domingo, 26 de março de 2017

Janela da Frente - DIVÓRCIO: OS PAIS NÃO TÊM DIREITO AOS FILHOS - Convidado - Pedro Archer Cameira



Divórcio: Os pais não têm direito aos filhos.

Vivemos numa sociedade que evoluiu para um estado em que os casamentos e as uniões se fazem e desfazem com uma facilidade, ligeireza e frequência confrangedoras. Uma espécie de crise da família enquanto instituição.
Não havendo filhos menores, as escolhas que os membros do ex-casal fazem para a sua vida são um problema que é de cada um deles. Tomada a opção por caminhos divergentes, haverá que sarar as chagas quando as há, dividir o activo e o passivo, fazer as contas e partir.
Havendo filhos menores, a questão muda radicalmente de figura.
Como é sabido, o processo de divórcio abrange diversas vertentes, pessoais e patrimoniais. Entre elas, devem os ex-cônjuges chegar a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais sobre os filhos em comum. E esta regulação não é, nem pode, ser vista como uma mera burocracia processual ou como mais uma conta de deve e haver com génese na cisão da família.
É aqui que urge afirmar que os pais não têm “direito aos filhos”. Que é errada a afirmação tão frequente dos pais, no sentido de que “têm direito” a ter os filhos consigo. Ninguém tem o direito a ficar com as crianças durante a semana, a fins-de-semana alternados, de os levar para o Algarve no verão ou de os levar a passar o Natal com a família na Serra da Estrela.
Apraz-me registar ser este leitmotiv cada vez mais presente nos escritórios de advogados e nos tribunais de família no tratamento de processos desta tão sensível natureza.
Aliás, a própria alteração da terminologia da lei demonstra a evolução deste paradigma. Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que redefiniu por completo o regime jurídico do divórcio, deixou de se falar no vetusto conceito de “poder paternal” e passou a falar-se em “responsabilidades parentais”. Em que “responsabilidades” tem o mais literal sentido que se lhes possa dar. Preceitua o n.º 1 do artigo 1.878.º do Código Civil, definindo o conteúdo das ditas responsabilidades, que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
É assim que, no decesso do casamento ou da união, os pais não têm legitimidade para arvorar quaisquer direitos sobre os filhos. Outrossim, têm obrigações, deveres e responsabilidades para com os menores. São os filhos que são credores dos pais e não o contrário.
O acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais sobre os menores tem que ser gizado de modo a assegurar que ambos os progenitores contribuem, activamente, para garantir a segurança e saúde deles, para o seu sustento e para a sua formação moral e educacional. Determinado que fique com quem é que os menores residirão e qual o regime de visitas, a distribuição das férias e dos dias festivos, é um erro afirmar que os pais “têm direito” a estar com os filhos nos dias que lhes forem cometidos no acordo. Não têm direito, têm essa obrigação. Essa e muitas mais.
É, também, obrigação dos pais promover activamente um acordo consensual e equilibrado no sentido da regulação do exercício das responsabilidades parentais. Isto não só porque é sua responsabilidade e porque estão a prover pelo interesse e pelo futuro dos filhos, mas também porque se não chegarem a um acordo entre eles, o que vai suceder é a alienação da responsabilidade por decidir a matéria mais importante de todas para a esfera do tribunal. E colocar um terceiro a decidir – que por mais competência que tenha para o fazer não deixa de ser um estranho à família, cuja obrigação de decidir o futuro dos menores é apenas funcional – é desde logo uma manifestação de inépcia de, pelo menos, um dos membros do ex-casal para defender o porvir dos filhos.
É por todas estas razões que se defende que, findo o casamento, cessada a coabitação, os pais não têm direito aos filhos. Têm a obrigação e a responsabilidade de acordarem entre si num regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais – que sobre ambos impendem em igual medida – que salvaguarde, da melhor maneira, o interesse dos menores.
Pedro Archer Cameira
Advogado