Divórcio: Os pais não têm direito aos filhos.
Vivemos numa sociedade que evoluiu para um
estado em que os casamentos e as uniões se fazem e desfazem com uma facilidade,
ligeireza e frequência confrangedoras. Uma espécie de crise da família enquanto
instituição.
Não havendo filhos menores, as escolhas que os
membros do ex-casal fazem para a sua vida são um problema que é de cada um
deles. Tomada a opção por caminhos divergentes, haverá que sarar as chagas quando
as há, dividir o activo e o passivo, fazer as contas e partir.
Havendo filhos menores, a questão muda
radicalmente de figura.
Como é sabido, o processo de divórcio abrange
diversas vertentes, pessoais e patrimoniais. Entre elas, devem os ex-cônjuges
chegar a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais
sobre os filhos em comum. E esta regulação não é, nem pode, ser vista como uma
mera burocracia processual ou como mais uma conta de deve e haver com génese na
cisão da família.
É aqui que urge afirmar que os pais não têm
“direito aos filhos”. Que é errada a afirmação tão frequente dos pais, no
sentido de que “têm direito” a ter os filhos consigo. Ninguém tem o direito a
ficar com as crianças durante a semana, a fins-de-semana alternados, de os
levar para o Algarve no verão ou de os levar a passar o Natal com a família na
Serra da Estrela.
Apraz-me registar ser este leitmotiv cada vez mais presente nos escritórios de advogados e nos
tribunais de família no tratamento de processos desta tão sensível natureza.
Aliás, a própria alteração da terminologia da
lei demonstra a evolução deste paradigma. Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de
Outubro, que redefiniu por completo o regime jurídico do divórcio, deixou de se
falar no vetusto conceito de “poder paternal” e passou a falar-se em
“responsabilidades parentais”. Em que “responsabilidades” tem o mais literal
sentido que se lhes possa dar. Preceitua o n.º 1 do artigo 1.878.º do Código
Civil, definindo o conteúdo das ditas responsabilidades, que “Compete
aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover
ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros,
e administrar os seus bens”.
É assim que, no decesso do casamento ou da
união, os pais não têm legitimidade para arvorar quaisquer direitos sobre os
filhos. Outrossim, têm obrigações, deveres e responsabilidades para com os
menores. São os filhos que são credores dos pais e não o contrário.
O acordo quanto à regulação das
responsabilidades parentais sobre os menores tem que ser gizado de modo a assegurar
que ambos os progenitores contribuem, activamente, para garantir a segurança e
saúde deles, para o seu sustento e para a sua formação moral e educacional. Determinado
que fique com quem é que os menores residirão e qual o regime de visitas, a
distribuição das férias e dos dias festivos, é um erro afirmar que os pais “têm
direito” a estar com os filhos nos dias que lhes forem cometidos no acordo. Não
têm direito, têm essa obrigação. Essa e muitas mais.
É, também, obrigação dos pais promover
activamente um acordo consensual e equilibrado no sentido da regulação do
exercício das responsabilidades parentais. Isto não só porque é sua
responsabilidade e porque estão a prover pelo interesse e pelo futuro dos
filhos, mas também porque se não chegarem a um acordo entre eles, o que vai
suceder é a alienação da responsabilidade por decidir a matéria mais importante
de todas para a esfera do tribunal. E colocar um terceiro a decidir – que por
mais competência que tenha para o fazer não deixa de ser um estranho à família,
cuja obrigação de decidir o futuro dos menores é apenas funcional – é desde
logo uma manifestação de inépcia de, pelo menos, um dos membros do ex-casal
para defender o porvir dos filhos.
É por todas estas razões que se defende que,
findo o casamento, cessada a coabitação, os pais não têm direito aos filhos.
Têm a obrigação e a responsabilidade de acordarem entre si num regime de
regulação do exercício das responsabilidades parentais – que sobre ambos
impendem em igual medida – que salvaguarde, da melhor maneira, o interesse dos
menores.
Pedro
Archer Cameira
Advogado