terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Janela da Frente - REUTILIZAR - Henrique Trigueiros Trigo


A reutilização de livros escolares é, há décadas, uma realidade na maioria dos países da Europa, começando pelos mais desenvolvidos, e também em todas as escolas internacionais que funcionam em Portugal, esta é a prática corrente.
Nos últimos anos todos os Partidos políticos apresentaram projetos de Lei que abordam a reutilização dos livros escolares e, desde 2006, que a Lei determina que os livros escolares sejam concebidos, certificados e produzidos de forma a permitir a sua reutilização. Contudo, ainda que este tema reúna um raro consenso político, nunca até hoje nenhum Ministro da Educação conseguiu ultrapassar os obstáculos que se lhe colocam para implementar esta ideia.
A aquisição de livros escolares pelo Estado Português para empréstimo a todos os alunos do ensino obrigatório representa uma enorme economia para as famílias com filhos em idade escolar e também para os cofres do Estado. Esta é a recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) que por 3 vezes foi consultado sobre o tema e por 3 vezes viu o seu parecer ignorado por quem lho encomendou.
Do desejo dos cidadãos em reutilizar os livros escolares, nasceu espontaneamente em 2011 o movimento reutilizar.org que teve por primeira missão, promover a abertura e divulgação de bancos de partilha de livros. Pela simpatia que as famílias têm por esta ideia o sucesso foi imediato e, desde então, por todo o País, abriram centenas de bancos por iniciativa, tanto de simples cidadãos, como de Autarquias, Escolas e Associações. Em poucos anos, os livros usados passaram a ter valor e a ser transacionados em grande número nas plataformas eletrónicas que se dedicam a este comércio. Os portugueses abraçaram esta ideia e o que até aí era uma partilha entre familiares sem expressão económica, passou a representar uma prática corrente com impacto nas contas das empresas livreiras que não tardaram a tentar contrariar esta tendência.
Os inúmeros relatos das crescentes dificuldades encontradas por quem queria reutilizar livros escolares, levaram o movimento reutilizar.org a intervir, apresentando uma Queixa formal ao Provedor de Justiça em 15 de Setembro de 2015 que contou com a participação de mais de 5.000 cidadãos. Esta segunda fase de intervenção do movimento reutilizar.org foi consequente e resultou num enorme avanço - hoje temos um Ministro da Educação disposto a cumprir a Lei e também a vontade expressa da maioria dos Portugueses.
Quando, no 1º trimestre de 2016, Tiago Brandão Rodrigues prometeu implementar um sistema de partilha de livros escolares acessível a todos os alunos e financiado pelo Estado, a indústria livreira que até aí mantinha uma ação habilidosa e discreta, passou ao ataque movendo influências e adotando um discurso arrogante e ameaçador com o intuito de bloquear a ação do Governo.
Assistimos hoje a uma verdadeira campanha contra a reutilização. Multiplicam-se nos meios de comunicação social, opiniões encomendadas a “amigos” dos mais variados quadrantes, alertando para os malefícios e inconvenientes de, em Portugal, um livro escolar servir para uso de mais que um aluno, tal como acontece no resto da Europa.
Entre argumentos geralmente infundados e mal informados, surgiu um parecer assinado por um reputado constitucionalista, que erige engulhos à reutilização dos livros escolares e que diverge da análise da efetiva conformidade constitucional da intenção legislativa do governo, para uma surpreendente antevisão de contingências futuras que poderiam, conceptualmente, vir a ser entendidas como incompatíveis com normas constitucionais. Parecer que, entre considerações, mais do domínio da psicologia do que do direito, defende uma Educação “tendencialmente gratuita” numa clara alusão à alteração da redação do artigo 74º Constituição.
Na prática quer isto dizer que, ao contrário do previsto na redação atual, caberá às famílias subsidiar o ensino obrigatório dos seus filhos!
E assim chegamos a este ponto: está previsto na Lei, o ministro manda, o povo quer … mas não é certo que vá acontecer porque, entre os parceiros institucionais da Educação, não há quem defenda clara e inequivocamente os interesses dos pais e encarregados de educação. Mesmo os que têm essa obrigação!
Para o movimento reutilizar.org , parceiro incondicional de todas as famílias que por motivos económicos, ambientais e pedagógicos, querem reutilizar os livros escolares, este impasse leva à entrada da terceira fase da nossa ação.
É chegada a hora de apoiar o ministro da educação na sua batalha pela reutilização universal dos manuais escolares, contra o poderoso lobby das livreiras e seus homens de mão."

(Texto publicado no Público)
Henrique Trigueiros Cunha

Porta-voz do movimento reutilizar.org