A reutilização de livros escolares é, há
décadas, uma realidade na maioria dos países da Europa, começando pelos mais
desenvolvidos, e também em todas as escolas internacionais que funcionam em
Portugal, esta é a prática corrente.
Nos últimos anos todos os Partidos
políticos apresentaram projetos de Lei que abordam a reutilização dos livros
escolares e, desde 2006, que a Lei determina que os livros escolares sejam
concebidos, certificados e produzidos de forma a permitir a sua reutilização.
Contudo, ainda que este tema reúna um raro consenso político, nunca até hoje
nenhum Ministro da Educação conseguiu ultrapassar os obstáculos que se lhe
colocam para implementar esta ideia.
A aquisição de livros escolares pelo Estado
Português para empréstimo a todos os alunos do ensino obrigatório representa
uma enorme economia para as famílias com filhos em idade escolar e também para
os cofres do Estado. Esta é a recomendação do Conselho Nacional de Educação
(CNE) que por 3 vezes foi consultado sobre o tema e por 3 vezes viu o seu
parecer ignorado por quem lho encomendou.
Do desejo dos cidadãos em reutilizar os
livros escolares, nasceu espontaneamente em 2011 o movimento reutilizar.org que teve por primeira
missão, promover a abertura e divulgação de bancos de partilha de livros. Pela
simpatia que as famílias têm por esta ideia o sucesso foi imediato e, desde
então, por todo o País, abriram centenas de bancos por iniciativa, tanto de
simples cidadãos, como de Autarquias, Escolas e Associações. Em poucos anos, os
livros usados passaram a ter valor e a ser transacionados em grande número nas
plataformas eletrónicas que se dedicam a este comércio. Os portugueses
abraçaram esta ideia e o que até aí era uma partilha entre familiares sem
expressão económica, passou a representar uma prática corrente com impacto nas
contas das empresas livreiras que não tardaram a tentar contrariar esta
tendência.
Os inúmeros relatos das crescentes
dificuldades encontradas por quem queria reutilizar livros escolares, levaram o
movimento reutilizar.org a intervir, apresentando uma Queixa formal ao Provedor
de Justiça em 15 de Setembro de 2015 que contou com a participação de mais de
5.000 cidadãos. Esta segunda fase de intervenção do movimento reutilizar.org foi consequente e resultou num enorme avanço - hoje
temos um Ministro da Educação disposto a cumprir a Lei e também a vontade
expressa da maioria dos Portugueses.
Quando, no 1º trimestre de 2016, Tiago
Brandão Rodrigues prometeu implementar um sistema de partilha de livros
escolares acessível a todos os alunos e financiado pelo Estado, a indústria
livreira que até aí mantinha uma ação habilidosa e discreta, passou ao ataque
movendo influências e adotando um discurso arrogante e ameaçador com o intuito
de bloquear a ação do Governo.
Assistimos hoje a uma verdadeira campanha
contra a reutilização. Multiplicam-se nos meios de comunicação social, opiniões
encomendadas a “amigos” dos mais variados quadrantes, alertando para os
malefícios e inconvenientes de, em Portugal, um livro escolar servir para uso
de mais que um aluno, tal como acontece no resto da Europa.
Entre argumentos geralmente
infundados e mal informados, surgiu um parecer assinado por um reputado
constitucionalista, que erige engulhos à reutilização dos livros escolares e
que diverge da análise da efetiva conformidade constitucional da intenção
legislativa do governo, para uma surpreendente antevisão de contingências
futuras que poderiam, conceptualmente, vir a ser entendidas como incompatíveis
com normas constitucionais. Parecer que, entre considerações, mais do
domínio da psicologia do que do direito, defende uma Educação
“tendencialmente gratuita” numa clara alusão à alteração da redação do artigo
74º Constituição.
Na prática quer isto dizer que,
ao contrário do previsto na redação atual, caberá às famílias subsidiar o
ensino obrigatório dos seus filhos!
E assim chegamos a este ponto:
está previsto na Lei, o ministro manda, o povo quer … mas não é certo que vá
acontecer porque, entre os parceiros institucionais da Educação, não há quem
defenda clara e inequivocamente os interesses dos pais e encarregados de
educação. Mesmo os que têm essa obrigação!
Para o movimento reutilizar.org , parceiro
incondicional de todas as famílias que por motivos económicos, ambientais e
pedagógicos, querem reutilizar os livros escolares, este impasse leva à entrada da
terceira fase da nossa ação.
É chegada a hora de apoiar o ministro da educação na
sua batalha pela reutilização universal dos manuais escolares, contra o
poderoso lobby das livreiras e seus homens de mão."
(Texto publicado no Público)
Henrique Trigueiros Cunha
Porta-voz do movimento reutilizar.org