O Erro Ortográfico
Na semana em
que uma delegação da Academia das Ciências de Lisboa promoveu na Assembleia da
República uma abordagem sobre rectificações necessárias e urgentes ao Erro
Ortográfico – cuidado, que há mais gente por aí certificada ao domingo ou
'adoutorados' por soma de cupões da Farinha
Amparo -, li um artigo sobre os erros ortográficos nos comunicados da Casa
Branca, publicado pelo insuspeito The Guardian. Confrangedor e banal, a
arrogância do cobói abafará os precários do alfabeto inglês.
Por cá tem
sido um fartote, por ventura nunca se escreveu tão mal e há muito boa gente que
já se encosta ao disparate do Erro Ortográfico (para haver um acordo tinha de
haver signatários desse acordo, mas até agora não houve consenso) para escrever
deficientemente. O meu rígido professor da 4.ª classe deixaria as mãos a arder
a muito nariz levantado da nossa praça.
Há dois dias,
na abertura do portal Sapo vi um anúncio da MEO. Prometia à clientela da
operadora que se iria apaixonar com letra grande (A), escrito numa tarja rosa,
quando o correcto seria apaixonar com letra maiúscula.
Talvez um
criativo da agência de publicidade contratada pela MEO nos queira dizer que o
defeito é feitio. Mas não é. É erro. Das letras do abecedário não se diz grande
ou pequeno, mas maiúsculo ou minúsculo. Ou será que os alvos do anúncio estão
tão bem identificados que a mensagem passa muito melhor defeituosa? Perdoa-lhes
Camões, que eles não sabem mas fazem.
Ainda esperei
(até hoje) um laivo de inteligência por parte do governo ao receber a proposta
de afinação do Erro Ortográfico em vigor, a que chama Acordo, mas o ministro
dos Negócios Estrangeiros – por onde andarão os da Educação e da Cultura? –
proferiu, em resposta, uma daquelas declarações que eles empinam quando chegam
ao poder. É um manual secreto que ensina a todos que entram para as cadeiras da
governação como falar sem nada dizer mantendo a compostura, o tom e o ar de
estarem a dissertar profundamente sobre coisas muito pensadas.
Confesso que
nunca fui à bola com este senhor, que esteve ao lado dos que nos trouxeram a
mais uma bancarrota, a de 2011, comentador trauliteiro que revelava restos de
um trotskismo mal enterrado. Mas tem vocação para ministro, percebe-se.
Disse que não
era este o tempo para alterar um Acordo assinado e em vigor em dois países,
Portugal e Brasil (não é verdade, senhor ministro, há muito que o povo
brasileiro adoptou maneirismos que agora fomos copiar), esperando-se que o
resto da lusofonia o faça. Quando? Porquê perder a alma?
Este Erro
Ortográfico viola o princípio científico de uma língua, a etimologia que criou
vocábulos e estes um discurso escrito e falado coerente.
Para quando,
senhor ministro, o tempo certo para corrigir os erros que vão sendo somados,
essas calendas gregas vulgares em política, esta deriva que está a criar mais
analfabetos funcionais, apesar de, nas tiradas inflamadas dos últimos governos,
dizerem que temos as gerações mais qualificadas, quando o correcto seria dizer
mais certificadas?
Dá-se, por ventura,
ao luxo de anotar os erros que os jornais, em papel e virtuais, publicam sem
uma correcção a posteriori, porque
das duas alguma, ou já ninguém sabe corrigir, ou esquecer dá mais jeito?
Talvez o
senhor ministro sacuda a importância de uma língua correcta – é a nossa – por
ter outros assuntos mais urgentes, como por exemplo, aclarar se devemos cortar
relações diplomáticas com o Iraque ou prepararmo-nos para a guerra – a agressão
ao miúdo português foi comprada e todos se calaram. Diplomacia e livro de
cheques. Soberania, logo se vê. A ironia serve este tempo.
Andamos de
cócoras em tantas horas do dia que dava gosto ouvir por uma vez a diferença que
não batesse na vulgaridade, no lugar-comum, no mais do mesmo que mantém os do
poder no poder e os outros no rebanho.
António Manuel Ribeiro