Portugal está adormecido. Temos assistido a uma gestão colectiva alheada dos cidadãos, que parecem abdicar assim da capacidade de decidir sobre a sua própria vida colectiva.
Causas? Os negócios capturaram progressivamente a política, a riqueza do país tem sido maioritariamente canalizada para os bolsos duma oligarquia dominante, os cidadãos sãomarginalizados dos processos de decisão. As consequências fazem-se sentir nas diversas facetas da vida nacional.
No plano social, a situação é deprimente: metade dos portugueses estaria em situação efectiva de pobreza se fosse privada dos benefícios sociais do estado; não tem autonomia na sua vida financeira e familiar. Cerca de um milhão e duzentos mil estão em situação de desemprego ou subemprego. Há mais de cento e cinquenta mil a trabalhar auferindo pouco mais de trezentos euros por mês. O salário mínimo é de miséria. A habitação é, na generalidade, de fraca qualidade e não há condições de aquecimento no Inverno que passamos, pois o preço da electricidade é, em termos relativos, o mais caro da Europa. Os idosos com problemas respiratórios recolhem-se nos hospitais enquanto de lá não os expulsam. As cantinas sociais multiplicam-se, oferecendo refeições a famílias que se humilham para ter acesso ao que lhes deveria ser liminarmente garantido pela sociedade.
Enquanto isto, a economia não se desenvolve. Os grupos dominantes são os que se encostam às prebendas do Estado. Estes empresários do regime dispõem de benefícios fiscais, de regimes de excepção: estão isentos de IMI porque os seus imóveis estão titulados em fundos de investimento imobiliário, não pagam mais-valias como os demais porque vão sedear as suas empresas na Holanda, escondem dinheiro em offshores... tudo lhes é permitido. Conseguem leis feitas à medida e são protegidos pelas mais poderosas sociedades de advogados onde pontificam os mais famosos juristas-
políticos.
E a política? Está totalmente capturada pelos negócios. Os dirigentes partidários estão ao serviço dos maiores grupos económicos. Legislam em função do interesse destes, concedem-lhes negócios milionários, como o das parcerias público-privadas, que custam ao estado cerca de dois mil milhões por ano. O Orçamento de Estado transformou-se numa manjedoura onde poderosos vão alambazar-se em permanência, com a cumplicidade de todos os partidos do regime. Fartos e cansados, os cidadãos
afastam-se, abstêm-se e não participam na sua vida pública.
Apesar desta situação social económica e política calamitosa, os políticos, do governo á oposição, passando pelo Presidente, não atacam qualquer dos problemas. Entretêm-se com o acessório, discutem o sexo dos anjos. No que são acompanhados pelos “media” que esqueceram a sua função social; deveriam constituir-se como quarto poder, peça fulcral de controlo dos outros poderes; mas transformaram-se em meras correias de transmissão dos interesses e do discurso dos políticos e, mais uma vez dos grupos económicos.
Portugal está anestesiado. Ou amordaçado. Precisa urgentemente dum sobressalto cívico.