Audiência com a Sr.ª Provedora de Justiça - Assunto: Proporcionalidade do Sistema Eleitoral Português
A Direcção da Frente Cívica,
em reunião de 4 de Abril, solicitou à Provedora de Justiça, que requeresse,
perante o competente órgão, a declaração de inconstitucionalidade da Lei
Eleitoral da Assembleia da República em vigor, que vem conduzindo a situações
que, na prática, violam o princípio constitucional da proporcionalidade do
sistema eleitoral. A delegação da Frente Cívica era constituída pelo seu
Presidente, Paulo Morais, Vice-Presidente, Maria Teresa Serrenho e Alberto
Fróis que entregaram à Senhora Provedora Maria Lúcia Amaral o documento
justificativo da nossa pretensão. Neste documento se explica que a Lei
Eleitoral viola a Constituição, pelo que tem de ser urgentemente alterada.
Documentos entregues:
Documento Principal
Senhora Provedora de
Justiça
Excelência
Os signatários vêm, em
representação da Frente Cívica, expor a Vossa Excelência o que segue, impetrando
se digne promover o que for de direito para adequar os normativos ordinários à Lei
Fundamental, como se tem por elementar e para que o mandamento constitucional
se cumpra sem eventuais desvios de natureza tanto formal quanto substancial:
1.º
Constituição da
República Portuguesa consagra o princípio da proporcionalidade do sistema
eleitoral nas eleições legislativas.
2.º
Tal princípio deve ser
respeitado, quer na distribuição dos mandatos pelos círculos eleitorais, quer
na atribuição dos mandatos pelas forças políticas concorrentes em cada círculo:
assim o determina o artigo 149 da Constituição da República, nos seus n.ºs 2 e
1, respectivamente.
3.º
Princípio constitucional que
é, aliás, reforçado, qual norma pétrea, pelo artigo 288 da Lei Fundamental ao estabelecer:
“As leis de revisão constitucional terão de respeitar: (…) o sistema de
representação proporcional”.
4.º
Ocorre, no entanto, que a
aplicação em concreto da Lei Eleitoral da Assembleia da República (LEAR), em
vigor, vem conduzindo a situações que, na prática, violam o princípio da
proporcionalidade do sistema eleitoral.
5.º
De facto, “a utilização
do Método de Hondt na atribuição do número de mandatos a cada círculo eleitoral
distorce acentuadamente a proporcionalidade da representatividade dos eleitos
relativamente ao número de eleitores. Acresce que este desvio é favorável aos
grandes círculos eleitorais, já de si sobre-representados.
6.º
A título meramente
exemplificativo, registe-se que nas eleições de 2015, o Método de Hondt
resultou em cerca de 40 mil eleitores por mandato nos grandes círculos do
litoral, enquanto nos do interior foram necessários cerca de 50 mil eleitores
para atingir um mandato atribuído” (cfr. Anexo I).
7.º
Este fenómeno de desvio à
proporcionalidade agrava-se aquando da atribuição de mandatos às diversas
forças concorrentes, como segue:
8.º
“Considerando os
resultados de 2015, verifica-se que a coligação PàF elegeu um deputado por cada
19 917 votos e, no outro extremo, o deputado eleito do PAN terá valido 74 656
votos” (cfr. ainda o anexo I).
9.º
Acresce que esta forma de
atribuição de mandatos leva à existência de um número significativo de votos
que não revertem para a eleição de qualquer deputado.
10.º
Com efeito, “existem 5
listas que obtiveram mais do que 22 000 votos cada uma e não elegeram qualquer
deputado. Juntando os votos de cada um dos círculos eleitorais do território
nacional nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse círculo,
verificamos que cerca de 10% dos votos (509 467 em 5 175 499) não tiveram
qualquer efeito no resultado eleitoral” (cfr., por obséquio, o Anexo
referenciado).
11.º
A solução dos problemas neste
passo enunciados obter-se-ia com uma simples alteração à LEAR no sentido em que
o estudo constante do anexo singularmente preconiza.
12.º
Por um lado, a proporcionalidade
na distribuição dos mandatos pelos círculos seria obtida pela substituição do Método
de Hondt pelo do Quociente Eleitoral, a saber:
13.º
“A substituição do Método
de Hondt, desenvolvido para converter votos e não eleitores em mandatos, por
uma proporcionalidade directa entre o número de mandatos e o número de
eleitores de cada círculo, permitiria atenuar este desvio” (explanação
constante do assinalado Anexo).
14.º
Complementarmente, “a
existência de um círculo nacional de compensação permitiria juntar todos os
votos numa única série de quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção
entre o número de votos e de eleitos. O círculo nacional teria por objectivo
mitigar o enviesamento imposto pelo Método de Hondt e constituiria uma forma de
considerar todos os votos de forma efectiva, independentemente do círculo
eleitoral em que é exercido” (cfr. ainda o Anexo).
Ante o exposto, vêm os
signatários, para tanto mandatados, rogar a Vossa Excelência, Senhora Provedora
de Justiça, se digne, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 281 da
Constituição da República Portuguesa, requerer perante o competente órgão de
judicatura a declaração de inconstitucionalidade dos artigos cuja enumeração
segue:
12º (círculos
eleitorais),
13º (número e
distribuição de deputados) e
16º (critério de eleição)
da Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio e
posteriores alterações).
Lisboa, aos 4 de Abril de
2018
Em representação d’ A
FRENTE CÍVICA,
Paulo de Morais Maria
Teresa Serrenho
Anexo I
Correção de desvios à proporcionalidade da representatividade eleitoral na Assembleia da República
Desvios na distribuição de mandatos
por círculos eleitorais
Para a eleição dos deputados à
Assembleia da República, representantes dos cidadãos eleitores residentes em
território nacional (226 mandatos), a utilização do método de Hondt na
atribuição do número de mandatos a cada círculo eleitoral distorce acentuadamente
a proporcionalidade da representatividade dos eleitos relativamente ao número
de eleitores. Acresce que este desvio é favorável aos grandes círculos
eleitorais, já de si sobre-representados. No caso das eleições de 2015, o
método de Hondt resultou em cerca de 40 mil eleitores por mandato nos grandes
círculos do litoral, enquanto que nos círculos do interior são necessários
cerca de 50 mil eleitores para atingir um mandato atribuído.
Círculo eleitoral
|
Nº eleitores recenseados (e)
|
Nº Mandatos (m)
|
e/m
|
Setúbal
|
725 783
|
18
|
40.321
|
Lisboa
|
1 901 335
|
47
|
40.454
|
Porto
|
1 591 762
|
39
|
40.814
|
Aveiro
|
653 541
|
16
|
40.846
|
Guarda
|
163 508
|
4
|
40.877
|
Faro
|
370 882
|
9
|
41.209
|
Viseu
|
371 991
|
9
|
41.332
|
Braga
|
787 706
|
19
|
41.458
|
Viana do Castelo
|
253 271
|
6
|
42.212
|
Leiria
|
423 865
|
10
|
42.387
|
Madeira
|
255 748
|
6
|
42.625
|
Beja
|
128 971
|
3
|
42.990
|
Coimbra
|
391 029
|
9
|
43.448
|
Santarém
|
393 387
|
9
|
43.710
|
Castelo Branco
|
181 459
|
4
|
45.365
|
Açores
|
227 486
|
5
|
45.497
|
Vila Real
|
228 399
|
5
|
45.680
|
Évora
|
141 443
|
3
|
47.148
|
Bragança
|
147 485
|
3
|
49.162
|
Portalegre
|
101 246
|
2
|
50.623
|
Proposta de Solução, tendo em vista
o cumprimento do princípio da proporcionalidade do número de deputados por
círculo relativamente ao de cidadãos eleitores nele inscritos – nos termos
consagrados na Constituição da República Portuguesa:
A substituição do método de Hondt,
desenvolvido para converter votos e não eleitores em mandatos, por uma
proporcionalidade direta entre o número de mandatos e o número de eleitores de
cada círculo, permitiria atenuar este desvio. Tendo por base estes mesmos
cadernos eleitorais, esta alteração resultaria na diminuição de 1 mandato em
cada um dos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal; em contrapartida, os círculos
de Açores, Bragança e Vila Real ganhariam um mandato cada um.
Desvios na atribuição de lugares por
listas
A utilização do método de Hondt
aplicado a cada um dos círculos eleitorais distorce objetivamente a
proporcionalidade em favor das listas mais votadas por forma a potenciar a governabilidade.
Por outro lado, o objetivo da inclusividade que todo o sistema eleitoral deve
também atender fica enviesado quando há círculos eleitorais de dimensão muito
variada.
Considerando os resultados de 2015,
verifica-se que a coligação PàF elegeu um deputado por cada 19 917 votos e, no
outro extremo, o deputado eleito do PAN vale 74 656 votos. Para além disso,
existem 5 listas que obtiveram mais do que 22 mil votos cada uma e não elegeram
qualquer deputado. Juntando os votos de cada um dos círculos eleitorais do
território nacional nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse
círculo, verificamos que cerca de 10% dos votos (509 467 em 5 175 499) não
tiveram qualquer efeito no resultado eleitoral.
Lista
|
Nº de
votos
|
CDU
|
86.112
|
BE
|
75.587
|
PDR
|
60.912
|
PCTP/MRPP
|
59.812
|
PAN
|
52.073
|
LIVRE
|
38.958
|
PNR
|
27.104
|
MPT
|
22.384
|
AGIR
|
20.690
|
Nós/Cidadãos
|
18.695
|
PPM
|
14.799
|
JPP
|
14.196
|
PURP
|
13.739
|
PPV/CDC
|
2.658
|
PTP
|
1.748
|
TOTAL
|
509.467
|
Proposta de Solução para assegurar o
sistema de representação proporcional, nos termos consagrados na Constituição
da República Portuguesa:
A existência de um círculo nacional
de compensação, permitiria juntar todos os votos numa única série de
quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção entre o número de votos e de
eleitos. O círculo nacional teria por objectivo mitigar o enviesamento imposto
pelo método de Hondt e constituiria uma forma de considerar todos os votos de
forma efectiva, independentemente do círculo eleitoral em que é exercido. Na
tabela seguinte apresentam-se dois cenários, ambos com base nos resultados de
2015, um com um círculo nacional com 11 deputados (5% do total) e outro com 22
(10%).
Resultados de 2015
|
Círculo Nacional c/ 11 deputados
|
Círculo Nacional c/ 22 deputados
|
|||||
Lista
|
Nº de votos (v)
|
Nº de deputados (d)
|
v/d
|
d
|
v/d
|
d
|
v/d
|
PáF
|
2 071 376
|
104
|
19 917
|
100
|
20 714
|
94
|
22 036
|
PS
|
1 740 300
|
85
|
20 474
|
81
|
21 485
|
78
|
22 029
|
BE
|
549 153
|
19
|
28 903
|
21
|
26 150
|
24
|
22 881
|
CDU
|
444 319
|
17
|
26 136
|
16
|
27 770
|
20
|
22 216
|
PAN
|
74 656
|
1
|
74 656
|
2
|
37 328
|
3
|
24 885
|
PDR
|
60 912
|
0
|
2
|
30 456
|
2
|
30 456
|
|
PCTP/MRPP
|
59 812
|
0
|
2
|
29 906
|
2
|
29 906
|
|
LIVRE
|
38 958
|
0
|
1
|
38 958
|
1
|
38 958
|
|
PNR
|
27 104
|
0
|
1
|
27 104
|
1
|
27 104
|
|
MPT
|
22 384
|
0
|
0
|
1
|
22 384
|
Porto, Março de 2018
José Matos, Professor Coordenador,
Instituto Superior de Engenharia do Porto e Centro de Matemática da
Universidade do Porto
Paulo B. Vasconcelos, Professor
Auxiliar com Agregação, Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Centro
de Matemática da Universidade do Porto