Por:Jorge Amaro
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A forma opaca como os partidos
políticos e seus representantes, os deputados, supostamente da nação, em
profundo desrespeito pelo poder de representação que lhes foi conferido pelo
voto popular, usam e abusam de uma imunidade constitucional ao abrigo do nº 1
do Artigo 157º da CRP para legislar em benefício directo do partido que representam e a
quem obedecem, à revelia do interesse nacional, repugna-me.
Esta “Gaiola de Faraday” que
atribui a cada deputado a imunidade necessária para não ter de responder, civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e
opiniões que emite no exercício das suas funções, é a impunidade, o campo
eléctrico nulo da política, aquele que resulta da ausência de mecanismos
representativos, uninominais, que permita aos cidadãos rescindir para
substituir, aqueles que privilegiam a sua condição de “servos” partidários,
submissos a uma carta de alforria, em detrimento da representação que lhes foi
conferida pelos seus representados.
A esse propósito, da
representação, não poderia deixar de fazer aqui a reflexão algébrica que se
impõe à atual representação política no Parlamento, aquela que legisla em nome
de todos nós portugueses, uma reflexão que não visa contestar ou criticar a
solução governativa encontrada, a famosa “Geringonça”, muito menos avaliar
populismos eleitorais dos atores que lhe deram vida, mas sim, para analisar o
deficit de cidadania que por ausência de participação cívica dos cidadãos em
sufrágios eleitorais, permite a uma minoria legitimada, governar como se fosse
uma “maioria”.
Assim sendo e porque os números
são como o algodão, “não enganam”, importa referir que a atual representação
parlamentar na Assembleia da República (230 deputados) em resultado das
eleições legislativas realizadas a 4 de outubro de 2015, tendo sido sufragada por
5.408.805 votantes, representa 55,86% de um universo eleitoral de 9.682.553 inscritos
em território nacional e estrangeiro.
Aprofundando a análise numa
relação racional entre o número de eleitores inscritos e o número de votos
expressos, com total propriedade refiro que, numa primeira análise o Partido
Socialista ao obter 1.747.685 votos se assume como um governo em representação
de 18,05% dos eleitores inscritos, ou
ainda e numa segunda análise mais alargada afirmo que a solução parlamentar
encontrada, a “Geringonça”, permitiu ao atual governo do PS encontrar
estabilidade governativa numa solução negociada com o BE e PCP/PEV a que
corresponde um total de 122 deputados, em representação de 28,35% dos eleitores inscritos, ou seja, 2.744.557 votos expressos.
E porque o verdadeiro cancro da
democracia são os elevados níveis de abstenção eleitoral, 44,14%, desvalorizo
neste contexto a representação partidária obtida, consciente de que a solução
do problema não passará nunca pelo conforto eleitoral que esta “doença” concede
aos partidos ditos do arco da governação ou àqueles que a apoiam, mas sim, pelo
combate político que a cidadania terá de realizar no sentido de uma educação
cívica geracional para a cidadania, que promova a inclusão e simultaneamente
combata o clientelismo que um qualquer cartão partidário confere aos seus apaniguados.
Encontro nesta representação algébrica,
desproporcionada, razões para referir que a atual Assembleia da República se
inscreve no contexto da ausência de limites à “pouca vergonha nacional “ porque
racional seria que a Assembleia da República preenchesse apenas os lugares
inerentes aos votos expressos dos cidadãos, 128 deputados, e que as restantes cadeiras, 102 lugares, se encontrassem vazias por inexistência de
representação, a abstenção eleitoral, a “vergonha nacional “ que coloca aos cidadãos
a emergente necessidade de participação cívica, capaz de impedir a aprovação partidária
de leis discricionárias, lesivas dos direitos e deveres de cidadania, neste particular,
a nova lei de financiamento partidário.
Parafraseando João Cardoso Rosas,
os partidos políticos, esses “grupos
organizados de indivíduos que visam conquistar o poder e mantê-lo, dentro das
regras do regime constitucional ou até procurando subvertê-las” deveriam
auto financiar-se sem precisar de mecenas, porque quem dá espera receber algo
em troca e quem recebe fica no mínimo com uma dívida de gratidão, e como se não
bastasse alimentar-se das subvenções do Estado, dinheiro de todos nós, veem ainda
subverter regras constitucionais em benefício próprio, auto discriminando-se, pela lei, em relação aos
cidadãos.
A ideologia, enquanto
representação coletiva da sociedade, a ordem das ideias, não retira capacidade
cognitiva aos cidadãos, antes pelo contrário, permite a distinção clara entre políticas
para comparar as forças em competição, o pluralismo ideológico, para delas
conscientemente aferir através desse poder único que é o voto, qual o modelo
pretendido para o domínio do Estado, da lei e da governação.
Sem limites à “Pouca Vergonha
Nacional”, alguns partidos representados na Assembleia da República, cujas
siglas me recuso a referir, e outros que igualmente representados também não
refiro porque o seu voto contra representa uma estratégia populista para melhor
se posicionar em sondagens, mas dele retiram idêntico benefício, todos legislam
de forma discricionária sem respeitar valores de equidade em relação aos
cidadãos.
Ademais, com o beneplácito do Presidente
da República, de quem me assistem fortes dúvidas de vetar de novo este diploma,
opinião que fundamento nas posições públicas por si assumidas, nomeadamente
quando em primeira instância referiu que no uso das suas competências tinha
vetado o diploma em nome do “sentimento” nacional, fizeram-me descer de novo a atenção.
Vem agora o senhor Presidente da
República considerar que os deputados fizeram um esforço para ir ao encontro da
sociedade civil e do seu veto inicial, imagem que revejo nesta infeliz, mas “profética”
declaração: “A minha recomendação era
muito simples: têm de discutir e explicar aos portugueses aquilo que querem
aprovar. Fizeram isso. Até fizeram mais do que eu tinha proposto. Porque eu
tinha colocado como hipótese apenas um debate amplo. Não confirmaram só,
alteraram".
Que a versão final do diploma sobre
financiamento partidário agrade ao Presidente da República, pela “simplicidade”
que lhe atribui ou ainda pela grandeza do benemérito gesto que atribui aos
deputados, isso não me surpreende, faz parte de uma cultura política, a do
afeto, quiçá com os olhos postos na reeleição, ad contrário à figura fria e austera
do seu antecessor, mas não o descola da
inóxia imagem de um Chefe de Estado cujos argumentos e decisões nem sempre recolhe
a plena respeitabilidade institucional dos partidos que se fazem representar na
Assembleia da República.
A bem da Democracia, que a
separação e interdependência de poderes consagrados na Constituição da
República Portuguesa, princípios fundamentais a um Estado de direito
democrático se sobreponha aos difusos interesses partidários representados na
Assembleia da República, como corolário matricial dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais dos cidadãos, designadamente daqueles que adormecidos
pela ausência de verdade e rigor das diferentes governações, ou dos ridículos afetos,
se disponibilizem a reverter o atual status, para assumir uma maior
participação cívica que altere os limites a esta “pouca vergonha nacional”.
Jorge Amaro
15/03/2018