A matemática eleitoral - um sistema que cala as minorias
A Constituição estabelece a
proporcionalidade do sistema eleitoral nas eleições legislativas.
Este princípio é duplamente
violado com o método (Hondt) utilizado em Portugal contribuindo, juntamente com
outros fatores, para a baixa participação dos cidadãos nos actos eleitorais.
Ponto 1 - Mesmo antes das
eleições os pequenos círculos começam a perder na distribuição de mandatos por
círculo. É um facto que 4 eleitores em Lisboa representam tanto como 5 em
Bragança! Se a matemática não permite que a razão entre eleitores recenseados e
número de mandatos seja exatamente igual, qual a razão para este arredondamento
favorecer o maior Distrito?
Ponto 2 - Se tivermos por base
o resultado das últimas eleições constatamos ainda que a coligação vencedora conquistou
104 lugares à razão de um deputado por cada 20.000 votos enquanto no caso do
PAN esta razão é de 1 para 75.000!
Com esta forma de fazer as
contas, em 2015 sete partidos com mais de 20.000 votos cada um ficaram de fora.
Pergunto-me quem fará mais falta hoje na Assembleia da República: os cabeças de
lista destes partidos, em geral personalidades largamente conhecidas pelos seus
eleitores, ou os incógnitos deputados sentados algures nas grandes bancadas do
centro, “nomeados” sabe-se lá por quem e eleitos por menos de 15.000 votos?
Esta desproporcionalidade do
ratio votos / eleitos favorece claramente os grandes partidos e demonstra que este
método pouco democrático viola frontalmente a Constituição.
Tudo estaria menos mal não
fosse o caso de metade dos cidadãos recenseados se absterem de exercer o seu
dever cívico e ser este um dos maiores problemas da nossa democracia.
Qual será a motivação de um
eleitor de Portalegre simpatizante do PAN em sair de casa ao domingo para ir
votar sabendo à partida que os 2 mandatos do seu círculo estarão
invariavelmente entregues aos partidos do costume. O mesmo pensará um apoiante
dos maiores partidos que sabe à partida “quem elege quem” no seu distrito
qualquer que seja o seu voto.
Pensando também no ponto de
vista dos partidos com menos recursos, porque razão irão os seus candidatos
investir o seu tempo de campanha e parcos recursos a ouvir os problemas de quem
está em Beja sabendo que lhes é impossível aí conquistar qualquer dos 3
mandatos disponíveis?
É evidente que a probabilidade
de um pequeno partido eleger o seu primeiro deputado aumenta consideravelmente
nos grandes círculos de Lisboa ou Porto (com 47 e 39 mandatos respectivamente)
e logicamente será aí que investirão o seu tempo e dinheiro. Serão os cidadãos
desses círculos os alvos das suas promessas atenções. Serão os seus problemas a
ser ouvidos e, por conseguinte, estarão também mais próximos de ser resolvidos!
Pergunto: e quem quer saber dos
Portugueses do interior se não pesam nestas contas? Quem quer saber dos seus
interesses, preocupações e particularidades se até na hora de votar valem menos
que os das capitais?
Este sistema eleitoral
contribui para o progressivo desinteresse dos cidadãos pelos actos eleitorais e
conduz fatalmente ao reforço das assimetrias em grandes e pequenas cidades,
litoral e interior. Recorrendo mais uma vez aos números das últimas eleições
legislativas verificamos que a abstenção é claramente maior nos Distritos com
menos mandatos.
Média 43%, Bragança 52,7%,
Lisboa 39,5%.
Mas há alternativas. Várias
alternativas!
Uma delas, já em prática nos
Açores, será a criação de um círculo nacional de compensação onde se reúnem os
votos “perdidos” nos restantes círculos (mais de meio milhão em 2015 – 10% do
total) e onde os pequenos partidos poderão lutar em condições iguais com os
maiores!
Um modelo simples que, se
tivesse sido aplicado a nível nacional em 2011, permitiria termos hoje (até) mais
5 partidos com assento parlamentar a defender diferentes sensibilidades e
interesses e a escrutinar a acção dos governos e das maiorias parlamentares que
os suportam.
Porque também neste tema o
interesse dos partidos não coincide com o dos cidadãos, a comissão instaladora
da Frente Cívica, no cumprimento da sua missão, apresentou em 9 de Março uma
Queixa ao Provedor de Justiça tendo por base o incumprimento da Constituição no
que respeita a proporcionalidade do sistema eleitoral, as suas consequências e
ainda a solução que preconizamos.
Julgo ser este um importante
contributo para a necessária discussão sobre este assunto.
Henrique Trigueiros Cunha