Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro |
Associação escreve à ministra da Justiça pedindo urgência no inquérito interno às suspeitas de ilegalidades no Instituto de Registos e Notariado
A associação Frente Cívica escreveu esta quinta-feira, 21, à ministra da Justiça pedindo-lhe que suspenda todos os processos de naturalização pendentes ao abrigo da lei dos sefarditas, enquanto não for completado o inquérito interno anunciado em Janeiro às suspeitas de irregularidades no Instituto dos Registos e Notariado, que culminaram na atribuição da nacionalidade portuguesa ao oligarca russo Roman Abramovich.
A carta, a Frente Cívica lamenta a demora na conclusão do inquérito interno do Instituto dos Registos e Notariado, “numa matéria em que o Estado português está objectivamente sob suspeita, junto da opinião pública e das instâncias internacionais, de ter actuado de forma negligente – ou mesmo conivente – com a venda ilegal de passaportes de conveniência a um cidadão russo actualmente alvo de sanções da União Europeia”.
Por isso, a Frente Cívica pede à ministra Catarina Sarmento e Castro que complete com urgência o inquérito em curso e que, de imediato, faça um ponto de situação público sobre o andamento dessa investigação. A Frente Cívica pede ainda que sejam suspensos todos os processos de naturalização que estejam pendentes ao abrigo da lei que permite a atribuição da nacionalidade portuguesa por descendência sefardita e que seja publicada uma lista dos cidadãos já naturalizados ou requerentes da naturalização que correspondam à definição de Pessoas Politicamente Expostas.
A carta, assinada pelo presidente da Frente Cívica, Paulo de Morais, e pelo vice-presidente João Paulo Batalha, surge na sequência de notícias que davam conta de que, além de Roman Abramovich, também o oligarca russo Andrei Rappoport já terá obtido a nacionalidade portuguesa ao abrigo desta norma e que outros dois oligarcas, Lev Leviev e God Nisanov, estarão a aguardar a decisão dos seus processos por parte do Governo português. A Frente Cívica pede também que, independentemente do apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares no IRN, que depende do inquérito em curso, o Governo português confirme a legalidade dos processos de naturalização de Abramovich e Andrei Rappoport ou que, confirmando-se a ilegalidade desses processos, anule a atribuição da cidadania portuguesa aos dois oligarcas.
Abaixo, a carta enviada à ministra da Justiça na quinta-feira, 21 de Julho de 2022.
Exma. Sra. Ministra
da Justiça,
Prof. Doutora Catarina
Sarmento e Castro
Praça do Comércio
1149-019 Lisboa
Assunto: Naturalização de descendentes
de judeus sefarditas
Data: 21 de Julho de 2022
Exma. Sra. Ministra da Justiça,
A 19 de Abril passado escrevemos-lhe, em nome da
Frente Cívica, para expressar a nossa preocupação com o processo de
naturalização do oligarca russo Roman Abramovich, ao abrigo da norma que
permite a concessão da nacionalidade portuguesa a descendentes comprovados dos
judeus sefarditas expulsos do território nacional por édito do Rei D. Manuel I.
Expressámos nessa ocasião a nossa preocupação pela forma como o processo de
Roman Abramovich foi tramitado e decidido; e manifestámos o nosso sentido de
urgência quanto à necessidade de uma rápida conclusão do inquérito aberto a
propósito, no Instituto dos Registos e Notariado (IRN).
Infelizmente, desde então não só não tivemos
resposta de V. Exa. às nossas fundadas preocupações, como não nos chegou
notícia pública de que o inquérito do IRN tivesse chegado a quaisquer
conclusões ou apurado quaisquer responsabilidades numa matéria em que o Estado
português está objectivamente sob suspeita, junto da opinião pública e das
instâncias internacionais, de ter actuado de forma negligente – ou mesmo
conivente – com a venda ilegal de passaportes de conveniência a um cidadão
russo actualmente alvo de sanções da União Europeia.
É grave que tais suspeitas tardem em ser esclarecidas,
mas é mais grave ainda que novas suspeitas se avolumem quanto à tramitação de
processos de naturalização semelhantes. Com efeito, o jornal Público, na sua
edição desta quarta-feira, 20, reporta que outro oligarca russo, Andrei
Rappoport terá já obtido a nacionalidade portuguesa ao abrigo da mesma norma, e
dois outros, Lev Leviev e God Nisanov estarão a aguardar a decisão dos seus
processos por parte do Governo português[1].
Exma. Sra. Ministra,
É cada vez mais evidente que a naturalização de
Roman Abramovich não é um caso isolado e que um número indeterminado de outros
processos – potencialmente dezenas ou centenas – levantam as mesmas dúvidas de
lisura e legalidade, que estão aliás no centro de uma investigação criminal em
curso e que o Estado português tem a obrigação urgente de esclarecer, também no
plano político e administrativo.
Assim, vimos pela presente requerer a V. Exa.:
1-
Que o inquérito em curso no IRN aos processos de
naturalização por descendência sefardita seja concluído no mais curto espaço de
tempo possível, sendo tornadas públicas as diligências efectuadas e as
conclusões a que chegue o dito procedimento;
2-
Que, sem prejuízo da urgência na conclusão do inquérito
em curso, o Governo faça, de imediato, um ponto de situação público sobre o
mesmo, indicando, mesmo que brevemente, que diligências foram já tomadas, que
dados relevantes foram apurados e qual a expectactiva temporal para a conclusão
do inquérito;
3-
Que qualquer decisão de atribuição da nacionalidade
portuguesa respeitante a processos de naturalização pendentes seja suspensa até
à conclusão do inquérito em curso no IRN;
4-
Que, como já requerido ao Exmo. Sr. primeiro-ministro
em cartas remetidas pela Frente Cívica a 22 de Março e 17 de Maio do corrente,
o Governo ateste a legalidade e lisura da atribuição da nacionalidade
portuguesa a Roman Abramovich, publicando o parecer da Comunidade Israelita do
Porto e demais documentação de prova da descendência sefardita que, sendo
necessariamente documentação histórica, não está nem pode estar protegida por
sigilo de dados pessoais; ou que, em caso de ser ilegal ou fraudulento o processo
de naturalização deste cidadão, seja urgentemente suscitada a nulidade do acto
e retirado o passaporte português a Roman Abramovich;
5-
Que o mesmo procedimento seja também aplicado ao
processo de naturalização do cidadão Andrei Rappoport;
6-
Que o Governo organize e publique uma lista de
beneficiários naturalizados ao abrigo desta norma, bem como de requerentes
cujos processos estejam ainda pendentes, que se integrem no conceito de Pessoas
Politicamente Expostas.
Somos, com os nossos cumprimentos,
Pela FRENTE CÍVICA,
Paulo de Morais, Presidente
João Paulo Batalha, Vice-Presidente
[1]
“Mais um oligarca russo já é português e outros dois esperam por passaporte”,
Público, 20/07/2022, acessível em: https://www.publico.pt/2022/07/20/sociedade/noticia/oligarca-russo-ja-portugues-dois-esperam-passaporte-2014282