quinta-feira, 5 de abril de 2018

Audiência com a Sr.ª Provedora de Justiça - Assunto: Proporcionalidade do Sistema Eleitoral Português



Audiência com a Sr.ª Provedora de Justiça - Assunto: Proporcionalidade do Sistema Eleitoral Português

A Direcção da Frente Cívica, em reunião de 4 de Abril, solicitou à Provedora de Justiça, que requeresse, perante o competente órgão, a declaração de inconstitucionalidade da Lei Eleitoral da Assembleia da República em vigor, que vem conduzindo a situações que, na prática, violam o princípio constitucional da proporcionalidade do sistema eleitoral. A delegação da Frente Cívica era constituída pelo seu Presidente, Paulo Morais, Vice-Presidente, Maria Teresa Serrenho e Alberto Fróis que entregaram à Senhora Provedora Maria Lúcia Amaral o documento justificativo da nossa pretensão. Neste documento se explica que a Lei Eleitoral viola a Constituição, pelo que tem de ser urgentemente alterada.

Documentos entregues:


Documento Principal


Senhora Provedora de Justiça 

Excelência
 Os signatários vêm, em representação da Frente Cívica, expor a Vossa Excelência o que segue, impetrando se digne promover o que for de direito para adequar os normativos ordinários à Lei Fundamental, como se tem por elementar e para que o mandamento constitucional se cumpra sem eventuais desvios de natureza tanto formal quanto substancial:
1.º
Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da proporcionalidade do sistema eleitoral nas eleições legislativas.
2.º
Tal princípio deve ser respeitado, quer na distribuição dos mandatos pelos círculos eleitorais, quer na atribuição dos mandatos pelas forças políticas concorrentes em cada círculo: assim o determina o artigo 149 da Constituição da República, nos seus n.ºs 2 e 1, respectivamente.
3.º
Princípio constitucional que é, aliás, reforçado, qual norma pétrea, pelo artigo 288 da Lei Fundamental ao estabelecer: “As leis de revisão constitucional terão de respeitar: (…) o sistema de representação proporcional”.
4.º
Ocorre, no entanto, que a aplicação em concreto da Lei Eleitoral da Assembleia da República (LEAR), em vigor, vem conduzindo a situações que, na prática, violam o princípio da proporcionalidade do sistema eleitoral.
5.º
De facto, “a utilização do Método de Hondt na atribuição do número de mandatos a cada círculo eleitoral distorce acentuadamente a proporcionalidade da representatividade dos eleitos relativamente ao número de eleitores. Acresce que este desvio é favorável aos grandes círculos eleitorais, já de si sobre-representados.
6.º
A título meramente exemplificativo, registe-se que nas eleições de 2015, o Método de Hondt resultou em cerca de 40 mil eleitores por mandato nos grandes círculos do litoral, enquanto nos do interior foram necessários cerca de 50 mil eleitores para atingir um mandato atribuído” (cfr. Anexo I).
7.º
Este fenómeno de desvio à proporcionalidade agrava-se aquando da atribuição de mandatos às diversas forças concorrentes, como segue:
8.º
“Considerando os resultados de 2015, verifica-se que a coligação PàF elegeu um deputado por cada 19 917 votos e, no outro extremo, o deputado eleito do PAN terá valido 74 656 votos” (cfr. ainda o anexo I).
9.º
Acresce que esta forma de atribuição de mandatos leva à existência de um número significativo de votos que não revertem para a eleição de qualquer deputado.
10.º
Com efeito, “existem 5 listas que obtiveram mais do que 22 000 votos cada uma e não elegeram qualquer deputado. Juntando os votos de cada um dos círculos eleitorais do território nacional nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse círculo, verificamos que cerca de 10% dos votos (509 467 em 5 175 499) não tiveram qualquer efeito no resultado eleitoral” (cfr., por obséquio, o Anexo referenciado).
11.º
A solução dos problemas neste passo enunciados obter-se-ia com uma simples alteração à LEAR no sentido em que o estudo constante do anexo singularmente preconiza.
12.º
Por um lado, a proporcionalidade na distribuição dos mandatos pelos círculos seria obtida pela substituição do Método de Hondt pelo do Quociente Eleitoral, a saber:
13.º
“A substituição do Método de Hondt, desenvolvido para converter votos e não eleitores em mandatos, por uma proporcionalidade directa entre o número de mandatos e o número de eleitores de cada círculo, permitiria atenuar este desvio” (explanação constante do assinalado Anexo).
14.º
Complementarmente, “a existência de um círculo nacional de compensação permitiria juntar todos os votos numa única série de quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção entre o número de votos e de eleitos. O círculo nacional teria por objectivo mitigar o enviesamento imposto pelo Método de Hondt e constituiria uma forma de considerar todos os votos de forma efectiva, independentemente do círculo eleitoral em que é exercido” (cfr. ainda o Anexo).
Ante o exposto, vêm os signatários, para tanto mandatados, rogar a Vossa Excelência, Senhora Provedora de Justiça, se digne, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 281 da Constituição da República Portuguesa, requerer perante o competente órgão de judicatura a declaração de inconstitucionalidade dos artigos cuja enumeração segue:
12º (círculos eleitorais),
13º (número e distribuição de deputados) e
16º (critério de eleição) da Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio e posteriores alterações).
Lisboa, aos 4 de Abril de 2018

Em representação d’ A FRENTE CÍVICA,

Paulo de Morais                                 Maria Teresa Serrenho


Anexo I


Correção de desvios à proporcionalidade da representatividade eleitoral na Assembleia da República


Desvios na distribuição de mandatos por círculos eleitorais
Para a eleição dos deputados à Assembleia da República, representantes dos cidadãos eleitores residentes em território nacional (226 mandatos), a utilização do método de Hondt na atribuição do número de mandatos a cada círculo eleitoral distorce acentuadamente a proporcionalidade da representatividade dos eleitos relativamente ao número de eleitores. Acresce que este desvio é favorável aos grandes círculos eleitorais, já de si sobre-representados. No caso das eleições de 2015, o método de Hondt resultou em cerca de 40 mil eleitores por mandato nos grandes círculos do litoral, enquanto que nos círculos do interior são necessários cerca de 50 mil eleitores para atingir um mandato atribuído.
Círculo eleitoral
Nº eleitores recenseados (e)
Nº Mandatos (m)
e/m
Setúbal
 725 783
18
40.321
Lisboa
1 901 335
47
40.454
Porto
1 591 762
39
40.814
Aveiro
 653 541
16
40.846
Guarda
 163 508
4
40.877
Faro
 370 882
9
41.209
Viseu
 371 991
9
41.332
Braga
 787 706
19
41.458
Viana do Castelo
 253 271
6
42.212
Leiria
 423 865
10
42.387
Madeira
 255 748
6
42.625
Beja
 128 971
3
42.990
Coimbra
 391 029
9
43.448
Santarém
 393 387
9
43.710
Castelo Branco
 181 459
4
45.365
Açores
 227 486
5
45.497
Vila Real
 228 399
5
45.680
Évora
 141 443
3
47.148
Bragança
 147 485
3
49.162
Portalegre
 101 246
2
50.623

Proposta de Solução, tendo em vista o cumprimento do princípio da proporcionalidade do número de deputados por círculo relativamente ao de cidadãos eleitores nele inscritos – nos termos consagrados na Constituição da República Portuguesa:
A substituição do método de Hondt, desenvolvido para converter votos e não eleitores em mandatos, por uma proporcionalidade direta entre o número de mandatos e o número de eleitores de cada círculo, permitiria atenuar este desvio. Tendo por base estes mesmos cadernos eleitorais, esta alteração resultaria na diminuição de 1 mandato em cada um dos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal; em contrapartida, os círculos de Açores, Bragança e Vila Real ganhariam um mandato cada um.


Desvios na atribuição de lugares por listas
A utilização do método de Hondt aplicado a cada um dos círculos eleitorais distorce objetivamente a proporcionalidade em favor das listas mais votadas por forma a potenciar a governabilidade. Por outro lado, o objetivo da inclusividade que todo o sistema eleitoral deve também atender fica enviesado quando há círculos eleitorais de dimensão muito variada.
Considerando os resultados de 2015, verifica-se que a coligação PàF elegeu um deputado por cada 19 917 votos e, no outro extremo, o deputado eleito do PAN vale 74 656 votos. Para além disso, existem 5 listas que obtiveram mais do que 22 mil votos cada uma e não elegeram qualquer deputado. Juntando os votos de cada um dos círculos eleitorais do território nacional nas listas que não elegeram qualquer deputado nesse círculo, verificamos que cerca de 10% dos votos (509 467 em 5 175 499) não tiveram qualquer efeito no resultado eleitoral.

Lista
Nº de votos
CDU
86.112
BE
75.587
PDR
60.912
PCTP/MRPP
59.812
PAN
52.073
LIVRE
38.958
PNR
27.104
MPT
22.384
AGIR
20.690
Nós/Cidadãos
18.695
PPM
14.799
JPP
14.196
PURP
13.739
PPV/CDC
2.658
PTP
1.748
TOTAL
509.467


Proposta de Solução para assegurar o sistema de representação proporcional, nos termos consagrados na Constituição da República Portuguesa:
A existência de um círculo nacional de compensação, permitiria juntar todos os votos numa única série de quocientes, corrigindo parcialmente a desproporção entre o número de votos e de eleitos. O círculo nacional teria por objectivo mitigar o enviesamento imposto pelo método de Hondt e constituiria uma forma de considerar todos os votos de forma efectiva, independentemente do círculo eleitoral em que é exercido. Na tabela seguinte apresentam-se dois cenários, ambos com base nos resultados de 2015, um com um círculo nacional com 11 deputados (5% do total) e outro com 22 (10%).



Resultados de 2015
Círculo Nacional c/ 11 deputados
Círculo Nacional c/ 22 deputados
Lista
Nº de votos (v)
Nº de deputados (d)
v/d
d
v/d
d
v/d
PáF
2 071 376
104
19 917
100
20 714
94
22 036
PS
1 740 300
85
20 474
81
21 485
78
22 029
BE
549 153
19
28 903
21
26 150
24
22 881
CDU
444 319
17
26 136
16
27 770
20
22 216
PAN
74 656
1
74 656
2
37 328
3
24 885
PDR
60 912
0

2
30 456
2
30 456
PCTP/MRPP
59 812
0

2
29 906
2
29 906
LIVRE
38 958
0

1
38 958
1
38 958
PNR
27 104
0

1
27 104
1
27 104
MPT
22 384
0

0

1
22 384


Porto, Março de 2018
José Matos, Professor Coordenador, Instituto Superior de Engenharia do Porto e Centro de Matemática da Universidade do Porto
Paulo B. Vasconcelos, Professor Auxiliar com Agregação, Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Centro de Matemática da Universidade do Porto