Marco de
2023
Exma. Sra. Ministra da Justiça,
No final de Fevereiro passado, o jornal francês Le
Monde publicou uma reportagem sobre as suspeitas de abusos na naturalização de
descendentes de judeus sefarditas portugueses. O artigo[1] –
intitulado “Os segredos da corrida aos passaportes portugueses”, na versão
publicada online a 27 de Fevereiro, e “O novo Eldorado do passaporte
português”, na versão publicada pelo jornal no dia seguinte, 28 – reitera
suspeitas antigas sobre o modo como a “lei dos sefarditas” terá sido capturada
por uma rede criminosa, ao serviço de oligarcas corruptos e criminosos
internacionais, para a venda de passaportes de conveniência.
Estas suspeitas, agora expostas na imprensa
internacional, mais uma vez mancham a reputação de Portugal na Europa,
sobretudo face às responsabilidades do nosso país como membro do Espaço
Schengen. Ontem mesmo, o jornal Público dava conta de mais um potencial
beneficiário desta rede, o oligarca russo Gavril Yushvaev, cujo processo de naturalização
estará actualmente em tramitação, mau grado tratar-se de um cidadão com
cadastro criminal, sancionado pelo Estado ucraniano e referido pelo Estado
espanhol há vários anos como tendo relações próximas com o crime organizado[2].
A exposição reiterada de Portugal como porto seguro
para criminosos internacionais envergonha os portugueses aos olhos do mundo. A
repetição cíclica de notícias como esta devia convocar o Estado português ao
urgentíssimo esclarecimento dos abusos à “lei dos sefarditas”. No entanto,
questionado em Janeiro passado pela Rádio Renascença[3]
acerca da averiguação em curso no Instituto dos Registos e Notariado (IRN), o
Exmo. Sr. Secretário de Estado da Justiça, Dr. Pedro Ferrão Tavares, nada
adiantou quanto ao prazo para o fim destas averiguações, que decorrem há mais
de um ano, sem avanços conhecidos. Essas declarações nada acrescentam à
resposta que havia sido enviada à Frente Cívica a 8 de Agosto de 2022 sobre o
mesmo assunto, através do Ofício n.º 4825/2022, pela chefe de Gabinete do Exmo.
Sr. Secretário de Estado.
Exma. Sra. Ministra,
Mais de um ano depois do início das averiguações
internas no IRN, quantas mais notícias sairão na imprensa nacional e
internacional, envergonhando o Estado português na Europa, até que tenhamos resultados
da investigação em curso? Esta demora incompreensível no esclarecimento da
verdade e na responsabilização dos envolvidos por parte do Governo traça o
retrato de uma inércia cúmplice com os abusos.
Para que o interesse nacional e a reputação de Portugal
não continuem a sofrer, vimos pela presente requerer a V. Exa.:
1-
Que o inquérito em curso no IRN aos processos de
naturalização por descendência sefardita seja concluído no mais curto espaço de
tempo possível, sendo tornadas públicas as diligências efectuadas e as
conclusões a que chegue o dito procedimento;
2-
Que, sem prejuízo da urgência na conclusão desse
inquérito, o Governo faça, de imediato, um ponto de situação público sobre o
mesmo, indicando, mesmo que brevemente, que diligências foram já tomadas, que
dados relevantes foram apurados e qual a expectactiva temporal para a conclusão
do inquérito;
3-
Que qualquer decisão de atribuição da nacionalidade
portuguesa respeitante a processos de naturalização pendentes seja suspensa até
à conclusão do inquérito;
4-
Que o Governo ateste a legalidade da naturalização dos
cidadãos já identificados em investigações jornalísticas, nomeadamente Roman
Abramovich e Andrei Rappoport; ou que, em caso de ser ilegal ou fraudulenta a
naturalização destes cidadãos ou outros, seja suscitada a nulidade do acto e lhes
seja retirado o passaporte português;
5-
Que o Governo organize e publique uma lista de
beneficiários naturalizados ao abrigo desta norma, bem como de requerentes
cujos processos estejam ainda pendentes, que se integrem no conceito de Pessoas
Politicamente Expostas.
Somos, com os nossos cumprimentos,
Pela FRENTE CÍVICA,
Paulo de Morais, Presidente
João Paulo Batalha, Vice-Presidente
[1]
https://www.lemonde.fr/international/article/2023/02/27/les-secrets-de-la-ruee-sur-les-passeports-portugais_6163428_3210.html