domingo, 12 de março de 2017

Janela da Frente - A MATEMÁTICA ELEITORAL - UM SISTEMA QUE CALA AS MINORIAS - Henrique Trigueiros Cunha



 

A matemática eleitoral - um sistema que cala as minorias

A Constituição estabelece a proporcionalidade do sistema eleitoral nas eleições legislativas.
Este princípio é duplamente violado com o método (Hondt) utilizado em Portugal contribuindo, juntamente com outros fatores, para a baixa participação dos cidadãos nos actos eleitorais.
Ponto 1 - Mesmo antes das eleições os pequenos círculos começam a perder na distribuição de mandatos por círculo. É um facto que 4 eleitores em Lisboa representam tanto como 5 em Bragança! Se a matemática não permite que a razão entre eleitores recenseados e número de mandatos seja exatamente igual, qual a razão para este arredondamento favorecer o maior Distrito?
Ponto 2 - Se tivermos por base o resultado das últimas eleições constatamos ainda que a coligação vencedora conquistou 104 lugares à razão de um deputado por cada 20.000 votos enquanto no caso do PAN esta razão é de 1 para 75.000!
Com esta forma de fazer as contas, em 2015 sete partidos com mais de 20.000 votos cada um ficaram de fora. Pergunto-me quem fará mais falta hoje na Assembleia da República: os cabeças de lista destes partidos, em geral personalidades largamente conhecidas pelos seus eleitores, ou os incógnitos deputados sentados algures nas grandes bancadas do centro, “nomeados” sabe-se lá por quem e eleitos por menos de 15.000 votos?
Esta desproporcionalidade do ratio votos / eleitos favorece claramente os grandes partidos e demonstra que este método pouco democrático viola frontalmente a Constituição.
Tudo estaria menos mal não fosse o caso de metade dos cidadãos recenseados se absterem de exercer o seu dever cívico e ser este um dos maiores problemas da nossa democracia.
Qual será a motivação de um eleitor de Portalegre simpatizante do PAN em sair de casa ao domingo para ir votar sabendo à partida que os 2 mandatos do seu círculo estarão invariavelmente entregues aos partidos do costume. O mesmo pensará um apoiante dos maiores partidos que sabe à partida “quem elege quem” no seu distrito qualquer que seja o seu voto.
Pensando também no ponto de vista dos partidos com menos recursos, porque razão irão os seus candidatos investir o seu tempo de campanha e parcos recursos a ouvir os problemas de quem está em Beja sabendo que lhes é impossível aí conquistar qualquer dos 3 mandatos disponíveis?
É evidente que a probabilidade de um pequeno partido eleger o seu primeiro deputado aumenta consideravelmente nos grandes círculos de Lisboa ou Porto (com 47 e 39 mandatos respectivamente) e logicamente será aí que investirão o seu tempo e dinheiro. Serão os cidadãos desses círculos os alvos das suas promessas atenções. Serão os seus problemas a ser ouvidos e, por conseguinte, estarão também mais próximos de ser resolvidos!
Pergunto: e quem quer saber dos Portugueses do interior se não pesam nestas contas? Quem quer saber dos seus interesses, preocupações e particularidades se até na hora de votar valem menos que os das capitais?
Este sistema eleitoral contribui para o progressivo desinteresse dos cidadãos pelos actos eleitorais e conduz fatalmente ao reforço das assimetrias em grandes e pequenas cidades, litoral e interior. Recorrendo mais uma vez aos números das últimas eleições legislativas verificamos que a abstenção é claramente maior nos Distritos com menos mandatos.
Média 43%, Bragança 52,7%, Lisboa 39,5%.
Mas há alternativas. Várias alternativas!
Uma delas, já em prática nos Açores, será a criação de um círculo nacional de compensação onde se reúnem os votos “perdidos” nos restantes círculos (mais de meio milhão em 2015 – 10% do total) e onde os pequenos partidos poderão lutar em condições iguais com os maiores!
Um modelo simples que, se tivesse sido aplicado a nível nacional em 2011, permitiria termos hoje (até) mais 5 partidos com assento parlamentar a defender diferentes sensibilidades e interesses e a escrutinar a acção dos governos e das maiorias parlamentares que os suportam.
Porque também neste tema o interesse dos partidos não coincide com o dos cidadãos, a comissão instaladora da Frente Cívica, no cumprimento da sua missão, apresentou em 9 de Março uma Queixa ao Provedor de Justiça tendo por base o incumprimento da Constituição no que respeita a proporcionalidade do sistema eleitoral, as suas consequências e ainda a solução que preconizamos.
Julgo ser este um importante contributo para a necessária discussão sobre este assunto.

Henrique Trigueiros Cunha