Faz de Conta...
Sempre gostei de histórias de
faz de conta. Fazíamos de conta que eramos princesas e príncipes, fazíamos de
conta que eramos os professores, que eramos os artistas, os pilotos, os reis,
as rainhas. No fundo fazer de conta era uma oportunidade de podermos ser aquilo
que sonhávamos. Ainda por cima todas as histórias de faz de conta tinham finais
felizes.
Mas hoje vivemos num mundo de
um outro de faz de conta…
As pessoas fazem de conta que
têm o mesmo nível de vida, que tinham antes da crise, mantêm as marcas de carros
que o seu “estatuto” social “exige”, mantêm as mesmas rotinas e tentam manter
um status quo, para o qual já não têm posses e que em vez de lhes dar prazer,
acaba por lhes trazer sofrimento e mesmo desespero. Continuam a querer que as
crianças tenham o telemóvel topo de gama e as sapatilhas de marca, muitas vezes
cortando nos gastos essenciais de alimentação e saúde. Procuram esconder da
opinião publica, do vizinho, da família até, que agora afinal também foram
afectados pela crise, mantendo uma dolorosa e doentia aparência que deseduca.
Mas o faz de conta é
transversal, nas televisões, para além de noticiários absolutamente deprimentes
dão-se as notícias seleccionadas que lhes interessam, e que, fazem de conta, serem
as mais relevantes. Há directos constantes do julgamento da "Operação Fénix", que faz de conta que é muito mais importante do que o julgamento que se
iniciou quase em simultâneo: o dos “Vistos Gold”!
Depois, são os penaltis mal marcados, o campeonato,
os ídolos, jogadores milionários, que acalentam sonhos de grandeza, a qualquer
rapazito, que preterindo os estudos, se vê já nas capas das revistas
desportivas. E continuam com os pormenores à exaustão, do toque, do tropeção,
da canelada, do árbitro, do presidente, do “apanha bolas”, de qualquer coisa! E
faz de conta que tudo tem a máxima importância!
A seguir vêm os comentadores
diversos que, faz de conta que são isentos. Faz de conta que são especialistas em tudo e mais alguma
coisa!
E as pessoas fazem de conta,
que acreditam em alguma coisa daquilo que eles vão dizendo.
Entretanto uns “exemplares” de
sem abrigo, fazem de conta que têm uma vida normal e até oferecem um almoço ao
Presidente da República. E os milhares de sem abrigo que continuam na rua, ao
frio e à chuva, não conseguem, com certeza, fazer de conta, que amanhã o sol brilhará
na janela de uma casa, onde possam morar.
Depois há os milhares de
idosos, com menos de trezentos euros para viverem durante um mês, que vão
fazendo de conta que se vão remediando, numa tristeza gelada, que lhes consome
o corpo e a alma.
E as milhares de famílias desesperadas,
onde o desemprego bateu à porta, onde é constante a ameaça de perderem o carro
e a casa, onde se faz de conta que é moda ser magro, onde se faz de conta que
se vive e apenas mal se sobrevive.
E o mais estranho de tudo isto,
é que a maioria faz de conta que não é pobre, porque tem vergonha, porque tem
medo de ser ostracizada e ainda mais excluída.
Como disse Mia Couto: “A
pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A
nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é
o pobre mas quem cria pobreza.”
Não podemos fazer de conta que
não sabemos que há responsáveis pela pobreza crescente, que há gente a
parasitar sobre a pobreza dos outros. Nós sabemos quem são! Temos que acabar
com um sistema de justiça que faz de conta que faz. Porque este faz de conta, jamais
poderá ter um final feliz!