Crianças Órfãs da
Lei
Todos os dias, a
publicidade entra-nos casa adentro com promessas várias e personagens a
condizer. Não raramente, os anúncios televisivos usam crianças e mesmo bebés
para vender produtos. Em alguns casos, essa utilização é permitida por lei, de
acordo com a regulamentação existente sobre esta matéria. Deixando de lado a
discussão sobre a legitimidade de se andar a vender a imagem dos mais novos,
há, contudo situações em que essa utilização é ilegal e acontece à vista de
todos.
Os anúncios na televisão
só podem conter imagens de crianças e bebés quando os produtos ou serviços promovidos
têm uma conotação direta com aquela faixa etária. Temos, por isso, bebés a
vender fraldas e crianças a promover brinquedos para outras crianças. Mas a lei
só permite esta circunstância.
E faz sentido. A
proibição da utilização indiscriminada de crianças é perfeitamente
compreensível. Não seria aceitável que se apropriassem das características de
ternura, protecção ou carinho, que sentimos pelas crianças para um balde de
detergente, um contentor do lixo ou um hipermercado. Essa usurpação de imagem
seria indigna.
Em Portugal, a
proibição é assegurada pelo artigo 14º do Código da Publicidade que reza que
“os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias
em que se verifique existir uma relação direta entre eles e o produto ou
serviço veiculado”. Esta legislação vai aliás no sentido defendido pelos
organismos europeus, nomeadamente o Comité Económico e Social, que proclama sem
dúvidas que “a publicidade que se serve abusivamente de crianças para
finalidades que nada têm a ver com assuntos que diretamente lhes respeitem,
ofende a dignidade humana e atenta contra a sua integridade física e mental e
deve ser banida”.
Mas a lei é
violada em permanência, enquanto as autoridades assobiam para o lado. Os
interesses dos grandes anunciantes vencem sempre, a impunidade tem sido regra
ao longo dos anos. Desde detergentes, como o “Fairy”, que vêm sendo promovidos
como se fossem brinquedos, às diversas marcas de automóveis, passando pela
Coca-Cola ou pela EDP, muitos são os que têm utilizado indevidamente a imagem
de crianças.
Entretanto, as
autoridades parecem não se dar conta do que se passa à frente dos seus olhos. A
Direcção Geral do Consumidor está adormecida, há anos. E nem mesmo o Ministério
Público intervém, apesar da responsabilidade que tem de actuar sempre que tenha
conhecimento de alguma ilegalidade. Como os anúncios são públicos, os
procuradores não se poderão desculpar com desconhecimento da ilegalidade… pelo
menos, não por falta de publicidade…