Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola Foto "70th Annual General Assembly Debate", por United Nations Photo, sob licença CC BY-NC-ND 2.0. |
A Frente Cívica escreveu esta segunda-feira, 22 de Maio de 2023, à Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, a pedir a reabertura das investigações por branqueamento de capitais visando o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que foram arquivados pelo procurador Orlando Figueira.
Lembrando que Figueira foi condenado por corrupção relacionada com o arquivamento das investigações contra Manuel Vicente, a associação pede explicações ao Ministério Público sobre o que foi feito, ou virá a ser feito, para reabrir os inquéritos "corruptamente arquivados", que investigavam suspeitas de lavagem de dinheiro por parte do ex-dirigente angolano, nomeadamente com a compra de imobiliário de luxo em Cascais, por perto de 4 milhões de euros.
"Dado que é implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa", lê-se na carta enviada pela Frente Cívica.
Anexa-se a missiva remetida à Procuradora-Geral da República.
Exma. Sra.
Procuradora-Geral da República,
Dra. Lucília Gago
Rua da Escola
Politécnica, n.º 140,
1269-269 Lisboa
Assunto: Suspeitas de branqueamento de
capitais envolvendo Manuel Vicente
Data: 22 de Maio de 2023
Exma. Sra. Procuradora-Geral,
Na última
quarta-feira, 18 de Maio, de acordo com informação saída na imprensa[1], o Supremo
Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso interposto pelo ex-procurador
Orlando Figueira, relacionado com o processo conhecido como “Operação Fizz”. O
indeferimento deste recurso abre finalmente caminho a que o mesmo magistrado
comece brevemente a cumprir a pena de prisão de seis anos e oito meses a que
foi condenado, em primeira instância, há já mais de quatro anos.
Em causa, como
seguramente se recorda, está a condenação de Orlando Figueira pelos crimes de
corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e
falsificação de documento, que implicaram o recebimento de vantagens
patrimoniais de mais de 760 mil euros, em troca do arquivamento de inquéritos
em que o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, era investigado por suspeitas
de branqueamento de capitais relacionadas, entre outras coisas, com a compra de
um apartamento no luxuoso complexo Estoril-Sol, em Cascais, por 3,8 milhões de
euros.
O trânsito em
julgado da condenação de Orlando Figueira torna definitiva a evidência de que
um procurador português se deixou corromper para arquivar inquéritos judiciais.
Na verdade, não era sequer necessário esperar por este último desenvolvimento
processual para aceitar essa conclusão. Tal evidência havia sido confirmada:
a)
pela
rejeição de um recurso do arguido junto do Tribunal Constitucional, em Dezembro
de 2022;
b)
pela
confirmação da sentença condenatória pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em
Novembro de 2021;
c)
e
pela condenação em primeira instância do magistrado, em Dezembro de 2018.
Mas, na verdade, o
Ministério Público português já estava convencido do carácter corrupto do
arquivamento dos inquéritos em causa quando deduziu acusação por esses mesmos
factos, em Fevereiro de 2017.
Em suma, o
Ministério Público português está convicto, há mais de seis anos, de que
importantes inquéritos por suspeitas de branqueamento de capitais foram
arquivados pelo procurador responsável no âmbito de um pacto corrupto. O corrompido
está condenado, mas corruptor também tem nome: é Manuel Vicente, beneficiário
dessa actuação corrupta de Orlando Figueira e que só não terá sido condenado
nos mesmos autos porque as autoridades judiciais portuguesas decidiram enviar a
acusação para julgamento no seu país de origem, Angola.
Exma. Sra.
Procuradora-Geral da República,
Com a evidência investigada
e confirmada, impõe-se perguntar porque não foram reabertos os inquéritos por
branqueamento de capitais que o Ministério Público e os tribunais portugueses,
nas várias instâncias, concluíram ter sido corruptamente arquivados. Dado que é
implausível – mesmo improvável – que um cidadão angolano, ex-vice-Presidente do
seu país, se expusesse a corromper um procurador da República de um Estado
estrangeiro para arquivar inquéritos em que fosse inocente, parece haver dados
mais do que suficientes para que as investigações ilegalmente arquivadas sejam
reabertas e Manuel Vicente responsabilizado, nos termos da lei portuguesa.
Assim, vimos por
este meio requerer a V. Exa. que nos informe, e ao país, que diligências foram
já tomadas, ou tenciona V. Exa. tomar, para reabrir os inquéritos em causa e
promover uma investigação honesta aos sérios indícios de crimes de
branqueamento de capitais potencialmente cometidos em Portugal pelo cidadão
angolano Manuel Vicente.
Com os melhores
cumprimentos,
Pela Frente Cívica,
João Paulo Batalha, Vice-Presidente