quinta-feira, 12 de abril de 2018

Janela da Frente - Fortes com os fracos, fracos com os fortes - Maria Teresa Serrenho


Fortes com os fracos, fracos com os fortes

“Fortes com os fracos, fracos com os fortes” infelizmente, esta é uma afirmação que se encontra hoje banalizada, quer seja aplicada à justiça, quer à relação do estado com o cidadão, nas suas várias vertentes.
Foi com grande indignação que vi, no dia 29 de Março de 2018, a notícia onde se constata que o Tribunal substituiu a multa aplicada à Celtejo por uma admoestação.
A “poderosa” empresa de celulose recorreu judicialmente de dois processos já decididos, onde lhes tinha sido aplicada uma coima de 12.500 euros, tendo esta sido reduzida a 6000 euros e finalmente acaba com uma repreensão escrita!
Francamente, o Tejo é um BEM COMUM! Comum não só aos que habitam nas suas margens, não só a Portugal e Espanha, o Tejo é um recurso hídrico importante, em última análise da Humanidade.
Todas as agressões ao ambiente e de um modo especial as relacionadas com a água, devem constituir uma matéria prioritária de fiscalização e punição aos prevaricadores.
No entanto a aplicação da Lei deveria ser justa e proporcional. A cada escalão classificativo de gravidade das contra-ordenações, corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau de culpa. A título de exemplo: se um pequeno agricultor não cobre imediatamente um monte de estrume (justificando que este tem que respirar pois pode incendiar) é multado em mais de 2000€ e paga!
Se outro deixa verter, mesmo que inadvertidamente, parte de uma lata de óleo para uma regueira, para além da multa pecuniária, tem que limpar, ou mandar limpar devidamente os resíduos que possam ter ficado, e paga e limpa.
Um pescador profissional ou mesmo amador, que apanha um peixe ou dois fora das medidas regulamentadas, é multado e paga a devida coima.
Mas uma empresa que mata milhões de peixes, suja as margens do rio de uma forma inimaginável, polui as barragens, prejudica as populações que vivem do rio e fica impune.
Não foi por falta de evidências ou de provas que o poder judicial modificou a penalização da Celtejo, não foram cumpridos os limites de descarga de efluentes a que estava obrigada e foram definidas pelo Governo restrições de descargas no rio à Celtejo.
Portugal é pródigo em leis e normativos, não há falta de legislação, temos o direito internacional geral, a Constituição da República Portuguesa, leis de valor reforçado, leis e decretos-leis, decretos legislativos regionais, e regulamentos gerais (do Estado) e ainda regulamentos regionais e regulamentos locais, não será, pois, por falta de suporte legislativo que não são punidos os prevaricadores.
A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (com as várias alterações introduzidas) é a lei quadro das contra-ordenações ambientais e estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais e do ordenamento do território.
O Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio  estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos, a Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro (Directiva Quadro da Água), e estabeleceu as bases para a gestão sustentável das águas e o quadro institucional para o respectivo sector, assente no princípio da região hidrográfica como unidade principal de planeamento e gestão, tal como imposto pela mencionada directiva.

Só nestes dois parágrafos pode dar-se conta da panóplia legislativa portuguesa nesta área, mas é preciso muito mais que isso, é preciso que haja vontade política, é preciso que as entidades que fiscalizam directamente tenham autoridade para actuar e não sejam depois desautorizadas por determinações dos Tribunais e das pressões políticas, quer locais quer nacionais.

Uma empresa de grande dimensão é responsável pela morte de milhares de peixes, é responsável pela degradação de um bem precioso, mata literalmente um rio internacional durante semanas a fio. Rio que para além de regar os terrenos nas suas margens, abastece de água a casa de muitos cidadãos e o mal que aí pode fazer não é mensurável, nem é possível de provar e a relação causal nunca será provada no aparecimento de doenças da população.
O argumento de que estas empresas são geradoras de emprego e de riqueza, os lucros e as bolsas de valor, não podem colocar para segundo plano a verdadeira riqueza de um país, as suas terras, as suas paisagens, as suas águas e as suas gentes.
É tempo de nos indignarmos, não podemos ser espectadores, é tempo de agir!
Maria Teresa Serrenho