quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Janela da Frente - CRIANÇAS ÓRFÃS da LEI - Paulo de Morais


Crianças Órfãs da Lei

 Todos os dias, a publicidade entra-nos casa adentro com promessas várias e personagens a condizer. Não raramente, os anúncios televisivos usam crianças e mesmo bebés para vender produtos. Em alguns casos, essa utilização é permitida por lei, de acordo com a regulamentação existente sobre esta matéria. Deixando de lado a discussão sobre a legitimidade de se andar a vender a imagem dos mais novos, há, contudo situações em que essa utilização é ilegal e acontece à vista de todos.
Os anúncios na televisão só podem conter imagens de crianças e bebés quando os produtos ou serviços promovidos têm uma conotação direta com aquela faixa etária. Temos, por isso, bebés a vender fraldas e crianças a promover brinquedos para outras crianças. Mas a lei só permite esta circunstância.
E faz sentido. A proibição da utilização indiscriminada de crianças é perfeitamente compreensível. Não seria aceitável que se apropriassem das características de ternura, protecção ou carinho, que sentimos pelas crianças para um balde de detergente, um contentor do lixo ou um hipermercado. Essa usurpação de imagem seria indigna.
Em Portugal, a proibição é assegurada pelo artigo 14º do Código da Publicidade que reza que “os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado”. Esta legislação vai aliás no sentido defendido pelos organismos europeus, nomeadamente o Comité Económico e Social, que proclama sem dúvidas que “a publicidade que se serve abusivamente de crianças para finalidades que nada têm a ver com assuntos que diretamente lhes respeitem, ofende a dignidade humana e atenta contra a sua integridade física e mental e deve ser banida”.
Mas a lei é violada em permanência, enquanto as autoridades assobiam para o lado. Os interesses dos grandes anunciantes vencem sempre, a impunidade tem sido regra ao longo dos anos. Desde detergentes, como o “Fairy”, que vêm sendo promovidos como se fossem brinquedos, às diversas marcas de automóveis, passando pela Coca-Cola ou pela EDP, muitos são os que têm utilizado indevidamente a imagem de crianças.
Entretanto, as autoridades parecem não se dar conta do que se passa à frente dos seus olhos. A Direcção Geral do Consumidor está adormecida, há anos. E nem mesmo o Ministério Público intervém, apesar da responsabilidade que tem de actuar sempre que tenha conhecimento de alguma ilegalidade. Como os anúncios são públicos, os procuradores não se poderão desculpar com desconhecimento da ilegalidade… pelo menos, não por falta de publicidade…