As PPP em Portugal
Reza a
história que um dia a Rainha D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques,
pretendeu atravessar o rio Douro numa garganta do rio actualmente no Concelho
de Mesão Frio tendo para tal sido ajudada por um barqueiro. Sendo essa
travessia de vital importância na ligação entre Amarante e Lamego, mandou a Rainha
aí colocar uma barca e os respectivos barqueiros, que pudesse ser usada
gratuitamente de dia ou de noite por qualquer pessoa (sob pena de prisão àquele
que cobrasse o que quer que fosse pela travessia).
Em
compensação aos que prestavam esse serviço ofereceu um conjunto de terras
aráveis nas proximidades para que aí se instalassem e vivessem desse
rendimento.
Assim se estabeleceu e prosperou a vila ribeirinha que ainda hoje se chama
Barqueiros.
Esta é, na minha opinião a mais antiga PPP portuguesa e
traduz bem o que deve ser uma parceria entre o Estado e os privados. Perante a
necessidade de um determinado serviço público visando o desenvolvimento de uma
região e facilitando a vida das populações, atribui o Estado a um conjunto de
cidadãos o direito de prestar esse serviço estabelecendo igualmente em que
condições e qual a devida compensação pelo serviço prestado.
Actualmente podemos encontrar em Portugal e por todo o
mundo bons exemplos de parceria onde, por iniciativa do Estado, entidades
privadas prestam serviços à comunidade em melhores condições - e mais baratas
para o contribuinte - do que se fossem estas geridas directamente pelo poder
central.
Na forma actual as PPP tomam a forma de contrato de concessão
limitados no tempo competindo aos privados fazer o investimento, procurar o
financiamento e gerir o serviço de acordo com as condições negociadas. Ao
Estado compete pagar uma renda fixa (nos modelos sem custo para o utilizador)
ou permitir à concessionária a cobrança de determinado valor a quem recorre ao
serviço prestado (o que nas PPP rodoviárias se chama concessão de portagem
real).
Os riscos são contratualmente divididos entre os parceiros.
- Aos privados compete assumir todos os riscos relacionados com a produção - do planeamento da estrutura até à sua manutenção.
- Ao Estado compete assumir os riscos relacionados com factores que não dependam da performance da empresa concessionária como por exemplo os riscos devidos a decisões políticas - unilaterais - que de alguma forma condicionam os resultados da exploração da concessão.
- Estado e concessionárias partilham em geral os riscos (e proveitos) de procura do serviço (quando for o caso). Estando em causa um serviço público estabelecido por iniciativa do Estado, compete-lhe pagar a disponibilidade do serviço nos casos em que a procura seja inferior ao esperado. Pelo contrário, se a procura (e a consequente receita) for superior ao esperado os parceiros dividem entre si o lucro resultante.
Nos últimos 30 anos podemos encontrar exemplos de PPP nas mais
diversas áreas, por ex da renovação urbana, transportes, aeroportos, educação,
rodoviário, defesa, água, ferroviário, justiça ou saúde, espalhadas por países
tão diferentes como Austrália, Coreia do Sul, Reino Unido, México ou Canadá. O
Chile é referido como um caso de sucesso após algumas renegociações dos
contratos iniciais.
Podemos por isto concluir que por todo o mundo há bons e
maus exemplos de PPP onde as autoridades Portuguesas se poderiam ter inspirado
quando em 1998 entenderam avançar para a primeira ruinosa PPP - a ponte Vasco
da Gama.
Portugal não foi pioneiro na adopção do regime PPP como
forma de contratação pública em alternativa às convencionais empreitadas
totalmente financiadas com capitais públicos e posteriormente geridas pelo
Estado. Contudo, não sendo os primeiros foram precisos apenas 15 anos para nos
tornarmos líderes Europeus das PPP (investimento em percentagem de PIB). Fosse
isto uma coisa boa e estaríamos ricos!
Há actualmente em Portugal contratos nos sectores da segurança (SIRESP), Ferroviário (Fertagus e Metro Sul do tejo - MST), Saúde (10) e Rodoviário(21).
De todos estes casos é aveite como exemplo de investimento sustentável o MST
sendo o caso das PPP rodoviárias referido unanimemente como ruinoso para as
contas públicas.
De facto as tristemente famosas PPP rodoviárias dão mau
nome a uma solução de contratação pública que tinha tudo para correr bem pelo
que vale a pena conhecer em detalhe o que se passa com estas negociatas.
O primeiro sinal de que algo não está bem nestes contratos
é o facto de serem sigilosos, ilegalmente secretos e, mesmo após a denúncia
deste facto pelo Tribunal de Contas (entre outros), o facto é que ainda hoje
não é possível conhecer o conteúdo de alguns dos contratos e seus anexos
naquilo que é mais relevante - as obrigações do Estado.
Acresce que, de acordo com notícias recentemente divulgadas
na comunicação social, há mesmo indícios da existência de contratos paralelos, também
eles secretos e não escrutináveis pelos cidadãos ou entidades de regulação e
tutela das contas do Estado.
A confirmar-se este facto criminoso é agravado pela dimensão do prejuízo que
representa para o Estado. De lamentar que a investigação demore tanto tempo (já
lá vão 7 anos desde o início da investigação) e que, até serem conhecidas as
conclusões da investigação, continuarem os contribuintes a pagar valores obscenos
por contratos evidentemente ilegais.
A
matemática habilidosa nos contratos PPP
Há um ruinoso detalhe comum a todos os sigilosos contratos das
PPP. A maioria das concessões é chamada de portagem real, o que significa que
deviam custar zero euros ao Estado cabendo aos privados cobrar as respectivas
portagens e assim receber o devido retorno do seu investimento. Este é o caso
por exemplo da Ponte Vasco da Gama. Mas, onde o Estado deveria pagar zero já
tinha pago em 2013 mais de 846 milhões euros!
Como pode acontecer isto?
A culpa é de umas habilidosas fórmulas matemáticas a que, de forma simplista,
chamarei "disponibilidade". Em cada contrato há um valor mínimo previsto
de veículos que devem usar determinada auto-estrada e, que quando não se verifica,
obriga o Estado a indemnizar a concessionária. Curiosamente os valores mínimos
nunca foram atingidos e o Estado paga todos os anos milhares de milhões de
euros de "disponibilidades"!
Fica no ar a pergunta: Como é possível cometer o mesmo erro
em TODOS os contratos? Quem fez estas contas tão ruinosamente erradas?
A resposta foi dada à Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP - CPI.
Quando uma empresa apresenta a concurso a sua proposta de concessão, ela inclui o número previsto de veículos que usarão aquela auto-estrada.
Se o contrato for aceite e as previsões estiverem erradas, o Estado paga...e paga sempre!
A resposta foi dada à Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP - CPI.
Quando uma empresa apresenta a concurso a sua proposta de concessão, ela inclui o número previsto de veículos que usarão aquela auto-estrada.
Se o contrato for aceite e as previsões estiverem erradas, o Estado paga...e paga sempre!
Podemos ler nos testemunhos recolhidos pela CPI a
justificação deste facto com a notória dificuldade dos técnicos que representam
o Estado no estudo destes contratos terem acesso à fórmula de cálculo destas
"disponibilidades" referindo ainda que os técnicos que defendem os
interesses das empresas privadas estão sempre mais habilitados (e informados). Não
é pois de admirar que as previsões estejam sempre erradas e seja sempre o mesmo
parceiro a pagar!
Há outra razão matemática para este ruinoso resultado - a
TIR, taxa de rentabilidade do investimento do parceiro privado. Este valor não
é critério de selecção da proposta vencedora de determinado concurso de
concessão - o que é avaliado é apenas o cumprimento do caderno de encargos. A
TIR é um valor facilmente manipulável (de acordo com os técnicos ouvidos pela
CIP) calculada pelo privado de acordo com alguns pressupostos que na prática
nunca se verificam e atingem em alguns casos os 20% em milhares de milhões de
euros.
Mas, uma vez assinado o contrato, o Estado obriga-se a
garantir a referida TIR ou seja a pagar em toda a vigência do contrato a
rentabilidade anunciada à partida pela empresa concessionária.
Em conclusão e estudados todos os contratos PPP, conclui a
CPI que em todos os casos seria mais barato ao Estado contratar a empreitada
pela forma convencional ou seja através de dívida pública.
De tão evidentes e arrasadoras que são estas conclusões, sou
levado a crer que a opção pelo regime PPP é de responsabilidade política.
A
responsabilidade política
Há uma ferramenta chamada Comparador do Sector Público -
CST - de uso obrigatório por lei desde 2003, que permite perante determinado
projecto escolher o tipo de contratação - regime PPP ou empreitada directa.
Refere o relatório da CPI que na maioria dos casos não foi
usado este comparador obrigatório na justificação da decisão da forma de
contratação, facto alertado diversas vezes pelo Tribunal de Contas. Este
detalhe conduz mais uma vez à ilegalidade dos contratos assinados bem como à
responsabilidade política de quem os assinou.
É fácil de entender a motivação de qualquer governo para
recorrer à contratação em regime PPP - fazer obra sem agravar o défice das
contas do Estado.
Assim nasceram como cogumelos auto-estradas em todo o País chegando mesmo ao cúmulo de estar prevista a terceira ligação Porto-Lisboa!
Assim nasceram como cogumelos auto-estradas em todo o País chegando mesmo ao cúmulo de estar prevista a terceira ligação Porto-Lisboa!
Tivessem estes contratos resultado em proveito para as
populações com encargos aceitáveis / suportáveis para o Estado e estaria eu
hoje a dar os parabéns aos nossos visionários governantes que, contra a Lei,
contra os críticos e contra o Tribunal de Contas, levaram a cabo tão proveitosa
empreitada!
Mas não foi assim que aconteceu. Ao longo de 15 anos de
ruinosos contratos PPP os nossos governantes nada aprenderam com os erros
anteriores e insistiram no disparate até à falência do Estado em 2011 e
consequente cancelamento de todas as PPP em estudo nesta altura por imposição
da Troika. A PPP do túnel do Marão, em construção à data, foi resgatada pelo
Estado passando para gestão directa da Infraestruturas de Portugal - IP.
Diz o povo que à primeira quem quer cai, à segunda cai quem
quer!
Associando o facto de alguns dos mais altos responsáveis
políticos pela contratação de PPP serem hoje funcionários das empresas a quem
concessionaram estas obras e que há anos beneficiam de lucros obscenos, com a
investigação em curso pela unidade anti corrupção da PJ que envolve a maioria
deles, sou levado a crer que nada disto aconteceu por acaso.
Os indícios apontam para uma actividade criminosa organizada
que obrigará o Estado por várias gerações a pagar dinheiro que não tem, prolongando
a austeridade e sobrecarregando com impostos os contribuintes sem que estejam
garantidos serviços básicos nas áreas da Saúde e da Educação!
No que respeita a responsabilidade política, choca-me o
facto de haver actualmente uma maioria parlamentar de partidos (PCP, BE e PSD)
que nos últimos 6 anos se referiram às PPP usando especificamente a palavra
RUINOSAS, mas que nada fazem ou fizeram para acabar com este assalto às contas
públicas.
A realidade dos números é esta:
- tivesse o governo em 2011 sido tão lesto a resgatar as PPP, conforme compromisso assinado com a Troika, como a baixar salários e pensões e aumentar o iva de bens de consumo básico e obrigatório como a electricidade, e já hoje estariam pagas todas as PPP.
- está hoje o Estado comprometido no pagamento de 18 mil milhões de euros (a somar às indeminizações de valor variável pedidas ao Estado a cada ano) por um património avaliado pelo Eurostat em 5 mil milhões de euros.
- tivesse o governo em 2011 sido tão lesto a resgatar as PPP, conforme compromisso assinado com a Troika, como a baixar salários e pensões e aumentar o iva de bens de consumo básico e obrigatório como a electricidade, e já hoje estariam pagas todas as PPP.
- está hoje o Estado comprometido no pagamento de 18 mil milhões de euros (a somar às indeminizações de valor variável pedidas ao Estado a cada ano) por um património avaliado pelo Eurostat em 5 mil milhões de euros.
Há ainda o embuste da "renegociação" dos
contratos PPP com que os últimos governos vão tentando abafar este escândalo e
que, em troca da poupança de tostões anunciados em grandes parangonas na
comunicação social ao seu serviço, resultam invariavelmente em mais garantias
para os parceiros privados e mais riscos e encargos futuros certos mas de valor
indeterminado. Por outro lado a inação dos partidos da oposição torna-os
cúmplices deste crime e obriga à intervenção dos cidadãos!
O que
podem fazer os cidadãos perante este assalto?
Estando em curso a investigação pela PJ às ruinosas PPP,
resta-nos aguardar e desejar que a Justiça seja rápida a prender os eventuais
criminosos e recuperar em favor do Estado todo o dinheiro roubado nos últimos anos.
Mas se devemos deixar à justiça a recuperação dos valores
já pagos indevidamente, podemos nós os contribuintes assumir a liderança deste
assunto e exigir à Assembleia da República o resgate imediato de todas as PPP
rodoviárias pelo seu valor justo.
É pois esta a minha única motivação enquanto cidadão para
subscrever, assinar e divulgar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos "Pela
extinção das PPP rodoviárias" e recomendar a todos os portugueses que
também o façam na certeza de que a força e sucesso desta iniciativa está
directamente relacionado com o número de cidadãos efectivamente mobilizados
nesta causa!
A sua assinatura faz toda a diferença para Portugal...e a
si não custa nada!
Henrique Trigueiros Cunha
10/08/2018
Consultei (e recomendo a consulta) na elaboração deste
artigo de opinião:
-Relatório da "Comissão parlamentar de inquérito à contratualização,
renegociação e gestão de todas as PPP do sector rodoviário e ferroviário"
- 2013
- Relatórios da UTAP - unidade técnica
- "O impacto financeiro das PPP na economia portuguesa" de Bruno Vieira - ISCTE - Outubro de 2016
- Relatórios da UTAP - unidade técnica
- "O impacto financeiro das PPP na economia portuguesa" de Bruno Vieira - ISCTE - Outubro de 2016