Eleições Viciadas
A Lei Eleitoral para a Assembleia da República é inconstitucional. A sua aplicação em concreto leva a situações aberrantes: há deputados que são eleitos com um quarto dos votos de outros. E há centenas de milhares de votos que nem têm expressão parlamentar; os que resultam da soma dos votos que não elegem, em cada círculo, qualquer deputado. Os resultados estão viciados, logo à partida.
Esta situação resulta dum
processo eleitoral ultrapassado pela realidade, mas que os parlamentares não
querem alterar, apenas para manterem os seus privilégios. Se fosse respeitada a
Constituição, a geografia parlamentar seria bem diferente. Partidos como o
Livre, o PDR ou o MPT teriam assento parlamentar. O PSD, o CDS e PS teriam
menos deputados.
Rezam os artigos 149.º e 288.º
da Lei fundamental que os partidos devem ter uma proporção de deputados
equivalente ao número de votos. Mas tal não acontece, nem de perto, nem
de longe. Os deputados da Coligação PSD/PP foram eleitos com apenas vinte mil
votos cada; mas já o Bloco de Esquerda precisou de trinta mil. E o único
deputado do PAN necessitou mesmo de setenta e cinco mil votos para a sua
eleição, quase quatro vezes mais do que os deputados social-democratas. Há
mesmo partidos que, apesar de terem muitos mais votos do que os vinte mil que
elegeram os deputados da coligação ganhadora, não estão representados no
Parlamento.
A ser garantida a
proporcionalidade do sistema eleitoral, que poderia ser conseguida com a
criação de um círculo nacional de compensação, o PDR e o MRPP deveriam ter uma
representação de dois deputados; e até o Livre, ou o MPT deveriam ter assento
parlamentar. Mas ficam de fora. Inconstitucionalmente. Os lugares a que tinham
legitimamente direito serão ocupados por deputados sem representatividade, mas
que pertencem aos partidos que dominam o sistema — PSD, CDS, PS.
Curiosamente, Bloco de
Esquerda e Partido Comunista, apesar de prejudicados, não reclamam. Talvez porque
preferem assumir o prejuízo, com a garantia de que outros pequenos partidos,
como o Livre, não lhes vêm disputar o protagonismo parlamentar.
É assim o mercado eleitoral
português: os maiores partidos apropriam-se da expressão eleitoral dos mais
pequenos, num inadmissível abuso de posição dominante. E os pequenos, em vez de
se defenderem, mantêm os ainda mais pequenos no ostracismo, apesar de estes
representarem centenas de milhares de eleitores.
Gorada que parece estar a
possibilidade de o Parlamento afinar, como deveria, a Lei Eleitoral, garantindo
a sua constitucionalidade – resta aguardar que o Presidente da República
suscite a questão da constitucionalidade; ou, em alternativa, que o faça a
Provedora de Justiça, que já foi para tal devidamente alertada pela Direcção da
Frente Cívica.