Só a verdade é revolucionária
Lembrei-me
desta máxima que aprendi ainda adolescente com a chegada da primavera dos
cravos – foi uma mulher de rua, vendedeira, que não tendo cigarros para
satisfazer o pedido de um magala a calcorrear de G3 as ruas do golpe lisboeta,
lhe enfiou os cravos no cano e a imagem pegou de marca revolucionária na manhã
do dia 25 de Abril de 1974. Não houve calculismo, fervor revolucionário,
orientação política, houve o melhor da vida, uma confluência de situações da
vida normal. Marcelo (Caetano, claro) entrou de gatas na Chaimite, a populaça
aqueceu as palmas das mãos na chapa verde-azeitona que o levou de fugida para o
Funchal antes do exílio no Brasil. Coitado, oiço cada vez mais perorando,
coitados de nós, respondo, que suportámos (cobardia nacional) a fraqueza
cordata de homens coitados na tribuna do poder.
Nessa
manhã de quase chuva, os pides à espreita começaram a rasgar os cartões da sua
arrogância com cheiro a Caxias, os bufos saltavam de barricada sem saberem
muito bem a fundura do fosso do outro lado, e o regime de opereta, com dois
ministro de cu alçado a esburacarem uma parede do ministério – ai se o Dr.
Salazar pudesse dar-lhes um raspanete pela destruição do património – para
fugirem das castanhas assadas da revolta, caiu como caem sem estrondo as
glórias de papelão – não foi a humidade, foi a urgência.
Ontem
de manhã integrei uma delegação da Associação Frente Cívica que visitou, de
novo, a Associação 25 de Abril. Perante homens que desafiaram o poder
autoritário fascizóide do velho regime, curvo-me com humildade; ouvi a voz da
história, pedaços que um dia vivi.
Prefiro
o tom desbragado, até provocador, do coronel Vasco Lourenço, às meias falas que
nos envolvem a vida política e social, depois de passarem o crivo dos conselheiros
de imagem e marqueteiros de serviço. Prefiro a frontalidade, mesmo errónea, à
sacanice – não é característica bondosa, é falência cultural arreigada até ao
tutano.
Porque
se só a verdade é revolucionária – Maiakovski o disse –, as meias verdades e os
sapos que andam para aí tanta gente televisiva a engolir vai-se tornando um
hábito.
O
meu pai, que era durinho na disciplina, muito mesmo, sem saber que Maiakovski
existia, oriundo do rigor jesuíta (seminário de S. Paulo em Almada) foi mais
severo. E a cada mentira ofereceu-me um castigo, por vezes um açoite. Aprendi.
De
excepção em excepção, ou de mentira em mentira (pequenina, às vezes, sussurram)
criámos uma regra, que é o antónimo de excepção. E isso não é boa política para
uma nação. Para um lar. Entre amigos. Isso é caruncho. Não é exemplo.
Sejam
as SMS da virgem escolhida para a CGD, seja a falha (mal contada) da fuga de 10
milhões para o Sol do Panamá, seja o bico calado que pedem a Teodora Cardoso, isto
e o resto à solta revelam que o mais importante é o anúncio sem contraditório,
as águas calmas sem ventania, a democracia de canto coral.
Porque
se apenas a verdade é revolucionária, a força da verdade, mesmo com erros, só
enobrece a coragem de quem tenta governar neste mundo enlouquecido. Somos
poucos, 10 milhões cá dentro, para enfrentar as vagas de tanta estranheza.
Uma
pergunta coloquial: para que serve a Caritas se não pode responder a todos os
pedidos de ajuda mas conserva milhões no banco?
Aroeira,
9 de Março de 2017
António