Abril e a “Democracia de Oz”
O Portugal de hoje, país de
brandos costumes, tolerante até no esquecimento, continua a celebrar Abril sob
a matriz identitária da “Revolução”, contudo nada mudou, exceção feita às
liberdades conquistadas, aquelas que me permitem em Democracia, sem lápis azul,
levar até vós a reflexão, a fábula que vos proponho, a “Democracia de Oz”, uma
certa analogia entre a “morte” politicamente assistida da democracia e o filme que
desde 1939 tem encantado gerações, “O Feiticeiro de OZ”.
Decorridos quarenta e quatro anos
sobre o 25 de Abril, quase tantos quantos os da ditadura do Estado Novo,
Portugal e os portugueses pouco mudaram, continuam impávidos e serenos a
assistir à morte lenta da Democracia, fruto de múltiplos entraves, mas
fundamentalmente fruto de uma assumida inércia coletiva, um divórcio entre os
valores que a democracia assume e a prática democrática de alguns dos seus
atores.
Essa é a razão pela qual decidi recuperar essa formula mágica com que Frank Baum explicou às crianças a magia do bem e do mal, para com idêntico propósito vos explicar “A Democracia de Oz”, um conto para adultos, que convosco partilho para nele refletir um conjunto de valores da moral e da ética política desta nossa sociedade, supostamente democrática, mas que simultaneamente vem perdendo referências ideológicas.
Portugal, “Terra de Oz”, este país à beira-mar plantado, no extremo ocidental da Europa, onde se inscreve a democracia, em que “os animais selvagens falam, os sapatos dourados têm poderes mágicos e algumas bondosas bruxas oferecem proteção em troca de um beijo”, tem estado à mercê de uma casta de “malfeitores”, que à sombra da representação política e pela conivente ausência dos cidadãos, se tem permitido, sem ética e sem moral, transformar cada um de nós em “Espantalho, Lenhador de Lata ou Leão cobarde” que resignadamente espera que “O Feiticeiro de Oz” conceda a cada um aquilo que mais deseja, esse crescente individualismo, imagem de marca desta nossa sociedade, “A cidade das Esmeraldas”, a fábula da democracia.
Na “Cidade das Esmeraldas”, a fábula da democracia, os “animais selvagens falam e decidem”, em
beneficio próprio, obviamente, porque os cidadãos se afastam do espaço público,
demitem-se dos valores da cidadania e do sentido comunitário, representados na
crescente abstenção eleitoral, são excessivamente tolerantes perante a
ineficácia da justiça, os superiormente condenados continuam à solta, profundamente
indulgentes com a corrupção e evasão fiscal, as falência bancárias são pagas
com dinheiro dos cidadãos, em suma, permite-se que fruto de um assumido amorfismo
ganhe força a “erosão da solidariedade social” e impere a “Lei da Selva” em
detrimento dos valores da ética e da moral na política.
Aproveito as polémicas do
momento, os subsídios de deslocação dos deputados insulares e os valores das
mordomias que quase duplicam o salário dos deputados, para reforçar a ideia de “Lei
da Selva”, aquela que ao arrepio da ética e da moral permite a “algumas bondosas bruxas receber proteção em troca de um beijo ou
abraço”, à boa maneira do “supremo anestesista da nação”, que se esquiva
aos indispensáveis “rugidos” de “Rei
Leão” para evitar o confronto
institucional, mas não consegue evitar que alguns mídia tragam ao espaço público, o
escândalo, a pouca vergonha com que outros responsáveis políticos da hierarquia
do Estado se pronunciam, não para esclarecer mas para as lixiviar.
Não é apenas a primeira
obscenidade que me repugna pela forma como um qualquer deputado acumula dois
subsídios para realizar uma mesma deslocação, mas ainda, as escandalosas
mordomias auferidas pelos deputados em apoios extra salariais, ambas, vergonhosas
imoralidades, que considero mesmo ofensivas, quando comparadas com o valor do
salário mínimo nacional, auferido pela esmagadora maioria dos cidadãos
portugueses.
Lamento profundamente que, estes
comportamentos, ditos legais, mas visceralmente imorais, possam servir para
acentuar desigualdades entre cidadãos e classe política, transversais da
“esquerda” à “direita”, o que significa que os ideais e os valores, a ordem das
ideias, deixaram de ser o centro do debate político e a imoralidade na subjetividade
da ideologia se transformou em instrumento ao serviço do poder político. Esse é
o pernicioso caminho que tem conduzido outras sociedades a radicalismos.
A frase não é minha, mas “Será
que a ideologia se eclipsou?”
Essa incerteza, que para alguns
já se transformou em tese: “todos diferentes, apenas alguns iguais”, resulta da
navegação à vista, da inconsistência das governações experienciadas, da
arbitrariedade das decisões políticas, da ausência de enquadramento institucional
em decisões de curto prazo às quais falta uma visão mais alargada da sociedade
e dos cidadãos, sobretudo daqueles que
vivem no limiar da pobreza, a relativização das desigualdades sociais, atuais e
futuras, porque na “Democracia de Oz”, a cada um não é concedido aquilo que
mais precisa e deseja, mas sim, aquilo que a cada “feiticeiro” faz falta para se perpetuar no
poder, o voto.
É preciso, imperioso e urgente
que os cidadãos se revejam e exijam uma matriz de representação alicerçada em princípios
e valores inquestionáveis, que a sociedade seja conduzida a um espaço público
mobilizador dos cidadãos, que pugne pelo debate aberto e plural sobre os
desejáveis caminhos da governação, esses sim, os verdadeiros valores da
democracia que anualmente deveríamos celebrar.
Se pretendemos alargar os horizontes
da nossa cidadania, não nos podemos deixar vencer pelo imobilismo, muito menos
pelo “medo de existir”, temos de ser cidadãos ativos e disponíveis “para o combate aos problemas crónicos da
sociedade, capazes de denunciar os seus responsáveis, e lutar empenhadamente
pela sua solução.”
Sem “medos”, é essencial impedir
que ressuscitem os “fantasmas” do passado, expurgar os “fantasmas” do presente
e AGIR em Cidadania, se cremos construir um verdadeiro futuro em democracia.
Viva o 25 de Abril.
Viva Portugal.
Jorge Amaro
26/04/2018
Jorge Amaro
26/04/2018